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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

29
Nov14

[as melhores do serviço de urgência] diagnósticos brilhantes!

beijo de mulata
Serviço de Urgência, quinta feira passada. São 16:00 num dos dias mais movimentados do ano. Há trinta crianças que aguardam ser vistas, várias delas classificadas como urgentes ou muito urgentes. Temos duas horas e meia de espera para os não urgentes. Eu estou quase pelos cabelos. Não almocei, que não tive coragem de deixar a equipa mas estou quase a capitular. Decido que vou ver só mais um menino não urgente e depois vou mesmo ter de ir comer qualquer coisa...

Chamo o menino que segue. Tem quatro anos e entra-me no gabinete ostentando, orgulhoso, a sua pulseirinha verde, que para nós quer dizer "Não Urgente", mas que para ele quer dizer "Spooorting!". Olha para mim, tira-me as medidas e pergunta:

- Tu és médica do cérebro?
- Não, meu querido, sou médica de meninos. Mas porquê?
- É que eu preciso muito de uma médica do cérebro.
- Ah, está bem, daqui a nada já vou ali chamá-la - franzo o sobrolho e troco um olhar com a mãe, tão espantada como eu: o relatório de triagem dizia apenas que o menino vinha por ardor a urinar -, mas o que é que se passa contigo?
- É que o meu cérebro deve estar baralhado. Eu sinto vontade de fazer chichi a toda a hora, mas não sai nada da minha pilinha. E quando sai chichi, arde-me!

Eu e a mãe íamos rebentando a rir, mas contivemo-nos!

- Ah, olha, querido, eu acho que é o teu chichi que deve ter um micróbio e isso que deve estar a baralhar o teu cérebro.
- Ah...
- Vamos fazer uma análise ao teu chichi.
- Uma quê?
- Uma análise.
- Vão ver o meu chichi ao microscópio?
- Isso mesmo!
- Também posso ver?
- Claro! Eu depois mostro-te uma fotografia do chichi ao microscópio.
- Boa! Vamos então!

[Que maravilha! Vai longe, este miúdo!]
16
Out10

[as melhores do serviço de urgência] zoeiras

beijo de mulata
Há tempos, uma colega minha otorrino estava de urgência no hospital e vem um senhor de seus 60 anos, com um ar muito angustiado...
- Então o que é que se passa consigo?
- Estou a ouvir barulhos nos ouvidos.
- Está com zumbidos?
- Sim... quer dizer, não são bem zumbidos...
- Então, consegue descrevê-los?
- Sim, é assim [cantando]: "Ó malhão, malhão... tu não vales nada!"
- Ah, então não é para mim... tenho ali um outro colega que é mais especializado no assunto...
03
Jun10

[os doentes não estudam por tratados] ...mas deviam

beijo de mulata
(Disclaimer: Atenção, este post deveria ter uma bolinha no canto superior direito. Não é pornográfico nem obsceno, não utiliza palavras que nunca diríamos à frente da nossa mãe, mas fala de doenças do ponto de vista de um aluno que vai fazer exame de Medicina, ou seja, de um modo pouco sensível.)

Ora então, continuando a minha saga do Egas no último ano da faculdade (não, não é aquela da minha prima: "Vais para o Egas? ...e o Becas?" É aquela do Et in Arcadia Egas.): chegou, por fim, o dia em que todos tivemos exame prático, que consistia na elaboração da história clínica de um doente internado e a respectiva discussão do diagnóstico e tratamento. Os estimados leitores não médicos que me desculpem, mas não resisto a contar esta história. Prometo que a vou tentar escrever de forma perceptível, mas não prometo nada, passe o oxímoro...

Nessa manhã, todos os meus colegas chegaram mais cedo do que o costume, para poderem participar na histeria colectiva. Eu cheguei à hora de sempre: é proverbial a minha dificuldade em acordar de manhã e os dias de exame nunca foram excepção. Por outro lado, sempre achei que podia tirar partido da minha personalidade múltipla e fazer a histeria colectiva sozinha! Outra coisa que eles aproveitaram para fazer foi para cuscar os diagnósticos dos doentes internados. Infelizmente eu não podia fazer isso em casa.

Já referi anteriormente que o serviço era peculiar, que tinha uma localização improvável e uma dinâmica de grupos absolutamente única, mas esqueci-me de referir um pormenor não menos importante. Os próprios doentes nunca eram lineares. Doenças que só vêm nos livros e que nunca ninguém viu (check): apareciam frequentemente. Complicações nunca antes descritas de doenças banais (check): várias publicações em revistas internacionais à conta disso. Apresentações estranhíssimas de doenças pouco frequentes (check): aos pontapés! Doenças frequentes com uma apresentação que sugeria outra doença qualquer (check): tão frequentes como essas mesmas doenças...

Enfim... nesse dia eu estava compreensivelmente nervosa! Assim que cheguei mandaram-me ter com o doente que me tinha sido sorteado e, quando olhei para ele, aquilo que me captou de imediato a atenção foi que o senhor tinha o olho esquerdo meio fechado, ligeiramente metido para dentro. Suspirei de alívio. Percebi logo que o senhor tinha a Síndrome de Horner. Isso queria dizer que tinha um compromisso do gânglio nervoso cervical responsável pelo controlo da pupila e da pálpebra superior. Reparei logo, também, que tinha as pontas dos dedos amareladas, sinal de que fumava bastante. E tossia como quem tem uma doença pulmonar obstrutiva. A causa seria provavelmente um tumor localizado no vértice do pulmão e que tem o nome de tumor de Pancoast. Estava safa!

Era um doente simpatiquíssimo, bem disposto e com um sentido de humor contagiante. Apresentei-me, disse ao que vinha e lá fomos fazendo a história clínica alegremente, enquanto eu ia revendo mentalmente as vias nervosas do simpático cervical e da iridoconstrição, já a antecipar o brilharete que ia fazer. Ele próprio sabia o diagnóstico e confirmou-me que tinha um tumor do pulmão, mas que estava a correr tudo bem, felizmente. Congratulei-me do meu diagnóstico à primeira vista! Por fim, já no exame objectivo, pego na minha lanterninha só para confirmar (assim à picuinhas) que o senhor tinha mesmo a pupila esquerda contraída e eis senão quando ele me pergunta, com um sorriso de surpresa:

- Está a olhar para o meu olho de vidro?!

(Adenda à história clínica, para quem não é médico e portanto não ficou bem com a certeza se compreendeu a história: o doente afinal não tinha Síndrome de Horner coisa nenhuma. Tinha uma pálpebra descaída e o olho metido para dentro porque tinha uma prótese ocular e portanto lá caiu por terra o meu diagnóstico brilhante e à primeira vista de Tumor de Pancoast... Ai aquele serviço, valha-me Santa Rita de Cássia!)
29
Mar10

[improbabilidades médicas] epilepsia reflexa

beijo de mulata
Esta tarde, estava eu pela segunda vez na consulta de Neurologia com uma adolescente de 15 anos chamada Érica Vanessa* que vinha referenciada do Centro de Saúde por suspeita de crises epilépticas desencadeadas por situações bizarras... Mais uma, pensei... daquelas que vêm em trânsito para a Pedopsiquiatria, só para excluir definitivamente uma doença orgânica e que têm alta quase directamente para o divã dos psis. Aliás, estava-se mesmo a ver desde o princípio que este nome improvável não augurava nada de bom.

E então de que mal padecia a menina? A pobre criatura desmaiava em cima da mesa da cozinha quase todas as manhãs à hora do pequeno-almoço, sobretudo em dias de testes (ah...) e, mais bizarro ainda, desmaiava frequentemente ao telefone quando a mãe lhe pedia para chamar um taxi para levar o pai ao aeroporto quando este ia viajar em trabalho - era um homem de negócios, muito ligado à filha, que viajava frequentemente (um ah maior de admiração...).

Mas quando fomos fazer uma prova de sugestão, que é um procedimento altamente científico ;), em que injectamos soro fisiológico na veia e lhes mentimos com quantos dentes temos dizendo que o soro é um medicamento para provocar crises, porque só assim podemos saber o tipo de crises que elas têm, ela não teve crise nenhuma.. Estranho... geralmente caem que nem umas patinhas... E se olhássemos bem para o electroencefalograma, ela tinha alguns focos de epilepsia...

E então, depois de muito pensar, depois de muito investigar, o que é que tinha a menina? Só hoje pudemos confirmar.

No dia da primeira consulta colocámos a hipótese de epilepsia reflexa, que é um tipo muito raro, provocado por estímulos súbitos. Mas quando tentámos desencadear uma crise com barulhos (desde lançar o Simpósio ao chão - e asseguro-vos de que o Simpósio lançado ao chão faz um estrondo desgraçado - até rebentar um balão) também não conseguimos. Até que a mãe se lembrou: "Só se for quando eu fecho a tampa do caixote do lixo... Por acaso até já tinha reparado e pensado nisso, mas parecia-me tão absurdo..."

Mas nós já estávamos por tudo... e, mal acreditando no que estava a dizer, pedi-lhe "Traga, então, o caixote do lixo na próxima consulta." Só por vergonha não acrescentei "... mas não diga a ninguém que fui eu que disse isto." E hoje lá vieram os três à consulta, a mãe, a adolescente e um saco enorme do IKEA com o caixote do lixo lá dentro. E pronto, já não havia nada a fazer senão irmos mesmo as três a morrer de vergonha, com o senhor caixote do lixo, para dentro do laboratório de electroencefalografia. E não é que o raio do som de encerramento da tampa metálica desencadeava mesmo uma crise epiléptica no electroencefalograma?!

Pior ainda foi quando nos lembrámos dos "desmaios" ao telefone quando a menina chamava o táxi. Mas quem pede para trazer um caixote do lixo, também pode ligar para a empresa de táxis para saber qual o estímulo que activava o foco epiléptico, pensei. Meu dito meu feito, lá telefonei a chamar um táxi para o Hospital Dona Estefânia e a senhora pediu-me para aguardar um pouco. Coloquei o telefone em alta voz e, do outro lado da linha, começámos a ouvir a Marcha Turca de Mozart - uma versão orquestral ranhosa e roufenha - e, qual não é o nosso espanto, quando, no segundo movimento, o som da percussão de péssima qualidade fez desencadear uma nova crise epiléptica! Pobre criança, que trauma horrível! Ninguém deveria ser submetido a tamanha tortura... Até eu, se pudesse, teria tido uma crise de epilepsia...

E foi assim que esta miúda de histérica passou a crítica musical apurada! Estamos até a pensar criar uma nova corrente de crítica musical científica com base em electroencefalogramas de crianças com epilepsia reflexa, que acham?

*Nome obviamente fictício!
20
Mar10

[vozes brancas* #1] neurologices

beijo de mulata
Descrição de afasia** por uma menina de 7 anos:
- Eu não conseguia falar... Depois até me deram um papel para escrever, mas também não consegui porque, quando eu escrevo, as palavras que ponho no papel são as palavras da boca.

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
** Perturbação neurológica que origina uma incapacidade de compreensão ou expressão da linguagem.

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