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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

05
Mai17

[psiquiatrices] e comida saudável

beijo de mulata

Esta passou-se no meu hospital, com uns colegas meus, no internamento de Pedopsiquiatria. É uma enfermaria geralmente muito animada, com muitas particularidades que fazem dela um especial caso de sucesso. Os meus colegas jogavam às cartas com um grupinho terapêutico muito divertido, em que se incluíam algumas doentes com anorexia nervosa em franca recuperação, outras com depressão grave, outras com outras patologias. A dada altura, uma adolescente com anorexia nervosa lança a carta representada acima, declarando, triunfante:

- Ás de Brócolos!

(O que prova que qualquer mancha em psiquiatria é projetiva. E poderia abrir aqui um longo parêntesis sobre a interpretação deste lapsus linguae, mas não o farei pelos seguintes motivos:
a) não pretendo fazer psicanálise selvagem;
b) a origem do ato falhado é absolutamente óbvia;
c) no dia em que inventarem um teste de Rorschach de escolha múltipla prometo vir aqui fazer uma interpretação extensa do paradigma;
d) sem outro motivo;
e) tenham um bom fim de semana!).
26
Jul16

[vozes brancas*] planos para o futuro

beijo de mulata
Na consulta de desenvolvimento, hoje, estava a ver um menino com uma perturbação de identidade de género, com um conflito latente enorme com o pai, que fica literalmente doente quando vê o menino a dançar ballet. Tem um ataque de nervos, sobe-lhe a tensão, sente-se desfalecer, fica com dores no peito, falta de ar, tem de ir para o hospital, que lhe dá um fanico, dois chiliques e três achaques. Haveria certamente quem dissesse que esta reação também é um pouco exagerada, mas enfim, cada um reage como pode (e aqui para nós, é assim que a gente percebe que o-menino-tem-a-quem-sair,-mas-enfim,-eu-não-disse-nada).

- O que é que queres ser quando fores crescido?
- Quero ser bailarino! - responde com um brilho nos olhos, de quem a mera palavra "bailarino" enche a alma.
- Que bonito, e o que gostarias de ser se não fosses bailarino?
- Acho que tinha também jeito para ser médico.
- Ah, acho que sim, que terias muito jeito! Sabes falar muito bem com as pessoas. E olha, aquele teu amigo, o David, aquele que gosta de dançar Hip-hop e pratica capoeira. O que é que ele quer ser quando for crescido?
- Ele quer ser Presidente da República... Ou então condutor do metro.

*Voz branca - Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
17
Mai13

[psicanálise selvagem] lapsus linguae

beijo de mulata
Na consulta há uns tempos, a madrasta de uma criança relatava-me a consulta Psicologia a que tinha acompanhado a enteada tempos antes. Queixara-se na consulta de que a enteada estava o tempo todo agarrada ao pai (marido da "queixosa") e que aquela dupla imbatível tinha um fim catastrófico anunciado. Que ele lhe fazia as vontades todas, que ele não a ajudava a fazer os trabalhos de casa e que até dormia com ela se lhe pedisse.

Concordei que eram tudo maus hábitos e formas de funcionar que não promoviam a autonomia da criança.

- Pois, doutora, a psicóloga lá nos esteve a explicar que a menina ainda estava numa fase muito Edipeniana e que era preciso acompanhamento...

Eu concordei novamente, mas tive de deixar cair a caneta ao chão, Valha-me São Freud de Viena! Não consegui evitar um sorriso... O que será uma fase edipeniana? Ah, sim, aquela fase tão importante e específica do desenvolvimento em que o Édipo fica com inveja do pénis?
06
Abr10

[psicanálise selvagem] freud não fumava. nada.

beijo de mulata
Há alguns anos atrás, no meu primeiro ano de médica, estreei-me no Centro de Saúde da Lapa a fazer consulta de Medicina Geral e Familiar. Uma tarde, um compositor famoso residente na freguesia abordou-me dizendo que queria deixar de fumar, mas que tinha múltiplos bloqueios e associações mentais que o faziam, quase de forma supersticiosa, ter medo de deixar o tabaco... Que sabia que era a forma mais básica de raciocínio e defesa de personalidade, blá blá, blá, mas que não conseguia lutar contra isso. Que até tinha feito psicanálise durante 5 anos, não por este motivo, claro, mas que nem com esse treino desconstruía os vícios de raciocínio (nem deixava o do tabaco...).

Era a última consulta do dia e não me apetecia nada ir para casa estudar, portanto alongámo-nos na história da sua vida e o senhor, depois da observação, deixou-se ficar deitado na marquesa a falar... Eu poderia ter insistido para ele se levantar, mas foi tudo tão natural que também o deixei ficar e regressei para o outro lado da secretária, para continuar a ver passar a vida... Nisto, ele deixa escapar um lapso linguístico que não me passou despercebido e fiz-lhe o reparo porque era relevante para o caso...

Mas longe de admitir o lapso, parece que o meu reparo lhe carregou num interruptor qualquer:
- Mas isso é um disparate, não era nada disso que eu queria dizer. Aliás, deixei a psicanálise precisamente por causa disso! Os lapsos podem ocorrer sem que queiram dizer que eram o nosso desejo mais íntimo.
- Tem razão, concordo, mas não deixa de ser uma associação que fez espontaneamente... e depois embatucou com ela... Se calhar neste caso era relevante...
- Mas isso é dizer a mesma coisa, só que enfeitada com laçarotes cor-de-rosa!
- Pois, talvez... mas eu acredito que quando as associações nos fazem sentido as devemos explorar...
- Eu acho é que Freud era um alucinado. E mais perigoso do que tudo é que o raciocínio dele é tão circular que às vezes se torna irrefutável!
[Comecei a ficar nervosa]
- Isso é verdade, tem razão... Mas eu não estava a falar em Freud, estava a falar na associação que fez.
[Já com alguma agressividade]
- Mas isso é um absurdo, sabe bem que estava a falar na herança de Freud. E essa história da livre associação é dogmática, não é nada científica, não sei como é que uma médica consegue cair nesse erro! [De súbito, caindo em si, levantou-se da marquesa…] Desculpe, eu estava a falar consigo, mas era como se estivesse a falar com o meu pai…
- Ah, agora é que você foi Freudiano! Agora é que o Freud saltava lá do caixão!
[E dando uma gargalhada]
- Tem razão… E acha que Freud fumava?
- Acho que não…
- Pois... o meu pai também não...

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