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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

23
Abr17

[zambézia, uma história de origens] filhos do coração

beijo de mulata


Vistas do Monte Namúli
(Zambézia, Moçambique)

(continuando...)

Reconheceram-se ainda assim. O perfume doscabelos de Gigi era ainda o perfume delicado do céu e das flores do frangipani.E a barba de Trovão guardava o cheiro a terra molhada e a raiz deembondeiro. Reconheceram-se e amaram-se, como se tinham amado desde sempre. Masa criação divina estava ainda no seu início, e os métodos de gerar vidaeram ainda mais que imperfeitos. Os olhos de Gigi a cada dia transbordavam deum mar maior, e os olhos quentes de Trovão iam arrefecendo o desejo decriar filhos com olhos de céu e cabelos de embondeiro.

Procuraram em vão quemlhes revelasse os segredos dos antepassados, mas gerar vida está só nas mãos deMuluku, era a resposta invariável.

Foi então que decidiram aventurar-se a tornar asubir o Monte Namúli. Mas o monte onde outrora corriam felizese despreocupados era agora o grande tabu da criação. Dizia-se que nenhumadulto deveria subir ao monte de onde viera o primeiro homem, sob pena desucumbir ao mais pérfido desejo telúrico. Mas já só isso lhes faziasentido, para desfazer a tristeza e a maldição em que viviam. Não temiam nuncamais encontrar o caminho de volta porque já só tinham um caminho. E era um caminho só de ida… Tinhamde ir devolver ao embondeiro as raízes que secavam o ventre de Gigi.

E, numamadrugada, ainda cobertos de bruma e cinza, prostraram-se pedindo a Mulukuque os protegesse e perdoasse na subida. O peito pulava-lhes na ânsia dointerdito, num misto de medo e desejo, quando iniciaram a viagem... Mas amontanha parecia chamá-los. Os espinhos encolhiam à sua passagem, as bagasamadureciam, plenas de néctares açucarados e as folhas pareciamcantar: "Não temam, pois tudo recomeça." Nunca o Namúli lhes pareceratão convidativo, tão quente e húmido de vida.

Chegaram, por fim, ao cimo da montanha. Os olhosde Gigi iluminaram-se de bons presságios quando viu que, da gruta revestida araiz de embondeiro, jorrava agora uma nascente de águas mornas. Os olhos deTrovão prenderam-se num frangipani, cujas flores caíam,delicadas sobre a nascente, perfumando o ar com o cheiro da sua doce mulher.Sonhava por instantes, acordado, que Gigi estava em toda a parte, dissolvida epulverizada por todo o céu da montanha, quando um grito o fez despertar daqueledeslumbramento.

Gigi gritava, toda ela assombro e abismo, que aquela nascenteera de água salgada! Assistiram então, aturdidos, ao derradeiro jorro de água,que secou a nascente, mar de súbito vazio, deixando em redor um manto desangue vivo. E depois de um momento, onde coube toda a dor, medo e desesperançado mundo, ouviu-se, de dentro da gruta, um gemido. Seguido da gargalhadainconfundível de uma criança. Precipitaram-se para dentro da gruta. Ao fundo,ainda coberta de sangue e raízes, uma criança com olhos de céu, cabelos deembondeiro e perfume de frangipani. Era uma menina. Uma menina linda e, espantodos espantos, já com dentes de leite. Os mesmos dentes de leite de seus pais. Etrazia dentro dela uma semente de embondeiro, sinal de que Muluku aperfeiçoara a criação e que não queria que os seus netostivessem de passar por todo aquele sofrimento para gerar vida. Felizes,agradeceram a Muluku.

Mas Muluku avisou-os: Não vos esqueceis deque, a partir de hoje, toda a criação e futuro provirá desta criança, decabelos perfumados e olhos de céu e de mar, mas lembrai-a sempre de honrar aseus pais, que tanto sofreram por terem filhos de sementes plantadas fora docorpo. Porque toda a criança é desejada e filha do coração.
27
Jan15

[a força que um sorriso pode ter!] rápidas melhoras...

beijo de mulata

 
A minha querida Irmã Lurdes (quem conhece este blogue há algum tempo, quem leu o meu livro ou quem me conhece sabe certamente de quem estou a falar), está internada, depois de mais de um ano de doença crónica e debilitante. Nunca me saíram da mente as suas palavras, num dia em que a médica lhe disse: "A Irmã tem fé, mas sabe... Deus às vezes não é para todos...". Ao que ela respondeu: "O que quer dizer com isso? Acha que não tenho coração para aceitar tudo aquilo que Deus me quiser dar?"
 
Eu tenho inveja desta fé, desta força de amar tudo e todos, sempre sem desanimar. As melhoras, Irmã... Fique com estas imagens, que a poderão animar um pouco das saudades que certamente terá das danças de África. Coragem e confiança!
15
Out13

[alvíssaras!] não temais, que veio o halakavuma!

beijo de mulata
 
Um pacato pangolim comendo as suas formigas, sob o olhar atento e esperançoso dos habitantes da vila, durante a cerimónia pública de invocação de espíritos.
(Murrupula, Nampula)

Para quem não o conhece, o halakavuma - pangolim, em Português corrente - é um mamífero que vive em zonas tropicais da Ásia e da África que, segundo a tradição macua (a etnia que habita o norte de Moçambique), traz boa sorte e boas notícias. As suas escamas são igualmente traficadas para serem utilizadas como afrodisíacos. O seu aparecimento em Murrupula foi notícia no Notícias de Moçambique:
A vila sede do distrito de Murrupula, em Nampula,esteve ontem parcialmente paralisada para participar da cerimónia pública deinvocação dos espíritos pelo aparecimento de um pangolim, mamífero consideradoraro e cuja aparição é considerado na mitologia dos povos macuas daquelaregião, como sendo presságio de boa campanha de produção agrícola, entre outrasdádivas.
 “Conformemandam as tradições, tivemos que trazer o animal imediatamente para sede dodistrito para o conhecimento das autoridades, depois que se seguirá outrostipos de rituais, antes de o animal ser devolvido para o mato”- explicou Wala.
Pronto, meus amigos, não se preocupem mais. Nada há a temer, que já veio o halakavuma!
06
Out13

[outras palavras] a luz

beijo de mulata
 
O Padre João Torres batizando uma mulher adulta.
(Ocua, Cabo Delgado)
 
Li hoje na sua página pessoal:
Todos experimentaremos, cedo ou tarde, o momento em que a nossa fé perde o pé, não tem apoio, nem garantia, nem sinal nem prova. É, pura e simplesmente, ato de confiança inquebrantável na beleza e na ternura de Deus, graça que nos faz viver e esperar, com paciência, o tempo mastigado com fios de felicidade... Como nos diz o Papa Francisco, “a fé não é luz, que dissipe todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho.”
Também é esta a minha fé e a minha esperança. A vida tem de ser simples.
23
Set13

[outras palavras] a adoção e a biologia do amor...

beijo de mulata

Na revista Visão da semana passada foi publicado um artigo delicioso sobre os efeitos do amor no cérebro de crianças adotadas! Aqui vos deixo um pequeno excerto:

"O estudo das crianças adotadas tornou-se um dos maiores aliados dos investigadores que procuram respostas para problemas de desenvolvimento e perturbações afetivas. As más experiências emocionais, muitas vezes presentes nestes casos, deixam marcas — visíveis em imagens de ressonância magnética. O trauma altera as estruturas neurológicas do nosso cérebro, diz a psicóloga holandesa Anneke Vinke, que analisa casos há vários anos, trabalhando com uma equipa responsável pela publicação de centenas de estudos sobre adoção. Se o trauma se repetir, alerta, cérebro altera-se ainda mais .

Talvez mais surpreendente do que a marca física do trauma seja a mudança biológica determinada pelo amor — depois da adoção. As vantagens podem ser medidas em ressonâncias magnéticas, que mostram o desenvolvimento cerebral e as zonas ativadas antes e depois. A criança adotada cresce fisicamente. Até a cabeça fica maior. E a cognição também melhora 10 a 15%, explica Vinke, que esteve em Portugal para participar na Conferência Internacional de Adoção, tendo falado sobre as teorias da neurobiologia e o que elas significam em relação à criança adotada.

 Embora entenda que a adoção é vantajosa em qualquer idade, a psicóloga holandesa defende a necessidade de agilizar os processos para que se reduza ao máximo o vazio afetivo. Numa família equilibrada, ao choro do bebé responde-se com atenção. O organismo estabiliza, baixam os níveis de cortisol. Se, pelo contrário, à agitação corresponde um vazio ou uma reação agressiva, o bebé não normaliza os níveis hormonais. A falta de afeto leva a duas reações para regularas emoções: ou se fecham, num comportamento de tipo autista, ou são hiperativos, reagindo a tudo o que acontece à volta. Em ambos os casos, há um excesso de hormonas de stress no organismo. Acontece a todos os humanos mas, nas crianças negligenciadas, esse nível hormonal está sempre elevado. E deixa marcas."

É por isso que eu tenho esperança! Eu vi isto acontecer comigo e com o baby-de-mulata!
15
Set13

[manual de conversação para o baby-de-mulata] primeiro módulo: check!

beijo de mulata

É com um orgulho imenso que venho aqui anunciar que o meu baby-de-mulata, o menino mais bem-disposto e mais doce do mundo, já é um autêntico master na área da comunicação telefónica e em meter conversa com os vizinhos no elevador!
Desde que lhe dei umas pequenas luzes sobre o assunto, eis que o baby, que antes era só silêncios e sorrisos envergonhados, agora sempre que me vê a falar ao telefone arranca-me o dito das mãos e pergunta a quem estiver a falar do outro lado (à madrinha, por exemplo): "Olá, madrinha, como estás? Como está Mr. B., está bom? O que estão a fazer?" ou, no caso de o interlocutor não ter filhos, por sua própria iniciativa pergunta pelo animal de estimação (à avó, por exemplo, pergunta pelo gato): "Olá, avó, o Bingo está bom? Já papou?"
Para dois anos e três meses está mesmo bem lançado!, diz sua mãezinha, a quem obviamente a desidratação causada por tanta baba já começa a afetar o cérebro... 
E agora que consegui que o baby despertasse para o maravilhoso mundo da conversa de chacha, já estou a preparar o módulo II: Introdução aos Comentários Meteorológicos: Noções Básicas sobre Pluviosidade e Bom Tempo.
Mais uns tempos e chegamos ao "Olá, prima, há quanto tempo não a via... Está na mesma! Parece que o tempo não passou por si!" e terá a adolescência assegurada!
02
Set13

[outras palavras] para quem está a pensar em adotar...

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Hoje vi uma reportagem sobre o deputado norte-americano que adotou recentemente duas gémeas de dois anos que tinham sido separadas aos três meses. Já era pai de três filhos quando, no último Natal, ele e a mulher se apaixonaram por estas pequenas primas afastadas e decidiram passar a ser sete lá em casa, e as gémeas repararam o vínculo que tinham perdido... A reportagem termina com uma frase desse deputado que me apetece sempre dizer também quando comentam que saiu a sorte grande ao baby-de-mulata: "As pessoas dizem muitas vezes que eu vou ser uma bênção para elas, mas tenho de responder muito diretamente, para alguém que esteja a pensar em adotar, tenham a certeza de que serão muito mais abençoados pelos seus filhos do que alguma vez conseguirão ser uma bênção para eles!"
22
Ago13

[música para bebés] aprender desde o berço!

beijo de mulata

 
É consensual entre a comunidade pediátrica, que as crianças que aprendem música são mais concentradas, têm melhor memória e, atrevo-me a dizê-lo, são mais felizes. Em parte porque têm um modo extremamente eficaz, socialmente aceitável e belo de canalizar energias.
 
O que não é tão evidente para nós, mas ainda assim claro para investigadores e professores é que, tal como a linguagem, se as bases da música forem aprendidas desde os primeiros meses (antes dos 2 anos), a aprendizagem é muito mais sólida e perfeita. Por isso, pais e mães, cantem! Digam lengalengas, rimem, batam em tambores, agitem maracas, dancem com o corpo todo! A música é importante! Desde o berço.
14
Ago13

[ser criança em moçambique] brincando ao faz de conta...

beijo de mulata

 
Na escolinha das Irmãs de São João Batista, em Nampula, onde estão os meus "afilhados à distância", que só conheço por fotografia... As Irmãs lutam todo o ano para lhes dar roupa, bibes, comida, assistência médica e educação. Para que a vida destas crianças seja simples e o desenvolvimento se faça dentro da família, mas longe do trabalho, da exploração e dos maus tratos, num ambiente acolhedor e intelectualmente estimulante! Tudo a que todas as crianças deveriam ter direito!
(Bairro de Muahivire, Nampula)

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