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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

05
Mai17

[psiquiatrices] e comida saudável

beijo de mulata

Esta passou-se no meu hospital, com uns colegas meus, no internamento de Pedopsiquiatria. É uma enfermaria geralmente muito animada, com muitas particularidades que fazem dela um especial caso de sucesso. Os meus colegas jogavam às cartas com um grupinho terapêutico muito divertido, em que se incluíam algumas doentes com anorexia nervosa em franca recuperação, outras com depressão grave, outras com outras patologias. A dada altura, uma adolescente com anorexia nervosa lança a carta representada acima, declarando, triunfante:

- Ás de Brócolos!

(O que prova que qualquer mancha em psiquiatria é projetiva. E poderia abrir aqui um longo parêntesis sobre a interpretação deste lapsus linguae, mas não o farei pelos seguintes motivos:
a) não pretendo fazer psicanálise selvagem;
b) a origem do ato falhado é absolutamente óbvia;
c) no dia em que inventarem um teste de Rorschach de escolha múltipla prometo vir aqui fazer uma interpretação extensa do paradigma;
d) sem outro motivo;
e) tenham um bom fim de semana!).
13
Abr17

[psiquiatrices] uma crise de soluços improvável

beijo de mulata

Abril é o mês em que me lembro sempre, com um sorriso, desta improbabilidade que me aconteceu há já mais de 10 anos... Perdoem-me os que já leram e releram este post. Mas eu não resisto a contar de novo esta história...

O mentor espiritual desta blogger mulata certa vez teve uma crise de soluços. Nada há de extraordinário nisto, não fosse dar-se o facto de a crise ter sido desencadeada por um desgosto de amor e ter sido tão prolongada que o colocou em perigo de vida...

Dois dias depois do início da crise, exausto de tanto soluçar involuntariamente (sem nunca ter chorado, obviamente, que um homem não chora!) telefonou-me. A início não liguei nada. Que mal poderia advir de uma crise de soluços? Quase levei a peito. Mais valia que chorasse a sério no meu ombro e não deixasse o corpo chorar por si nesse chove-não-molha tão incomodativo. Retorquiu que não era nada disso. Estava com uma grande ansiedade, sim senhor, estava de coração partido, era verdade, mas que não tinha vontade de chorar. Tudo bem, respondia eu, que era certamente tudo verdade, que o Psiquiatra era ele, mas que isso era o corpo a chorar por ele, que viesse tomar café comigo que era o que fazia melhor... Não veio. De onde se conclui que um homem que não chora também não toma café com as amigas.

Mas no dia seguinte, depois de uma noite sem conseguir adormecer, ele estava uma lástima e com sensação de morte iminente. Com o otimismo que me caracteriza quando trato de pessoas de quem gosto e com os remorsos de quem tinha desvalorizado a situação clínica, comecei a pensar em coisas selvagens: um abcesso subfrénico, um tumor do tronco cerebral, uma neoplasia da pleura... Lá nos fizemos ao caminho para o hospital e, metodicamente, começámos numa ponta (na TAC de crânio, obviamente) e acabámos na eco abdominal. Nada. Saudável que nem um pêro, que um homem que não chora e que não toma café com as amigas também nunca tem nada de grave, ora essa, era só o que faltava.

Ficámos a olhar um para o outro... O que fazer a seguir? Seria desta, então, que íamos tomar café? Também não... Que a sensação de morte iminente não passava, que já quase não tinha forças, que se sentia mesmo mal, que estava quase a desfalecer. A sorte dele é que conseguia mesmo parecer o que dizia, respondi, de outra forma já estaríamos fora dali, na Versailles, a tomar café. E lá fomos para o laboratório fazer uma gasimetria. E qual não foi o meu susto, que ele estava com uma alcalose respiratória descompensada, com uma hipocaliémia e hipocalcémia (era grave, meus amigos, era grave...).

Pronto, já estava convencida. Que tínhamos de resolver aquilo (caraças para os homens que não choram, que são sãozinhos que nem um pêro, que não tomam café com as amigas e ainda por cima as deixam assim em situações difíceis) e só havia uma maneira: tinha de ficar internado e fazer uma injeção intramuscular de cloropromazina...

Que não, que nem pensar! Que me estava a esquecer que era Psiquiatra naquele mesmo hospital e que não podia ficar internado a fazer um antipsicótico. Nem que fosse life-saving. Ora, que como eu própria sempre dizia, ele que não se preocupasse, que mesmo que um Psiquiatra desse em doido nunca perderia a reputação entre os doentes. Nem mesmo entre os enfermeiros. Que não me fizesse de engraçadinha, que nem por sombras ficaria no hospital!

Estaria eu a ouvir bem? Para minha casa?! Nestas condições, se ocorresse alguma complicação havia risco de mortalidade (que 20% não era brincadeira!), mas foi inamovível. Ou em minha casa ou preferia morrer. Caraças para os homens que não choram mas que em situações destas se tornam drama-queens! (E vamos lá despachar a coisa, que a história já vai longa e a nossa vida não é isto!). Então resumindo, passei uma das piores noites da minha vida com ele a dormir placidamente, depois de os soluços terem passado. Doze horas depois, acordou muito bem disposto, embora a falar à "Prlesidente da Xunta" e a dizer que achava que se calhar precisava de um café para acordar...

De onde se conclui que os homens que não choram, também vão às vezes tomar café com as amigas, mas em pijama, depois de uma noite em casa delas... e só depois de uma dose valente de antipsicóticos..
26
Jul16

[vozes brancas*] planos para o futuro

beijo de mulata
Na consulta de desenvolvimento, hoje, estava a ver um menino com uma perturbação de identidade de género, com um conflito latente enorme com o pai, que fica literalmente doente quando vê o menino a dançar ballet. Tem um ataque de nervos, sobe-lhe a tensão, sente-se desfalecer, fica com dores no peito, falta de ar, tem de ir para o hospital, que lhe dá um fanico, dois chiliques e três achaques. Haveria certamente quem dissesse que esta reação também é um pouco exagerada, mas enfim, cada um reage como pode (e aqui para nós, é assim que a gente percebe que o-menino-tem-a-quem-sair,-mas-enfim,-eu-não-disse-nada).

- O que é que queres ser quando fores crescido?
- Quero ser bailarino! - responde com um brilho nos olhos, de quem a mera palavra "bailarino" enche a alma.
- Que bonito, e o que gostarias de ser se não fosses bailarino?
- Acho que tinha também jeito para ser médico.
- Ah, acho que sim, que terias muito jeito! Sabes falar muito bem com as pessoas. E olha, aquele teu amigo, o David, aquele que gosta de dançar Hip-hop e pratica capoeira. O que é que ele quer ser quando for crescido?
- Ele quer ser Presidente da República... Ou então condutor do metro.

*Voz branca - Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
29
Dez15

[improbabilidades] uma vela a santa rita de cássia

beijo de mulata
Ontem na consulta do hospital, vi um menino pela primeira vez. Pareceu-me um menino um pouco tristonho, meio macambúzio, tímido, reservado, respondia com monossílabos, mas olhava-me com um olhar expressivo, intenso, como se quisesse compensar com o olhar o que não conseguia encontrar palavras para dizer. Educado, com vontade de agradar, coisa rara em pré-adolescentes (e, para mim, mau sinal, que um pré-adolescente a tentar agradar-me sem me conhecer de lado nenhum deixa-me sempre com a orelha levantada de que pode estar deprimido...).

- Então o que a traz a esta consulta? - pergunto à mãe.
- Doutora, eu vim aqui porque não sou de automedicar os meus filhos, eu tenho muito medo e só me automedico a mim e aos meus filhos com receita médica. Mas ele há uns tempos para cá que anda assim muito distraído, parece-me desmotivado. Lê uma coisa e no momento a seguir esquece-a, sabe uma coisa num dia, no outro dia já não sabe. Vai para os testes uma pilha de nervos... eu já pensei em acender uma vela a Santa Rita (piscadela de olho), mas tenho medo que não resulte ou que lhe faça reação...
- Uma vela a Santa Rita? Mas Santa Rita de Cássia, padroeira das causas impossíveis?
- Sim, doutora.
- Bem, mal não faz, miminhos e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Mas isto é uma consulta de Desenvolvimento, não veio aqui para lhe ensinar a rezar a Santa Rita, pois não?
- Ó doutora, eu já experimentei com a Santa Rita e não deu resultado, por isso pensei na outra Rita... (nova piscadela de olho)
(Eu já incomodada com tanta piscadela de olho desadequada...) - Na outra Rita? Qual outra Rita, a Ritalina?
- Sim, doutora, a Ritalina! É que o irmão toma. Eu experimentei-lhe a dar e ele deu-se muito bem, mas como não sabia se lhe podia continuar a dar resolvi pedir esta consulta.

(Custou a desembuchar! Só me fez lembrar aquela anedota do século passado do senhor muito bem posto que vai à farmácia e pergunta: "Tem camisas com colarinhos e botões de punho prateados?" "Não, senhor, isto é uma farmácia, não vendemos camisas dessas." "Então dê-me das outras." Quanto ao resto, não comento!)
08
Abr15

[a minha vida dava um filme cigano] e o cérebro todo apanhadinho...

beijo de mulata
Há dias, na urgência de pediatria, encontrei um menino de 8 anos de etnia cigana que sigo na consulta por dificuldades de aprendizagem e alterações do comportamento gravíssimas. Um menino para quem o simples exercício de 7 e 7 são 14 com mais 7 são 21, em calhando num dia mau, pode fazer despoletar uma batalha campal em plena sala de aula e certa vez deixou o meu gabinete de consulta revirado durante 3 dias tal foi a frustração que o menino sentiu quando ouviu uma pergunta que o obrigaria a concentrar-se e não estava capaz. Mas enfim, são vidas, contextos e famílias, e o menino lá andava a melhorar, devagarinho mas ia (a sério que ia), com alguma paciência e muito trabalho de sua mãe e dos professores da escola.


O problema foi que a dada altura, após a morte do avô, começou a regredir a olhos vistos e as alterações do comportamento atingiram patamares a raiar o nível do autoproclamado "estado islâmico", quer no recreio quer na sala de aula. A professora ligou-me, preocupada. A mãe ligara-me dias antes, desesperada. Concordei que seria então necessário marcar uma consulta de urgência e medicar o menino. A consulta teve lugar dias depois, em conjunto com a família e as professoras.


Duas semanas depois vi-o então na urgência.
- Então, mãe, o menino como está? Melhorou alguma coisa com a medicação?
- Não, doutora, nã teve melhoras nenhumas.
- Ai, não me diga, mas continua tudo na mesma?
- Sim, doutora, já nã sei o que fazer. Até me parece que está cada vez pior... Já viu a minha vida?
- Pior? Ai, valha-me Deus! Mas vamos lá ver, a que horas lhe dá o medicamento?
- Ah, doutora, nã lhe di...
- Não lhe deu? Mas porquê?
- Eu saí da consulta a achar que lhe ia dar, mas depois o mê marido chegou a casa e teve a ler o medicamento po dentro, e teve medo que o remédio lhe apanhasse o cérebro. Por isso nã lhe demos.


...
09
Dez14

[outras palavras] o lugar das birras é no birrão!

beijo de mulata
Em criança atirava-me para o chão quando me contrariavam a vontade infantil. Fazia birras. Em qualquer lugar. Terminadas, normalmente, com um açoite e mais lágrimas. Era o método pacifista de antigamente: a palmada da paz.

Entretanto passaram-se 40 anos e deparo-me com uma criança de 18 meses a pôr-se em bicos dos pés, a crescer literalmente para mim, a encostar-me à parede para poder passar. Mal termino de proferir um Não! e já a miúda está a espumar da boca, de punhos cerrados e com um olhar, primeiro suplicante, depois raivoso. Sou a mãe carrasco. E ela não é menos do que um Gremlin, dos maus.

– Não dê importância! Senão, está tramada – Palavras da pediatra. Conselhos das amigas mães.

Regras dos livros com títulos que as mães querem ouvir: O Grande Livro dos Medos e Birras; Grandes Birras, Pequenos Truques; As crianças francesas não fazem birras. – A sério? Bem, talvez possa admitir que um Laissez faire, laissez passer! dito por uma criança francesa à sua mamã não envergonhe ninguém. E conforta-me saber que terei sempre Paris.

Ninguém gosta de fitas, caprichos, comportamentos exacerbados. Nos outros, claro. Respira-se fundo, conta-se até dez, argumenta-se, depois ameaça-se e, finalmente, castiga-se.

– Ignore! Tenha paciência! – Errado. Porque ninguém ignora; finge que ignora. Finge, impacientemente, que tem toda a paciência do mundo. Porque para a criança aprender a lidar com as suas frustrações, os pais têm de engolir as suas verdadeiras reações. Porque as crianças aprendem com o exemplo dos pais que, convenhamos, são exemplares quando fazem de conta. São dos melhores artistas que tenho observado.

No meu caso estou a iniciar carreira como cantora. Nunca me deu para cantar a meio de uma discussão. Só que as birras dão mesmo cabo da sanidade mental dos pais. Por isso, dei comigo a desatar a cantar, um destes dias, quando a minha filha se atirou para o chão porque não a deixei comer um parafuso. A um prego eu até poderia ter olhado para o lado mas o parafuso soltou-me as cordas vocais.

Birras são como vilãs / Tombos indiscretos no alcatrão sujo / Rasgando os nervos das mamãs / Deitados nas Birras, alheios a tudo / Olhos lacrimejantes / Pensamentos danados.
É mauzinho mas é sincero. E funcionou pois a miúda ficou sem pio. Penso que, instintivamente, sentiu que era melhor ter cuidado comigo. Percebo-a, há dias em que penso o mesmo sobre a minha pessoa.

Quanto a ela, gosto de pensar que a miúda é expressiva. Que manifesta um forte desejo de independência em construção. Quer trocar a fralda em pé, que estando empapada em cocó, me facilita imenso a vida. Quer comer com as mãos, o que não me incomodava se não fosse puré. Não quer pôr o cinto de segurança, eu obrigo e ela tira as alças assim que arranco. Quer sempre mais uma colher de xarope e, se a deixasse, auto-medicava-se desde os 2 anos. Ah! E quer pintar as paredes, que são minhas, com os lápis de cera, que são dela. A pro-atividade impera nas crianças.

Honestamente, invejo-a. E que caiam os dentes a quem negar esta evidência: todos os adultos mentalmente saudáveis, pais ou não, invejam as birras infantis. Porque também eles, em crianças, foram lesados nas suas vontades e impedidos de reclamar, ripostar, reagir.

E como se não bastasse terem sido obrigados a desistir dos seus caprichos de infância, ainda lhes é exigido que se comportem como adultos todos os dias do resto da sua vida! Uma crueldade. Felizmente, existem os batoteiros. Que são a maioria.

Para manterem a sanidade mental, adultos e crianças, têm mesmo de despejar as vontades contrariadas. Assim, a única solução que encontro é arranjar um birrão. É como ir pôr o lixo, à noite, na rua. Todos os dias temos de o fazer, atar o saco, carregá-lo e depositá-lo no lixão. Porque se acumularmos muitas birras ficamos nauseabundos. Limpeza é sobrevivência.

Deixemos pois as crianças fazerem as suas birras. Mas à noite, na rotina do soninho, depois de lavarem os dentes devemos ensiná-las a irem pôr as birras no birrão.

Já escrevi ao Pai Natal a pedir um birrão cá para casa, tamanho familiar. Estou em pulgas.

Por Sofia Anjos, aqui.
15
Out14

[outras palavras] welcome to holland

beijo de mulata



 
Holanda...

Sobre o choque e a necessidade de aceitação de um filho com autismo ou outro tipo de deficiência... Roubado do blogue "Para falar são precisos dois".

Ter um bebé é como planear uma fabulosa viagem de férias - para a Itália! Você compra montes de guias, faz planos maravilhosos. O Coliseu. O David de Michelangelo. As gôndolas de Veneza. Você pode aprender algumas frases simples em italiano. É tudo muito excitante.  

Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia. Você arruma as suas malas e embarca. Algumas horas depois aterra. O comissário de bordo chega e diz: - "Bem vindo à HOLANDA !" 
"HOLANDA!?! " diz você - "O que quer dizer com Holanda?? Eu escolhi a Itália! Eu devia ter chegado à Itália. Toda minha vida eu sonhei em conhecer a Itália". 


Mas houve uma mudança no plano de vôo. Eles aterraram na Holanda e é lá que você deve ficar. 
A coisa mais importante é que eles não te levaram a um lugar horrível, desagradável, cheio de pestilência, fome e doença. É apenas um lugar diferente. Logo, você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem. E você irá encontrar todo um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes. É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas, após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao redor... e começar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrandts e Van Goghs. 


Mas, todos que você conhece estão ocupados indo e vindo da Itália... e estão sempre comentando sobre o tempo maravilhoso que passaram lá. E por toda a sua vida você dirá : "Sim, lá era onde eu deveria estar. Era tudo o que eu tinha planeado." E a dor que isso causa nunca, nunca irá embora... porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa. 


Porém... se você passar a sua vida toda remoendo o fato de não ter chegado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais... sobre a Holanda.  


Emily Perl Knisley
12
Out14

[post que era para ser só um comentário] ainda as listas dos criminosos sexuais contra crianças

beijo de mulata
Obrigada por voltares, Rita! É um post brilhante e com uma excelente argumentação. Só queria acrescentar alguns pontos... Eu concordointeiramente contigo quanto ao facto de ser descabido publicar listas do quequer que seja. Tu já argumentaste magistralmentecontra esse ponto. Mas a meu ver há um problema na definição de conceitos.

Quem não é psiquiatra nem trabalha em saúde mental, pode nãoter noção que por detrás da palavra "pedófilo" podem estar conceitosmuito distintos.
Segundo o DSM, o manual/ "catálogo" de doençasmentais, o termo "pedofilia" é isso mesmo que descreves: umaorientação sexual. Uma atração preferencial por crianças pré-púberes, antes daadolescência. Também diz que essa atração é egossintónica, ou seja, a pessoamuitas vezes não se sentem mal com isso, tal não as impede de funcionarnormalmente em todos os outros aspetos da sua vida em sociedade e não criadificuldades inter e intrapessoais significativas. Como tal, um pedófilo assimdescrito não procura ajuda. Já daqui vem uma dificuldade. Por vezes passam aoato com crianças que estão ao seu alcance (dentro e fora de casa).

Mas ocasionalmente, essas pessoas interiorizam que este atoé condenado pela sociedade, podem refletir sobre isso e, sobretudo depois deterem sido condenadas por um abuso que cometeram, podem entrar em tratamento e,até certo ponto, controlar o seu impulso. Nesses talvez valha a pena investir.
A verdadeira questão é que, em criminologia em geral, esegundo a lei portuguesa em particular, os crimes de pedofilia são quaisquercrimes sexuais cometidos contra crianças ou adolescentes, pré-púberes ou não.Dentro da categoria "pedófilo" estão criminosos sexuais em geral, quecometem crimes contra qualquer pessoa e, "por acidente", tambémcontra crianças, e psicopatas cuja escolha de crianças lhes aumenta o prazerpor se tratar de alguém com menor poder e menor capacidade de reação. Sãosobretudo estes que passam ao ato. São quase só estes que são condenados. Sãoquase só estes que aparecerão nas listas. Listas estas que condeno, por todasas razões que tu argumentas. Menos as que dizem que os pedófilos são tratáveis.Porque muitas vezes não são.

Os tais pedófilos de que falas, os que cumprem os critérios doDSM, sobretudo os que cometem abusos dentro das próprias famílias, quase nuncasão condenados. Por mais diferenciadas que sejam as mães e os outrosencarregados de educação, quase nunca têm coragem de levar o processo adianteaté à condenação porque não querem ver o pai das crianças preso. Porque no fundoquem sofre sempre são as crianças. E ninguém quer que o seu filho seja apontadocomo “o filho do pedófilo”.
Ou seja, neste caso (o das listas de criminosos sexuaiscondenados por crimes contra crianças) pedófilos não são doentes mentais quedevem ser ajudados. Neste caso pedófilos são criminosos que, na sua maioria têmperturbações graves da personalidade, na sua maioria psicopatas, e têmcompulsão a repetir o ato, mesmo depois de terem sido condenados.

Confesso que por vezes não me apetece ser contra as listas.Sobretudo quando vejo uma criança atrás de outra a ser abusada pela mesmapessoa. E quando pergunto: "Mas esse homem não estava debaixo de olho? Ninguémtinha avisado a mãe que o homem que tinha metido lá em casa era um criminososexual?"

E as respostas não são simples. Por vezes a mãe não tinhasido avisada. Por vezes tinha sido avisada e não tinha acreditado na polícia ouna assistente social. Se o perfil dos criminosos é complexo, o perfil dasvítimas é ainda mais intrincado...

O que eu sei é que por vezes vejo crianças, vítimas duranteanos de violência (sexual ou não), completamente destruídas por dentro na suaautoestima e integridade psicológica, por pessoas, supostamente cuidadoras,fossem pais, padrastos, tutores, padrinhos e que, a muito custo, as mães lá seorganizaram para se livrarem deles. E, meses ou anos depois, pergunto às mães:"Onde está esse homem?" E elas respondem: "Tem uma nova família."
E eu arrepio-me. Quase que poderia ser a favor das listas,não fossem elas atentados contra os direitos humanos e o direito à privacidade.Não fossem elas prejudicar ainda mais as famílias deles, já de si devastadas.Não fossem elas ineficazes. Mas acho que se deveria preparar melhor as equipasque estão no terreno, articular melhor com os serviços de saúde mental, com asassociações de apoio à vítima. Deveria haver um mecanismo previsto na lei quese poderia aplicar em caso de reincidência ou comprovada compulsão a repetirpara manter os criminosos debaixo de olho a longo prazo depois de terem sidocondenados. Isto sim era responsabilizar o estado e não criar alarme nacomunidade. Isto sim seria descansar a comunidade e não criar uma comunidade emalerta permanente.


Obrigada mais uma vez, Rita, por voltares.
12
Jul14

[as melhores do serviço de urgência] resistência à frustração

beijo de mulata
 


Há dias um colega de curso postou no seu mural do facebook uma pérola que não resisto a partilhar convosco. Nas suas palavras: "o equivalente à carta do monopólio para não ir para a prisão":

O meu colega, sobre os antecedentes pessoais da senhora:

- Dona Maria, diga-me então, por favor, que doenças tem ou já teve.
- Ai, xotor, sou muito doente... sofro muito dos nervos, sou muito nervosa...
- Então?...
- Sim, xotôr, sou mesmo muito nervosa, qualquer coisinha me faz disparar o coração, fico desnorteada e não vejo mais nada à minha frente. E então às vezes caio para o chão e outras vezes faço asneiras...

- Que tipo de asneiras?
- Parto coisas, atiro tudo ao chão. E às vezes no fim também caio... 
- E chega a magoar-se quando cai?
- Não, felizmente, xotôr, em trinta anos que isto me dá nunca me aleijei. Até estava ali a pensar na sala de espera... será que o xotôr me podia passar uma declaração médica para andar na carteira a dizer que não posso ser contrariada?

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