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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

30
Jan13

[never take anything for granted] o próprio chão estará garantido?

beijo de mulata
 


 
Cheias na cidade de Chókwè...
(Gaza, Moçambique)
Fotos de sítios vários da net.
 

As enormes cheias que desde há uma semana estão a devastar a cidade de Chókwè, no Sul de Moçambique, deixaram quase cinquenta mil pessoas desalojadas, segundo o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (sim, existe um Instituto Nacional de Gestão de Calamidades em Moçambique, o que nos diz muito sobre o país e a forma como é gerido...).

Há dias, conversava com a minha amiga C., a minha mamã africana, sobre a forma como as pessoas muitas vezes resistem até ao último momento para aceitar que a catástrofe está iminente, que a vida vai mesmo mudar e que é preciso protegermo-nos e aos nossos, independentemente de todos os bens materiais que fiquem para trás.

(Em Moçambique esta situação é ainda mais difícil porque o futuro é território que pertence aos antepassados, o futuro é algo de quase sagrado e inviolável, portanto as pessoas muitas vezes não só não acreditam nas previsões, como se comportam ostensivamente como se não soubessem de nada. E continuam a pensar que as catástrofes só dependem do destino e não é possível fazer o que quer que seja para se protegerem.)

Mas eu e a C. concordávamos que, de qualquer forma, é muito difícil raciocinar quando está em causa o poder violento da natureza em situações limite. Foi então que ela me contou que no início dos anos '90, em plenas cheias de Maputo, foi buscar o marido ao aeroporto. Não havia taxis e não tinham motorista, portanto a única solução era ir buscá-lo. A rua quase tinha desaparecido, engolida pelas águas e havia muito pouca visibilidade por causa da chuva que não parava de cair.

- A minha mãe ficou com os meninos e eu fui com o meu pai ao aeroporto. E ele dizia-me: "Vai devagar, que a estrada está aqui mesmo em baixo, havemos de chegar." No dia seguinte, mesmo no cruzamento onde tínhamos parado, havia um buraco enorme onde podia cair um camião...

É difícil acreditar que mesmo o chão pode não estar sempre garantido. Por isso também não me espanta a atual situação da Zambézia... Rezemos...
12
Ago12

[casa do gaiato] instantes

beijo de mulata


Já vos falei várias vezes da Casa do Gaiato de Maputo. Assim uma espécie de Fundação Gulbenkian em Moçambique, com um orfanato, escolas, centros de saúde, projectos de microcrédito e mil outras actividades que ajudam a casa a auto-sustentar-se e onde os meninos podem aprender o gosto pelas profissões que vão desempenhar no futuro. Agora, por causa da crise, estão a passar dificuldades porque muitos dos apoios foram cortados, no meio da política de contenção de despesas da UE... Deixo-vos com algumas imagens do que é aquela mini-cidade!
(Boane, Maputo)
21
Jul12

[outras palavras] imposto de pele...

beijo de mulata


Mercado em Maputo.
(Xipamanine, Maputo)


Artigo escrito pelo Manuel Cardoso, sj, que vive na Beira (Moçambique) há quase um ano. Daqui.


Sou branco, "muzungu" – em língua Sena. Em Portugal já me chamaram copinho de leite, branquela, desmaiado, e tantas outras coisas! A verdade é que a melanina da minha pele não me permite passar um dia inteiro na praia. Pronto, está dito!

Ora, um muzungu em Moçambique tem a vida mesmo acrescentada! Eu chamo-lhe Imposto de Pele: se a banana custa “10-10” (lê-se «dez dez», e significa que um cacho custa 10 meticais, e cada outro cacho outros 10 mt), para um muzungu custa 20-20! Se o tomate custa 15mt a latinha (uma lata de feijões serve de medida: os que cabem dentro constituem a quantidade a adquirir), para muzungo custa 30 mt! Se a alface custa 10-10, para muzungu pode custar 30-30!

O preconceito é: muzungu tem dinheiro! Muzungu é imediatamente chamado de «boss», mas esta subserviência aparente engana: o muzungu desprevenido acaba por pagar muito caro os produtos que compra (caro quando comparado com os preços locais... ).
Como lidar com isto? Há muzungus que não se importam nada: uns porque gostam de ser tratados como reizinhos, gente superior, e ter povo que os bajule e que eles podem tratar mal sem terem consequências nenhumas; outros muzungus não se importam de ser aldrabados nos preços, porque vêem a miséria das pessoas que vendem nas ruas e nos bazares. Para este segundo grupo de muzungus, deixar-se enganar é uma forma de ajudar a família daquele vendedor a passar melhor o dia de hoje, e “a diferença de preços também não é assim tão grande para quem tem bons ordenados” – argumentam eles. Há ainda um terceiro grupo, o meu, o grupo dos muzungus que odeiam ser roubados, aldrabados, enganados e extorquidos, mesmo que por necessidade! Se me pedem ajuda é uma coisa, roubar-me é outra! Percebo as carências que muitas famílias passam, aliás muitos dos meus vizinhos vivem com grandes dificuldades, mas tirarem-me dinheiro à má-fé custa-me horrores!

É importante explicar que esta não é uma questão racial, não se trata de racismo: com africanos bem vestidos, ou que conduzam bons carros, a compra também é acrescentada! Aí não pode chamar-se Imposto de Pele, mas é qualquer coisa como uma Taxa Adicional sobre os Altos Rendimentos… O Imposto de Pele apenas se aplica ao muzungu, mas esse, mesmo que esteja vestido de pedinte, ninguém acredita que não tenha dinheiro! Há dias, contava-me uma mamã moçambicana: “Ouvi dizer que na África do Sul já há mendigos brancos, mas não acredito nisso…”
Continua...
05
Mar12

[aviso à navegação] ignore este aviso

beijo de mulata



Imagens da Casa do Gaiato...

Ontem comecei a contar uma história. Uma das mais importantes e dolorosas da minha vida... e ao mesmo tempo a mais bonita. Vinha na sequência da história da tia Cármen. Mas depois olhei para o que tinha escrito, entre um post sobre vestuário suburbano e outro sobre musicoterapia e cabrito assado e tive pudor de continuar. Achei que não queria ver essa história derramada aqui nestas páginas, onde tantas histórias e tantos disparates a podem tornar indigna... E cheguei à conclusão de que prefiro guardá-la para mim e para quem faz parte da minha vida. Pelo menos por enquanto. Os meus amigos sabem o que se passou depois e como isso mudou a minha vida. Às pessoas que não me conhecem peço desculpa: a história da Casa do Gaiato afinal não continua... é minha.

Outras histórias virão...
02
Mar12

[bodas beijo-de-mulata] mais um ano!

beijo de mulata

A flor beijo-de-mulata.

Por entre Brufenes e Ben-u-rons, dores de cabeça e no resto do corpo (descansem que não é malária!), mais os medicamentos dos meus sobrinhos, que estão iguais a mim (ou eu é que estou igual a eles, melhor dizendo), quase me esquecia de que hoje faz dois anos que me instalei, de armas e bagagens, aqui no mato, para tentar sanar um pouco as saudades de África!

Chamei beijo-de-mulata a este longe, em honra à história do Levítico, que gosto de recordar. Obrigada a todos os que não me deixam aqui sozinha, em especial aos que vêm também matar saudades e partilhar histórias comigo!

(um) beijo de mulata


Um Chá de Beijo-de-Mulata

"Há alguns anos, ainda quase recém-licenciada emMedicina, quando estava em missão de voluntariado em Moçambique, vieram trazer-meum adolescente de 15 anos. Estávamos em Naheche, uma aldeia perdida no meio dasavana, onde nos tínhamos deslocado para a campanha de vacinação. O jovemimpressionava pelos olhos tristes de quem não dormia há muitos dias e pela faceemagrecida, profundamente escavada pela ausência do apetite próprio de quemestá a crescer. Vinha acompanhado por uma senhora idosa e afável, de olhosbaços, que se movia com a desenvoltura dos que há muitos anos se habituaram àescuridão permanente da cegueira. Alguma coisa de muito grave se passava comele, dizia-me aquela avó, num sorriso tão triste que quase parecia um pranto.Estendeu a mão para a minha e guiou-me para a face do neto, percorrendo comigocada relevo, detendo-se, certeira, em cada uma das suas inquietações…

– Esta criança não está bem – sussurrava-me –, está aficar sem corpo e a pele já sobra em toda a parte… O problema está aqui.

Os gânglios do pescoço e por cima da clavícula estavammuito aumentados, duros, aderentes às estruturas vizinhas… assustadoramentemalignos! Era possivelmente um cancro do sistema linfático, um linfoma daquelesque se for tratado a tempo não tem mau prognóstico mas que, se não se tratar, odesfecho é fatal em pouco tempo… Um linfoma de Hodgkin, se quiserem muitosaber-lhe o nome. Fiquei muito preocupada. A imagem do menino correu pelosmeios que tínhamos à disposição e uma onda de solidariedade na cidade natal deum dos padres daquela missão conseguiu angariar o dinheiro suficiente para oenviar para Maputo, a milhares de quilómetros dali, para ser tratado.

Duas semanas depois, ainda a tentar organizar a suatransferência para o Hospital Central de Maputo, observei-o novamente e noteique os gânglios se tinham praticamente reduzido a metade. Nos entretantos afamília tinha obviamente ido procurar um médico tradicional, que lhe dera abeber chá de beijo-de-mulata. Evidentemente duvidei do curandeiro. Duvidei demim própria. Não confiei na prova que os meus olhos podiam testemunhar. Acrediteisó no prognóstico que vinha nos meus livros e, com o acordo da família, transferio menino para o Maputo.

Anos depois, inteiramente por acaso, vim a descobrir quedesta flor selvagem, que cresce quase como erva daninha por todo o país, seextrai a vincristina, um agente de quimioterapia activo contra o linfoma...

A lição não veio a tempo de intervir em seu favor. Dequalquer modo hoje voltaria a fazer tudo da mesma forma. O chá debeijo-de-mulata, isoladamente, nunca o poderia ter curado. São precisos váriosagentes de quimioterapia, num cocktailinjectado veias adentro para se conseguir modificar o curso terrível do linfomade Hodgkin. Mas foi nesse momento que percebi o quanto há ainda a aprender comÁfrica."
13
Fev12

[outras palavras] os tumultos na grécia

beijo de mulata
A propósito dos graves acontecimentos na Grécia, podemos recordar as palavras de Mia Couto sobre a revolta popular em Maputo em Setembro de 2010. Um excelente artigo, intitulado "A Pobreza Sai Muito Caro", que reproduzo parcialmente. A totalidade do texto aqui.
Cercado por uma espécie de guerra, refém de um sentimento de impotência, escuto tiros a uma centena de metros. Fumo escuro reforça o sentimento de cerco. Esse fumo não escurece apenas o horizonte imediato da minha janela. Escurece o futuro. Estamo-nos suicidando em fumo? Ironia triste: o pneu que foi feito para vencer a estrada está, em chamas, consumindo a estrada. Essa estrada é aquela que nos levaria a uma condição melhor.
E de novo, uma certa orfandade atinge-me. Eu, como todos os cidadãos de Maputo, necessitaríamos de uma palavra de orientação, de um esclarecimento sobre o que se passa e como devo actuar. Não há voz, não rosto de nenhuma autoridade. Ligo rádio, ligo televisão. Estão passando novelas, música, de costas voltadas para a realidade. Alguém virá dizer-nos alguma coisa, diz um dos meus filhos. Ninguém, excepto uma cadeia de televisão, dá conta do que se está passando.
A pobreza sai muito caro. Ser pobre custa muito dinheiro. Os motins da semana passada comprovam este parodoxo. Jovens sem presente agrediram o seu próprio futuro. Os tumultos não tinham uma senha, uma organização, uma palavra de ordem. Apenas a desesperada esperança de poder reverter a decisão de aumento de preços. Sem enquadramento organizativo os tumultos, rapidamente, foram apropriados pelo oportunismo da violência, do saque, do vandalismo.
Grave será contentarmo-nos com condenações moralistas e explicações redutoras e simplificadoras. A intensidade e a extensão dos tumultos deve obrigar a um repensar de caminhos (...). Na verdade, os motins não eram legais, mas eram legítimos. Para os que não estavam nas ruas, mesmo para os que condenavam a forma dos protestos, havia razão e fundamento para esta rebelião. (...)
Mia Couto, artigo n'O País
21
Jan12

[sabes que és workaholic quando...]

beijo de mulata
Hoje perguntaram-me, para uma entrevista sobre a minha actividade de voluntariado em Moçambique, se cheguei a aprender a falar os dialectos das províncias onde trabalhei. Respondi que sim, o suficiente para me orientar minimamente no hospital. Felizmente tive sempre quem me ensinasse. É quase impossível trabalhar sem saber nada do dialecto local porque quase ninguém fala Português fora das grandes cidades.

Era uma entrevista para uma revista para jovens, portanto pediram-me que lhes dissesse quais tinham sido as primeiras palavras em cada um dos dialectos. Pensei um pouco... Pensei mais. Por fim lá me recordei:

- Em Changana, que é o dialecto de Maputo, foi Xikoxola*.
- Que quer dizer?
- "Tosse com expectoração."

[Desiludido] - Ah... E em Nampula, qual é o dialecto?
- Macua. E a primeira palavra foi: Mwikhusoleke!
- E o que quer dizer isso?
- "Faça força!"
- Faça força?
- Sim, no primeiro dia tive de ir para a maternidade porque houve muitas complicações de partos...

[Ainda mais desiludido] - Ah... e na Zambézia?
- Em Lomué foi uma frase inteira: Mwana ola olavula pama?
- Credo! E isso é o quê?
- "O seu filho fala bem?"
- Pronto, deixe lá estar... Como é que se diz "bom dia" em Lomué, por exemplo?

* Eu não sei escrever changana, isto é uma transcrição macarrónica.
02
Nov11

[welcome to mozambique] o terramoto de 2006

beijo de mulata
Nessa noite a terra tremeu. Violentamente. Um terramoto de 7,5 na escala de Richter, com epicentro em Manica, a 800 km do jardim da casa das Irmãs, onde eu passeava, olhando a lua e namorando a noite negra e tórrida do Cruzeiro do Sul. Nesse momento pensava na Inês e no Sr. Rafael, os dois doentes a meu cargo, tentava mentalizar-me de que tudo haveria de correr bem e que, se só tinha aquelas armas para combater as doenças, eram essas armas que haveriam de funcionar!

Maputo abanou violentamente. A força do terramoto teria sido suficiente para arrasar a cidade, se Maputo fosse mais perto de Manica. Felizmente o epicentro foi numa zona de palhotas, casas térreas e de densidade populacional muito baixa. “Estragos apenas materiais em todo o país”, garantiam as notícias que no dia seguinte interrompiam a emissão da TVM a cada instante e me deixaram colada à televisão durante o mata-bicho. Havia o relato de dois feridos, um que, com o pânico, saltara pela janela do primeiro andar onde se encontrava e outro que caíra das escadas ao tentar fugir para a rua transportando uma pesada peça de mobiliário. Nampula quase não tremeu. Só os cães e os galos é que acordaram de repente, por pouco tempo. Eu, felizmente não dei conta de nada. Só soube meia hora depois, ainda nessa noite, quando a minha irmã me telefonou com uma voz apavorada:

– P., houve um terramoto! Está tudo bem?

Tive um baque no coração. A voz tremia-me… Eu tão preocupada com a minha vidinha e todo o meu mundo em risco de desabar…

– O quê? Houve um terramoto? Vocês estão bem?
– Não. O terramoto foi aí!
– Aqui? Não, aqui não houve terramoto nenhum!
– Houve sim, deu agora nas notícias, com epicentro no Chimoio.
– Bem, não senti nada, fica descansada que por aqui está tudo bem! Ah, mas agora que falas nisso, há pouco ouvi de repente os cães a ladrar. Deve ter sido isso…
– Óptimo! Então vai lá dormir… Mas ainda estás acordada a esta hora?
– Grande lata, telefonas-me a esta hora e depois refilas que estava acordada! Mas sim, claro que estava. Eu e tu somos aves da noite! Vai dormir também.
– Boa noite.

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