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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

04
Mai17

[welcome to mozambique] as pulseiras mais fashion

beijo de mulata


Feira do Pau Preto, fotos daqui, que nem por sombras levaria a minha máquina fotográfica para as compras na feira... O que ganharia em registo gráfico perderia em poder negocial.
(Nampula, Moçambique)

[Esta manhã o facebook teve a gentileza de me recordar este episódio. E não resisto a contar-vos de novo a mesma história!]

Uma das coisas que mais gosto de comprar e que sei que as minhas amigas mais apreciam são as pulseiras exóticas, feitas em pau preto, sândalo e pau rosa que se vendem na chamada Feira do Pau Preto, aos domingos em Nampula, onde se pode comprar de tudo, desde vassouras feitas com fibra de coco até lamparinas feitas de latas de conserva vazias, passando pelas inevitáveis capulanas e medicamentos tradicionais e, claro, aquilo que dá nome à feira, as famosas obras de arte lindíssimas em pau preto, feitas de uma só peça, apenas com um canivete, por homens que aprenderam sozinhos, ou com alguém próximo, a difícil e paciente arte de talhar a madeira.

Certa vez, uma amiga pediu-me que lhe trouxesse como lembrança uma pulseira de rabo de elefante. Segundo ela, era do mais fashion que existia, em termos de acessórios exóticos africanos. Fiquei horrorizada. Eu não sou capaz de comprar marfim ou tartaruga, por mais bonitas que sejam as peças de arte. Por mais que me digam que os elefantes não são mortos para lhes retirar as presas, só as retiram de elefantes encontrados já mortos acidentalmente e que as tartarugas não são mortas de propósito. É fácil iludirmo-nos com estas desculpas ingénuas... Mas uma pulseira de cauda de elefante? Que estranho e, ao mesmo tempo, que curioso. É que não lembra ao menino Jesus, quanto mais ao rabudo... Certo domingo, quando já estava a regressar a casa vinda da feira, mesmo em frente ao delicioso estádio do Sporting Clube de Nampula, vi estas pulseiras a vender e resolvi parar o carro e investigar por conta própria, num rasgo de inspiração:

- Bom dia, senhor, novidades*?
- Tudo bem, não sei do seu lado...
- Salama**, obrigada.
- Ah... Senhora, estou a vender pulseira.
- Sim estou a ver, estas pulseiras são de quê?
- Rabo de elefante...
- Ah, muito bem. E custam quanto?
- Está a 20 cada uma...
- A 20 meticais? E quanto me faz se levar cinco?
- Fica a 15 cada uma.
. Está bem... E quem fez as pulseiras?
- Eu mesmo, mamã!
- Ah, muito bem, parabéns, são muito bonitas! Mas onde é que arranjou o rabo de elefante?
- É um caçador que vende.
- Um caçador? E onde é que ele caça?
- Não sei, mamã...
- Mas ele mata os elefantes para lhes cortar o rabo?
- [Atrapalhado, sem saber o que dizer a esta mukunya***, que nem comprava nem desgrudava literalmente do seu pé...] Não... corta o rabo, só.
- Hum... Olhe, pode dizer, que eu levo na mesma...
- O quê, mamã?
- Não são de elefante, pois não?
- [Com pouca convicção] São sim...
- Mas pode dizer, não tem problema...
- [Baixando os olhos, envergonhado e baixando também a voz...] Ah, mamã... São di pineu...
- De quê?
- Di pineu, mamã.
- Mas o que é um pineu?
- Um pineu, mamã!
- Pineu? Mas isso é um bicho? É parecido com quê?
- Pineu... Não sabe o que é pineu? Pineu di carro!
- De pneu?!
- Sim, mamã. Nós corta o pineu di carro e dentro do pineu tem o miolo que faz o fio...
- Ah... Levo cinco, então!

* Novidades - Como está [de saúde]?

** Tudo bem.
*** Mukunya - Branca
13
Abr17

[psiquiatrices] uma crise de soluços improvável

beijo de mulata

Abril é o mês em que me lembro sempre, com um sorriso, desta improbabilidade que me aconteceu há já mais de 10 anos... Perdoem-me os que já leram e releram este post. Mas eu não resisto a contar de novo esta história...

O mentor espiritual desta blogger mulata certa vez teve uma crise de soluços. Nada há de extraordinário nisto, não fosse dar-se o facto de a crise ter sido desencadeada por um desgosto de amor e ter sido tão prolongada que o colocou em perigo de vida...

Dois dias depois do início da crise, exausto de tanto soluçar involuntariamente (sem nunca ter chorado, obviamente, que um homem não chora!) telefonou-me. A início não liguei nada. Que mal poderia advir de uma crise de soluços? Quase levei a peito. Mais valia que chorasse a sério no meu ombro e não deixasse o corpo chorar por si nesse chove-não-molha tão incomodativo. Retorquiu que não era nada disso. Estava com uma grande ansiedade, sim senhor, estava de coração partido, era verdade, mas que não tinha vontade de chorar. Tudo bem, respondia eu, que era certamente tudo verdade, que o Psiquiatra era ele, mas que isso era o corpo a chorar por ele, que viesse tomar café comigo que era o que fazia melhor... Não veio. De onde se conclui que um homem que não chora também não toma café com as amigas.

Mas no dia seguinte, depois de uma noite sem conseguir adormecer, ele estava uma lástima e com sensação de morte iminente. Com o otimismo que me caracteriza quando trato de pessoas de quem gosto e com os remorsos de quem tinha desvalorizado a situação clínica, comecei a pensar em coisas selvagens: um abcesso subfrénico, um tumor do tronco cerebral, uma neoplasia da pleura... Lá nos fizemos ao caminho para o hospital e, metodicamente, começámos numa ponta (na TAC de crânio, obviamente) e acabámos na eco abdominal. Nada. Saudável que nem um pêro, que um homem que não chora e que não toma café com as amigas também nunca tem nada de grave, ora essa, era só o que faltava.

Ficámos a olhar um para o outro... O que fazer a seguir? Seria desta, então, que íamos tomar café? Também não... Que a sensação de morte iminente não passava, que já quase não tinha forças, que se sentia mesmo mal, que estava quase a desfalecer. A sorte dele é que conseguia mesmo parecer o que dizia, respondi, de outra forma já estaríamos fora dali, na Versailles, a tomar café. E lá fomos para o laboratório fazer uma gasimetria. E qual não foi o meu susto, que ele estava com uma alcalose respiratória descompensada, com uma hipocaliémia e hipocalcémia (era grave, meus amigos, era grave...).

Pronto, já estava convencida. Que tínhamos de resolver aquilo (caraças para os homens que não choram, que são sãozinhos que nem um pêro, que não tomam café com as amigas e ainda por cima as deixam assim em situações difíceis) e só havia uma maneira: tinha de ficar internado e fazer uma injeção intramuscular de cloropromazina...

Que não, que nem pensar! Que me estava a esquecer que era Psiquiatra naquele mesmo hospital e que não podia ficar internado a fazer um antipsicótico. Nem que fosse life-saving. Ora, que como eu própria sempre dizia, ele que não se preocupasse, que mesmo que um Psiquiatra desse em doido nunca perderia a reputação entre os doentes. Nem mesmo entre os enfermeiros. Que não me fizesse de engraçadinha, que nem por sombras ficaria no hospital!

Estaria eu a ouvir bem? Para minha casa?! Nestas condições, se ocorresse alguma complicação havia risco de mortalidade (que 20% não era brincadeira!), mas foi inamovível. Ou em minha casa ou preferia morrer. Caraças para os homens que não choram mas que em situações destas se tornam drama-queens! (E vamos lá despachar a coisa, que a história já vai longa e a nossa vida não é isto!). Então resumindo, passei uma das piores noites da minha vida com ele a dormir placidamente, depois de os soluços terem passado. Doze horas depois, acordou muito bem disposto, embora a falar à "Prlesidente da Xunta" e a dizer que achava que se calhar precisava de um café para acordar...

De onde se conclui que os homens que não choram, também vão às vezes tomar café com as amigas, mas em pijama, depois de uma noite em casa delas... e só depois de uma dose valente de antipsicóticos..
10
Fev15

[as melhores do serviço de urgência] prémio "fia-te na virgem e não corras"!

beijo de mulata
E o primeiro candidato ao Grande Prémio "Fia-te-na-Virgem-e-Não-Corras" 2015 chegou ao serviço de urgência do meu hospital na semana passada!


Ora pois que o episódio se inicia estava eu, pacatamente, no gripódromo em que se transformou o serviço de urgência nas últimas semanas (metade do país está de cama e a outra metade ou já esteve ou vai ficar), que é como quem diz, no ram-ram do "Boa noite, então o que se passa com @ menin@", assim mesmo mas sem o @, que parecendo que não, é difícil de articular com clareza. Ao que os pais respondiam invariavelmente com o "Febre-tosse-e-ranho-desde-há-três-dias,-mas-é-só-por-descargo-de-consciência-que-se-não-fosse-o-terceiro-dia-nem-vinha-aqui-que-eu-nem-sou-muito-de-vir-às-urgências-mas-é-que-lá-da-creche-pedem-o-papel-do-médico-e-pronto". E lá continuava eu, com a preocupação de, no meio dos cinquenta que tinham gripe, não deixar escapar aqueles 1,2 meninos que tinham pneumonia ou o 0,3 que tinha meningite*.


Eis senão quando, no ecrã me aparece um menino classificado como laranja. Prioridade quase máxima. Num relance reconheço o nome: é o filho de uma colega minha. Teve uma convulsão com febre em casa e ainda está sonolento. Sonolento mas mais lento do que com sono, felizmente, sinal de que estava a recuperar.


A minha colega vinha pálida, impaciente, exaltada como nunca a tinha visto. Não era para menos, que uma convulsão num filho é coisa para assustar o mais experiente dos médicos, mas acabou por me explicar o motivo da enervação:


- O Rafael estava ao meu colo, muito murchito. Chamei a empregada e pedi-lhe um Ben-U-ron porque me parecia que a febre estava a querer subir e foi então começou a convulsar.
- E depois o que fizeste?
- Chamei a empregada outra vez e ela lá veio espavorida. Pedi-lhe outra vez o Ben-U-ron e toalhas molhadas, mas ela só se agarrava a mim e dizia: "Ai reze, menina, reze!" E eu respondia, "Eu rezo, Maria, eu rezo, mas vá-me lá buscar umas toalhas molhadas e um Ben-U-ron". Ela desapareceu para a cozinha, mas só quando voltou com uma velinha acesa e sem as toalhas é que percebi que tinha se ser eu a fazer tudo. Deixei-o no chão em posição de segurança e fui eu própria buscar tudo e ligar para o INEM.
- E no meio disso tudo, ele já tinha parado?
- Sim, graças a Deus, não deve ter durado mais do que dois minutos, mas a Maria só dizia que tinha sido da velinha ao Santo António. "Ai, menina, palavra como não sei como é que me saíram as palavras do responso! Fiquei tão nervosa!" Só me apetecia esganá-la.


Entretanto eu já tinha completado a observação, que era normal, e o Rafael aninhava-se, bem disposto, ao colo da mãe.


- Margarida, ri-te que agora já podes, o menino está ótimo! Tem calma, que não foi nada.




* Valor estatístico meramente especulativo, ok? Não me citem em nenhum trabalho científico, por amor de santa Escolástica.
13
Out13

[outras palavras] não mais me queixarei dos roncadores

beijo de mulata

Eu sempre me queixei que os maiores roncadores do mundo tendiam a sentar-se ao meu lado nos aviões. Sobretudo nas viagens que fazia mais cansada e a precisar de dormir. E nas de longo curso. Agora que penso melhor, era sobretudo nessas. E quanto mais longa a viagem, pior o síndrome de Pickwick: mesmo que eu tentasse distraí-los e mantê-los acordados em conversa, adormeciam pelos cantos, no intervalo entre duas frases. E lá recomeçava o pesadelo...

Acho que a minha atração magnética sobre os grande roncadores da humanidade atingiu o seu zénite numa viagem de 14 horas para o outro lado do mundo, onde tinha de um lado uma amiga que dormiu o tempo todo e nem na aterragem conseguiu acordar e, do outro, o maior ressonador que já vi ao vivo (e olhem que conheço muitos ortopedistas!). Cheguei a pensar em fazer um apelo geral por um aparelho de CPAP a bordo. Ou uma aterragem de emergência. A sério, o senhor fazia apneias de meia noite e cheguei a temer pela vida dele, sobretudo numa apneia prolongadíssima que terminou num ronco que quase me matou a mim do coração. Por fim cheguei a temer pela minha sanidade mental. Os comissários de bordo tentaram oferecer-me, por diversas vezes, tampões para os ouvidos, mas a vibração, assim, a seco, sem banda sonora, era ainda mais aflitiva. A mulher dele tinha, mui inteligentemente dado de frosques e encontrava-se a uma distância prudente, mais de quinze lugares atrás, mas eu reconheci-a por ser a única pessoa que passou por mim tentando fingir que ignorava o senhor e que não me lançou um olhar de compaixão. Ah, e que usava um par de tampões de silicone nos ouvidos.

Mas mal o apanhei acordado, só saiu de lá com a ameaça de que teria de ir ao médico quando regressasse de férias, que eu era menina para fazer uma denúncia pública e nunca mais o deixar viajar de avião, a bem da pureza sonora da atmosfera a bordo e da sua própria saúde.

Mas hoje rendi-me. Há uma pessoa mais azarada do que eu, valha-me Nossa Senhora do Ar! Não volto a queixar-me.
12
Out13

[vozes brancas*] filhos do coração? ups, cuidado!

beijo de mulata

Há tempos, na consulta, um menino de 4 anos e meio, muito desenvolto e comunicativo, brincava comigo enquanto a mãe se demorava na casa de banho com a mais nova, que estava no treino da fralda. Conheci-o quando estava prestes a fazer dois anos, acabado de chegar a casa dos pais adotivos, que se apressaram a levá-lo à consulta para que eu o olhasse de alto a baixo e declarasse, para todo o sempre naquela família: "Temos homem! Que filho mais querido... Acho mesmo que saiu o Euromilhões a cada um!"

Os pais suspiraram de alívio. Mais tarde confidenciaram-me que apenas o sentiram filho de verdade depois da consulta. Fiquei contente mas chocada ao mesmo tempo. Eu ainda não tinha conhecido o baby-de-mulata e estava muito mais longe destas realidades e dos sentimentos que vêm devagarinho. Só depois percebi que os caminhos que levam da infertilidade à adoção não são lineares nem isentos de pedregulhos. Também demorei muito tempo a perceber que a adoção não é para todos, e que, para muitos casais inférteis, a ideia de adotar uma criança é incrivelmente perturbadora: lá bem no fundo, quase significa desistir do sonho de ser pai e mãe. Não critiquem, não julguem, talvez seja preciso passar pela dor de não poder conceber para saber o que se faria num caso destes.

Mas avancemos, que este menino estava ali mesmo na minha sala de consulta e brincava com um pato e dois patinhos pequeninos de cores diferentes. Sensível às questões da cor da pele, perguntou-me:

- Estes patinhos são filhos da barriga ou também são filhos do coração?
- Não sei - respondi - temos de perguntar à mãe pata. Mas o que é que tu achas?
- Eu acho que são filhos do coração.
- Pois, eu também acho. E ela gosta dos patinhos?
- Sim, gosta muito.
- E se fossem da barriga, também gostava?
- Sim. No outro dia vi uma senhora muito gorda e a minha mãe disse que ela tinha ficado assim porque tinha tido um bebé na barriga.
- Pois, os bebés fazem a barriga crescer muito para conseguirem caber lá dentro.

Nisto, ficou de repente com um brilho no olhar, como se tivesse tido, nesse momento, uma revelação. E a mãe regressou à consulta, mesmo a tempo de o ouvir afirmar:
- Ah, por isso é que a minha mãe ficou com as maminhas tão grandes. Foi para eu caber no coração dela!

Engoli em seco, esverdeada pelo comentário... Felizmente a mãe achou graça e riu-se da saída do filho.

Seguiu-se uma longa explicação à criança. E uma pequena explicação à mãe: cuidado com as metáforas! Antes dos seis ou sete anos as crianças não têm capacidade de abstração suficiente para compreenderem a diferença entre sentido literal e sentidos figurados. Fica aqui o aviso. E esta ficou para a história!

* Timbre da voz das crianças antes da puberdade.
24
Set13

[as melhores do serviço de urgência] lamento, mas esta é mesmo só para médicos...

beijo de mulata
No serviço de urgência:
- Doutor, ando com uma dor aqui na anca, é melhor mandar-me fazer um raio x das carnes moles.

(Cortesia de um colega meu de Medicina Geral e Familiar, daqueles que têm mesmo doentes a sério, dos que tomam Sexodil para dormir e Omeprozac de manhã por causa dos azedumes. Agora que leio melhor, acho que este último seria um medicamento vencedor, como é que ainda mais ninguém se lembrou disto?)
05
Set13

[nomes que dizem tudo] coincidências felizes!

beijo de mulata
 
Só me faz lembrar o meu menino da consulta, o Manuel Arranhado*, que tinha uma dermatite atópica e lesões de coceira por todo o lado, ou aquele senhor de quem já vos falei, o Sr. Francisco Pão Costa, que tinha um tumor de Pancoast**. Mas isto é mesmo humor refinado.*** Ninguém pode dizer que este não é um verdadeiro homem desta terra!

* Nome próprio obviamente fictício.
** Felizmente ficou curado, de outro modo não estaria aqui a brincar com a doença.
*** Sim, eu sei, sou provavelmente a centésima pessoa da blogosfera a postar sobre isto, mas deixem-me dizer-vos que dei a minha primeira gargalhada em vários dias! (Sim, estou enclausurada a fazer um relatório gigantesco. Não, não me perguntem mais nada. Sim, já tive dias melhores.)
17
Ago13

[nomes que afinal não dizem tudo] welcome to mozambique

beijo de mulata
 
Mamã com crianças...
(Iapala, Nampula)

A pedido de várias famílias, aqui fica um pequeno excerto do meu livro. É sobre um episódio no dia da chegada à missão de Iapala...
"Antes do jantar, recebemos a visita de uma jovem com um bebé depoucos meses adormecido às costas. O menino vinha no seu traje de gala, com umconjunto de gorro e meias de lã, amarelo com uma risquinha verde, amorosamentetricotado à mão por uma das irmãs.  
– A touquinha e as peuguinhas de lã são o melhor presente que se pode dar auma mamã – explicou-me depois a irmã Lurdes.  
– Com estecalor?
– Não me perguntes porquê, mas todas as mamãs adoram. 
Realmente,como diria Mark Twain, os costumes mais absurdos são sempre os que permanecemmais enraizados... A "touquinha", como a irmã lhe chamava, era umgorro de inverno, de aspeto bastante quente, com direito a pompom e tudo! Ajovem era mulher de um dos empregados da missão. Sabia que a irmã Conceiçãotinha chegado e vinha dar notícias da sua ida a Nampula para registar o menino.
– Não me deixaram pôr o nome que a irmã disse – lamuriou-se.
– Porquê? – Espantou-se a irmã Conceição.
– Disseramque não era nome normal. 
 Mas que estranho...
A jovem mamã tinha ido, dias antes, ter com as irmãs a Nampula porqueestava com dificuldades na escolha do nome do bebé. Era o primeiro filho, o quetornava o processo muito mais complexo, com uma grande responsabilidade. Queriadar-lhe o nome de um padre, porque os missionários eram as pessoas maisimportantes da região, mas não sabia que nome escolher. A irmã lembrara-seentão que o pai do menino, em tempos, trabalhara para um padre em Nampula etinham ficado particularmente amigos.

– Porque nãolhe põe o nome dele?
A sugestãotinha sido bem aceite...
– Mas, afinal, qual era o nome que lhe queria dar? – Perguntei, curiosa.
– Padre Arlindo...  
A jovem estava desolada, mas eu tive de deixar cair um brinco no chão parapoder esconder a cara, porque só me apetecia sorrir às gargalhadas com aquelacena digna de uma comédia dos anos ’30. Depois de uma longa explicação dasirmãs, a jovem saiu um pouco mais conformada.
– Acho quenão vai muito convencida... Só Arlindo parece que não diz tudo – notei.
– Também meparece... Mas ainda bem que o funcionário do Registo Civil foi sensato, senão omenino tinha ficado com um Arlindonome! E se fôssemos jantar?"

in A Missão - Diário de uma Médica em Moçambique

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