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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

12
Ago12

[casa do gaiato] instantes

beijo de mulata


Já vos falei várias vezes da Casa do Gaiato de Maputo. Assim uma espécie de Fundação Gulbenkian em Moçambique, com um orfanato, escolas, centros de saúde, projectos de microcrédito e mil outras actividades que ajudam a casa a auto-sustentar-se e onde os meninos podem aprender o gosto pelas profissões que vão desempenhar no futuro. Agora, por causa da crise, estão a passar dificuldades porque muitos dos apoios foram cortados, no meio da política de contenção de despesas da UE... Deixo-vos com algumas imagens do que é aquela mini-cidade!
(Boane, Maputo)
27
Mai12

[casa do gaiato] de longe, a mais grandiosa instituição de moçambique

beijo de mulata

Foi aqui, em Boane, próximo da barragem dos Pequenos Libombos, que conheci Moçambique... Foram aqui os encantos de primeira vez em África.
Com o Padre Zé Maria, a Irmã Quitéria, a tia Cármen, a D. Virgínia e os meninos mais adoráveis que já tinha conhecido. Curiosamente, foi também o Lucas, o primeiro menino que aparece no vídeo, quem me adoptou inicialmente. Foi ele quem, na primeira tarde, me veio adornar a mesa-de-cabeceira com uma flor selvagem que crescia numa casca de coco, "para titia sentir o cheiro da terra antes de dormir".

Se me pedissem uma só prova de que é possível crescer e que vale a pena investir em Moçambique, eu saberia o que responder.
(Boane, Moçambique)
05
Mar12

[aviso à navegação] ignore este aviso

beijo de mulata



Imagens da Casa do Gaiato...

Ontem comecei a contar uma história. Uma das mais importantes e dolorosas da minha vida... e ao mesmo tempo a mais bonita. Vinha na sequência da história da tia Cármen. Mas depois olhei para o que tinha escrito, entre um post sobre vestuário suburbano e outro sobre musicoterapia e cabrito assado e tive pudor de continuar. Achei que não queria ver essa história derramada aqui nestas páginas, onde tantas histórias e tantos disparates a podem tornar indigna... E cheguei à conclusão de que prefiro guardá-la para mim e para quem faz parte da minha vida. Pelo menos por enquanto. Os meus amigos sabem o que se passou depois e como isso mudou a minha vida. Às pessoas que não me conhecem peço desculpa: a história da Casa do Gaiato afinal não continua... é minha.

Outras histórias virão...
28
Fev12

[casa do gaiato] as histórias da tia cármen

beijo de mulata
(continuando...)

Na Casa do Gaiato, o que os meninos mais gostavam de fazer era contar a história dosdesenhos, falar sobre as personagens, inventar diálogos, projectar-se nasfiguras. De vez em quando ouvia um dos meninos dizer:
– Hoje sou eu a contar uma história à tia Cármen!

E num fim de semana, enquanto ajudava alguns meninos com os trabalhos decasa na sala de estudo, tive a oportunidade de ouvir uma dessas tão faladassessões de “histórias” contadas à tia Cármen, com um menino de sete anos, quevivia na casa com o irmão mais velho de doze. O menino ia desenhando e compondolentamente a narrativa ao longo de várias folhas com múltiplos episódios,falando sobre as personagens, respondendo a pequenas perguntas. Se bem melembro, a história ia girando à volta de uma família alargada com muitascrianças, que vivia do trabalho no campo e passava fome frequentemente. Pelocanto do ouvido ia percebendo que o ambiente criado em torno da família eramuito ameaçador porque ia ouvindo a tia Cármen perguntar:

– Que animal é este dentro do lago?
– É um crocodilo.
– E o que é que ele está a fazer?
– Está à espera que as pessoas passem para a machamba*para as matar e comer…
– E o que é isto aqui em cima da árvore ao lado da casa?
– É uma cobra que está à espera que o mais novo passe com os irmãos paraa escola.
– Para quê?
– Para lhe morder.
– Porquê? Porque é que a cobra lhe quer morder?
– Porque os espíritos maus a mandaram.
– Mas achas que a cobra vai mesmo morder o menino?

Uma breve pausa para pensar e, depois, com um sorriso de quem encontrouuma solução e se reconciliou com o destino:

– Não, porque o irmão mais velho viu a cobra a tempo e conseguiu matá-la.
– Ah, que bom… E ele não teve medo?
– Não, ele é muito forte!
– E os pais, onde é que foram?
– Foram comprar peixe ao mercado.

E a história continuava, cheia de imagens da família idealizada eprotectora, culminando, no entanto, no desaparecimento súbito dos progenitores.Qual tinha sido o motivo?, perguntava a tia Cármen. Mas o menino não seresolvia, ora dizia que tinham sido os espíritos que os tinham levado, oradizia que tinha sido o menino que não tinha tomado bem conta do irmão bebé epor isso os pais se tinham ido embora zangados…

Era magistral a forma como a tia Cármen, sem nunca ter tido formação emPsicologia, respondia às mais íntimas angústias dos meninos referidas àspersonagens no papel. Fazia-os reelaborar a sua própria história de vida ecompreender melhor as suas emoções e circunstâncias, apaziguar-se com as suasperdas. E, mais bonito do que tudo isto, no final da história, assisti a ummomento absolutamente mágico, em que a tia Cármen olhou o menino nos olhos elhe perguntou:

– Então? Gostaste da história?
– Sim, tia Cármen.
– Eu também gostei muito, porque acho que o menino e o irmão eram muitocorajosos. E olha, sabes o que é que eu acho?
– Sim, tia Cármen?
– Parece que este menino se chama Rafael…

A face iluminou-se-lhe, num sorriso de espanto, como se pensasse “Comofoi que ela adivinhou que eu estava a falar de mim?” e o olhar de cumplicidadetrocado com a tia Cármen anunciava que estava um vínculo criado e lançada maisuma pedra na construção da auto estima e segurança do menino…

Era comentado por todos que os mais pequenos tinham ficado muito maiscalmos desde que a tia Cármen tinha chegado. Pudera...

* Machamba – Terreno de cultivo, normalmente do sector familiar.
23
Fev12

[casa do gaiato] os girassóis da tia cármen

beijo de mulata

Os fantásticos girassóis da tia Cármen... o paradigma da sua defesa da personalidade!

(continuando...)

A tia Cármen, a vovó  dos meninos da Casa do Gaiato, contou-me uma tarde a sua dura experiência de uma infância passadadurante a guerra civil de Espanha, em que mais do que uma vez tinha sidoobrigada a fugir a pé com a família. Nesse dia, já rendida àquela personagemmaternal, divertida e invulgar, pedi-lhe para me falar dos seus trabalhosartísticos e ela contou-me simplesmente que o maior prémio de pintura quealguma vez tinha recebido representava um enorme campo de girassóis. Diasdepois mostrou-me uma fotografia desse quadro, em que os girassóis eramretratados a partir de baixo, com os caules cheios de espinhos e a luz do pôrdo sol adivinhando-se coada pelas corolas das enormes flores. Mas longe de sera visão serenamente bucólica que eu tinha imaginado, a imagem veiculava umadesconcertante sensação de movimento e opressão.

– Este quadro chama-se “A Fuga”. Durante anos tive a obsessão de pintargirassóis vistos por baixo porque tinha de deitar cá para fora a imagem do piordia da minha vida, que foi o dia em que perdi o meu pai e tivemos de fugir decasa sem levar nada connosco através de um campo de girassóis. Eu era muitopequena e só tenho a recordação de enterrar os sapatos na areia mole e malconseguir avançar, como nos pesadelos. E os girassóis eram altíssimos e tinhamuns espinhos enormes que não picavam, mas arranhavam a pele até ficar toda emferida.

Pois… estava explicada, portanto, a sua vocação do ensino da expressãoplástica aos meninos. Ao ensiná-los a pintar estava a transmitir-lhes a suamelhor defesa da personalidade, a ensinar-lhes que pintando as suas angústias emedos poderiam mais facilmente vencê-los.

Mas não eram só aulas de pintura queleccionava. O que os meninos mais gostavam de fazer era contar a história dosdesenhos, falar sobre as personagens, inventar diálogos, projectar-se nasfiguras. De vez em quando ouvia um dos meninos dizer:

– Hoje sou eu a contar uma história à tia Cármen!

(continua...)
20
Fev12

[casa do gaiato] a tia cármen...

beijo de mulata



As aulas de pintura e a tia Cármen...
(Casa do Gaiato, Maputo)


(continuando...)

E, entre o trabalho no centro de saúde e as noites com os meninos, havia ojantar com o senhor padre, os outros voluntários da casa e um ou outroconvidado. Todos eles eram pessoas fascinantes e que me acolheram desde aprimeira hora.

Acabei por fazer uma amizade especial com a tia Cármen, uma entusiásticavoluntária espanhola, antiga empresária e viúva de um português, que há dois anos deixava os filhos e os netos durante o ano lectivo para ir para a Casado Gaiato dar aulas de pintura e expressão plástica.

Na minha perspectiva, a tia Cármen tinha vindo para ser a avó da casa, afigura de referência que os meninos, sendo órfãos, não tinham. Uma avó autêntica,com uma insuficiência cardíaca ligeira, uma doença pulmonar obstrutiva crónicaque me deu trabalho a controlar e, sobretudo, com uma enorme paixão pelos maispequenos e com uma missão autoproclamada, que era deixá-los ser meninos eajudá-los a brincar.

Afirmava com muita graça que havia dois tipos devoluntários em África: os que se dedicavam ao ensino, à saúde e aodesenvolvimento económico-social e os que se dedicavam a construirinfraestruturas. Mas ela não tinha vindo para uma coisa nem para outra. Tinhavindo para incentivar os seus meninos a sonhar e apoiar os seus sonhos, porqueacreditava piamente que só a expressão dos sentimentos fazia crescer. Sobretudopara aqueles meninos tão pequenos e que já tinham sofrido tanto. “Porque semsonhos não há desenvolvimento e sem entusiasmo não há trabalho!”, terminava.

(continua...)
20
Fev12

[casa do gaiato] meninos da rua de maputo

beijo de mulata

Na sala de aula...
(Casa do Gaiato, Maputo)
Foto de Pedro Sá da Bandeira

Excerto de uma reportagem no Zambézia Online:
Josias de seis anos de idade, é um exemplo paradigmático de uma criança que tomou a decisão de virar as costas à vida de rua e procurar um lar substituto. Há dois meses decidiu largar a vida de rua e juntar-se à família da Casa do Gaiato, depois de ter passado tantos meses a percorrer as avenidas da cidade do Maputo, à procura de um contentor de lixo de onde pudesse tirar algo para se alimentar. Cansado de viver de esmola, onde de dia deambulava na baixa e à noite refugiava-se nas barracas do bairro Trevo, no município da Matola, para dormia, Jossias tomou a decisão de largar tudo e voltar a uma vida normal.

Ao que nos contou, abandonou a casa dos pais por causa dos maus-tratos e decidiu se juntar a outros meninos de rua, vagueando pelas artérias da cidade das acácias, de contentor em contentor de lixo, à procura de algo para matar a fome. Num desses dias foi interpelado pela irmã Quitéria Torres, que o convidou a abandonar a vida que levava para se juntar à família da Casa do Gaiato. Mesmo desconfiado, aceitou o convite.

“Tudo se passou numa sexta-feira. Combinámos que ela viria me buscar no domingo, isto porque ainda queria me despedir dos meus amigos. Realmente a irmã Quitéria apareceu e levou-me para a Casa do Gaiato. Gostei e decidi ficar. Estou há quase um mês e não pretendo sair mais. Apelo aos meus amigos que ainda se mantêm na rua para que abandonem a vida de mendigos e se juntem a nós, pois aqui a vida é melhor que lá fora. Hoje já estudo e estou satisfeito, porque ando limpo, tomo banho, não vasculho mais os contentores de lixo, porque tenho o que comer. É aqui que quero continuar a viver e aprender.” disse o menino ao nosso Jornal.

Reforçando o apelo do menor, a irmã Quitéria Torres disse que é chegado o tempo dos que estão na rua recolherem aos mais diversos lares existentes, não se excluído a hipótese de regressarem às suas famílias verdadeiras. Segundo ela, os que têm poder de decisão sobre as crianças devem fazer de tudo para que elas sejam enquadradas em famílias substitutas para que voltem a alimentar os seus sonhos.
16
Fev12

[casa do gaiato] o centro de saúde

beijo de mulata

(continuando...)

Foi uma experiência apaixonante, trabalhar no Centro de Saúde da Casa do Gaiato com os outros profissionais, que eram pessoas com muito pouca culturamédica ou científica, mas a maior parte deles com experiência clínica e muitobom senso.

E, como se não bastasse ter começado do zero na Medicina Tropical,ainda havia a barreira da língua (o dialecto Changana é absolutamente impenetrável e dificílimo) mas que se resolveu em grande estilo:colocaram à minha disposição uma intérprete fantástica, a Inês de Maria, quepara além de tradutora e mediadora cultural, tinha um sentido de humor e umaboa disposição a toda a prova e adaptava as minhas perguntas desastradas àrealidade local. Ainda hoje sorrio quando me lembro que quando perguntava aosdoentes em que suspeitava de imunodeficiência se alguma vez tinham tidocandidíase orofaríngea e explicava: “assim pequenas placas tipo iogurte”, ela,imperturbável, traduzia iogurte para “coco ralado” ou “mandioca cozida”,traduzia as minhas recomendações de “não fazer esforços” para “não deve pilarmilho nem trabalhar com enxada”... Ou quando comecei a compreender um pouco dodialecto, uma vez uma senhora queixou-se que a filha de sete anos tinha a “dordo mês”.

Com sete anos já é menstruada? – perguntei,abismada, ainda para mais porque a menina não aparentava sequer ter sete anos,mas apenas cinco ou seis.

Não, não é menstruada – assegurou-me a Inês, oque ela disse é que a menina tem epilepsia, aqui as pessoas chamam-lhetradicionalmente a “doença do mês” ou a “doença da lua”...

(continua...)
13
Fev12

[casa do gaiato] os meus meninos...

beijo de mulata

Os meus meninos gaiatos...
(Boane, Maputo)

(continuando...)

Depoisdo trabalho no centro de saúde eram os meninos que preenchiam o fim das minhastardes e as noites. O meu quarto na Casa do Gaiato era na casa dos meninos dosoito aos dez anos e rendi-me a eles desde o primeiro dia, quando que me foram enfeitara mesa de cabeceira com uma flor silvestre que crescia dentro de uma casca decoco, e me cantaram uma música de boas-vindas, enquanto se digladiavam para verqual deles me fazia a cama...

Ànoite conversávamos, fazíamos macacadas, improvisávamos teatros, tirávamos asfotografias mais loucas e ajudava-os com os trabalhos de casa. Tornei-me asolução de recurso nas brigas, tão frequentes quanto seriam de prever numa casasó de rapazes... E como ainda faziam chichi na cama, também me levantava denoite para os mandar à casa de banho poucas horas depois de adormecerem, emboraas reacções de pânico de alguns quando eram acordados me perturbassem... Quehistórias de vida terríveis estariam por detrás dessas reacções? Nunca tinhalidado com situações dessas, mas descobri que afinal era muito fáciltranquilizá-los e chamá-los à realidade:

Aqui estás seguro... ninguém te vai fazer mal.

 (continua...)
13
Fev12

[casa do gaiato] crescer na guerra...

beijo de mulata
Imagem da Campanha da ONG Child Soldiers denunciando a mobilização de crianças para a guerra na África Subsariana.

(continuando...)

Foi numa dessas jornadas de machibombo* que me apercebi,horrorizada, de que alguns dos meninos mais velhos, inclusivamente o António,tinham sido mobilizados para a frente de combate durante a guerra civil.

Quase no fim da minha estadia, no meio de uma conversacom os mais novos, de chofre e a propósito de uma disputa insignificante, oAntónio perguntou-me se eu achava importante para uma família ter armas emcasa. De súbito fez-se silêncio e o António parou o machibombo no meio docaminho. Pelos vistos era um assunto muito debatido entre eles e queriam muitoouvir a minha opinião.

Engoli em seco, tentei disfarçar que tinha ficado chocada com apergunta, e respondi da forma mais natural que me foi possível. Dei-lhes a minha opinião,debatemos ideias, falei dos perigos, contrapus argumentos, dei exemplos, criámossituações hipotéticas. Por fim, voltou a colocar o machibombo em andamento econseguimos mudar de assunto. Mas houve uma frase cruzada, captada de raspão,que me fez suspeitar da razão da pergunta… Na altura a frase não me fez muitosentido porque não podia conceber os meus meninos numa situação tão monstruosa.Mas claro, se tantas crianças tinham sido mobilizadas para a guerrilha, pormaioria de razão isso poderia ter acontecido a estas, tão desprotegidas...

E nessa noite a frase ecoava-me nos ouvidos, não tantopelo sentido mas pela expressão comprometida do menino que a tinha dito e oolhar fulminante dos outros que o rodeavam. Claramente era um assunto tabu, nãoentre eles, mas entre eles e os adultos.

*Machibombo - Autocarro

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