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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

21
Mai17

[vozes brancas*] massa cinzenta

beijo de mulata
[Este é o post nº 1500 deste blogue, desde a sua criação, há 7 anos, vários meses e várias telhas e amuos, lutos e lutas e aventuras.]



Há uns dias, eu estava a ameaçar zangar-me com o baby-de-mulata porque não se queria sentar à mesa para almoçar e teimava em levantar-se a desafiar-me com a sua irreverência, alegando os clássicos: "dói-me-a-barriga-não-tenho-fome-ainda-não-brinquei-nada-o-que-há-nesta-gaveta?-é-sempre-peixe-etc.-etc." E eu a respirar fundo, tentando não me transformar em momster, que como sabemos, torna a comida em geral indigesta (e o peixe em particular, segundo dizem). Foi então que o baby se aproximou de mim, olhou-me nos olhos, segurou-me a cabeça como costumava fazer, apaixonado, há uns anos (e ainda faz às vezes quando acorda, benza-o Deus) e perguntou-me:

- Mãe, o que tens dentro da tua cabeça?
- O mesmo que tu, baby, o cérebro.
- Ah, e como é feito o cérebro?
- É feito de massa branca e massa cinzenta.
- Então quando eu me estou assim a portar mal, é a massa cinzenta ou a massa branca a mandar?

(Coisa mai fofa de sua mãe! Até me apeteceu explicar que a parte que pensa é a cinzenta, mas clivagem em minha casa, não obrigada!)

- São as duas, meu bem, quando pensamos ou fazemos alguma coisa são sempre as duas em conjunto a trabalhar. E tu não te estás a portar mal, tu já vens para a mesa.
- Está bem, mãe. Vou já, é só que não me apetecia ir lavar as mãos, mas vou já.

*Voz branca - Timbre da voz das crianças antes da puberdade.
12
Mai17

[vozes brancas*] o lançamento de um livro

beijo de mulata

Ontem o baby-de-mulata chegou a casa desolado. Tinha ido entusiasticamente ao lançamento do livro do tio-avô, Rostos da Emigração, da editora Orfeu. Um livro para adultos, obviamente, sobre um tema pesado e muito descurado na literatura portuguesa, que é a emigração portuguesa nos anos 60-90 e os seus dramas sociais, numa escrita livre, escorreita e deliciosa (tive o privilégio de o poder ler antes do lançamento).

Falou-se muito e de forma séria, mas o baby aguentou estoicamente na sua cadeira, na expetativa do clímax apoteótico que fantasiava para o final. Mas, no final, nada mais aconteceu. Toda a gente se foi despedindo e seguindo o seu caminho para fora da sala, sem fazer a pergunta incómoda que já lhe queimava a língua. No final perguntou ao avô: "Mas, avô, quando é o lançamento?"
- Já foi, querido!
- Já foi?! Não vi nada! Então a luta de livros? Ninguém vai atirar nada?! Já no ano passado, no lançamento do livro da prima Joana foi a mesma coisa! Toda a gente falou e pronto. Mais nada. Não é justo!

* Voz branca - Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
11
Mai17

[querido, vesti o miúdo] semana mundial do babywearing

beijo de mulata

Esta é a Semana Mundial do Babywearing!


[Ainda bem que os meus amigos moçambicanos não me leem habitualmente, de outro modo achariam tudo isto ridículo e estariam a olhar para mim com cara de "Duh, qualquer dia nós também fazemos a Semana Nacional de Comer a Sopa com Colher ou a Semana Mundial de Usar Roupa Interior só para gozar convosco! Há lá outra maneira de transportar as crianças!"]

Eu sou uma fervorosa adepta do babywearing, que tem inúmeras vantagens para as crianças e o seu desenvolvimento e usava sempre uma capulana moçambicana para transportar o baby-de-mulata. Era pro em colocar o menino às costas, num exercício africano de equilíbrio e destreza que deixava sempre a minha mãe sem respirar e a conter-se para não dizer "Cuidado que me deixas cair o desgraçado!", mas depois de o colocar nas costas (não há outra maneira, com uma capulana), trazia-o sempre para a frente porque prefiro olhar o meu filho nos olhos. Não o deixava nas costas, embora até achasse que ele não se importaria de ir a apreciar a paisagem. Depois rendi-me a uma solução mais prática, com panos que dão para colocar diretamente à frente. Quase tive pena de deixar a tradição moçambicana, mas as minhas costas e as coronárias da minha família (que, vá se lá saber porquê, não confia na minha fantástica agilidade e destreza corporal*) agradeceram.

* E têm razão, pronto...
08
Mai17

[iAgora na prática] presente do dia da mãe

beijo de mulata
Ontem foi o final da semana mundial sem ecrãs. No sábado o baby-de-mulata perguntou-me se, para além do presente da escola (que já me tinha dado na sexta-feira porque sim), haveria alguma coisa que pudesse fazer para eu me sentir feliz no dia da mãe.

Fiquei a babar-me. E respondi que o melhor que ele poderia fazer por mim era acordar e não ir ver televisão, como de costume e ficarmos a brincar, montar legos, desenhar. O que lhe apetecesse.

Acordou-me (ouch!) às 07:00 da madrugada (sim, mães de lactentes, eu sei que não me posso queixar, mas ainda assim...) com uma caixa de lego na mão, um sorriso de orelha a orelha e um: "Parabéns, mamã, vamos montar este?". Amor de sua mãe [ou isso ou sou mesmo uma fácil...]! O rapaz adora ver televisão aos fins de semana, pelo que lhe deve ter custado tanto como a mim me custa não tomar café, por exemplo, sacrifício valente!

28
Abr17

[histórias de amor] as visitas ao baby-de-mulata #5

beijo de mulata

Um quarto de bebé ao estilo Montessori. Daqui.

(Continuando a história da longa caminhada que me levou o baby-de-mulata para casa... Interrompemos por causa do 25 de abril, de um surto de sarampo em Moçambique e outro em Portugal, de um devaneio literário por terras da Zambézia e o mito de origem da primeira mulher Moçambicana, em honra à Exma. Prof. Doutora Ruiva, mas sobretudo uma alegoria à adoção e infertilidade, e de uma, já lendária, crise de soluços de proporções épicas, mas estamos de volta. Não é fácil escrever sobre isto, essa é que é essa, portanto não se admirassem se demorasse ainda mais a continuar... Animem-se que desta vez já estamos mais perto do fim, não era preciso terem reclamado tanto, que diabo. Isto custa. Muito)

Uma semana depois de a diretora do centro de acolhimento onde estava o baby me ter ligado a dizer que enquanto não tivesse o certificado da Santa Casa em como estava apta para adoção não poderia ir mais visitar o menino, o baby foi ao meu hospital. Tinha consulta marcada e uma série de exames para fazer. Eu nem consigo descrever em que estado estava. Tinha voltado a chorar todos os dias, ainda para mais com a agravante de ser julho, o mês em que o meu "quase filho" tinha falecido... Grief is the price to pay for love, ia repetindo, resignada...

Estava no corredor do hospital, completamente absorta na minha dor quando me cruzei com ele. Sabia que vinha, claro, mas não o esperava tão cedo. Vinha acompanhado por duas funcionárias do centro de acolhimento, que não me conheciam. Fiquei radiante por vê-lo, mas ele estava completamente alheado, olhando para o lado e evitando qualquer contacto ocular. Agora percebo, mas na altura não conseguia relacionar todos estes acontecimentos, que ele estava profundamente magoado porque estava a reconhecer o espaço onde tinha vivido e de onde tinha sido levado sem uma única hora de transição, sem entender o que se passava. Magoado com as pessoas que estava a reconhecer e que, na cabeça dele, o tinham abandonado. E confuso por não saber se o traziam para ficar na casa que o abandonara ou se o levariam para a casa de que ainda não gostava, mas a que começava a habituar-se. Estava aterrorizado...

Tentei tirá-lo do carrinho e pegar-lhe ao colo. Estava eufórica porque ele estava ali comigo, mas ele também estava magoado comigo porque deixara de aparecer para o visitar. E pior, estava de bata branca, como todos os da casa maldita que o abandonara! Resistiu à minha tentativa de lhe pegar ao colo. Agarrou-se ao carrinho com todas as suas forças. A amiga que estava comigo ficou tão incomodada com aquele espetáculo angustiante que teve de se ir embora. Resolvi não o forçar. Claramente estava tudo a ser demais para ele.

Perguntei o que se passava às funcionárias.
- Não sabemos, ele hoje está estranho. Não é só consigo. Até vinha bem disposto, mas quando entrou no hospital ficou assim. Até chorou para a médica dele e não quis ir para o colo dela. Eles tinham uma adoração um pelo outro.
- E ela, o que disse?
- Disse que achava que era bom que ele a estivesse a estranhar, que queria dizer que se estava a vincular a outras pessoas.

Mas não, não era nada bom. Ele estava era muito triste porque todos se tinham esquecido dele e para um bebé é impossível elaborar tantas perdas. Tantas mudanças e tantos lutos para fazer, tantas ameaças juntas no mesmo espaço e no mesmo momento.

Demorou muito tempo a reconhecer-me. Tirei a bata. Cantei-lhe as nossas músicas, fiz as nossas brincadeiras. Até que por fim começou a sorrir, mais descontraído. Mas continuava a não olhar para mim nem para ninguém.

Ao final do dia eu já não estava em mim. Grief is the price to pay for love? Não, não me conformava. O meu menino não podia pagar esse preço. Eu podia, mas ele não! Tinha testemunhado o sofrimento do meu menino e percebido que era cada vez mais difícil chamá-lo à realidade e fazê-lo descontrair-se. Ele estava a perder-se "do lado de lá".

Falei com a equipa da Santa Casa, pessoas extraordinárias, disponíveis e incansáveis, que me disseram que não sabiam por que razão a equipa de adoções local me estava a impedir de ir visitar o menino e que não existia qualquer recomendação nesse sentido. Foi então que liguei de novo à diretora do centro de acolhimento. Com a minha voz de quem não aceita um não como resposta. Que não podia ser. Que o menino estava num sofrimento brutal. Que não podia aceitar que as coisas andassem assim até já não haver solução para ele.

Respondeu-me que não podia mesmo ir contra a decisão da equipa local, mas que se o quisesse ir visitar ao jardim de infância ela não seria obrigada a reportar as visitas. Só as que eu fizesse no centro de acolhimento.

Acho que me nasceu uma alma nova! No dia seguinte estava de folga, pelo que me pus a caminho. A educadora estava à minha espera e acolheu-me muito bem. Cheguei na hora da sesta da manhã, mas ele era o primeiro a ser acordado para ter tempo de fazer a medicação toda que ainda tomava antes de almoço.

- Quer ir dar-lhe a medicação e o almoço para a outra sala?
- Claro! - os olhos brilhavam-me.

Comparada com a sala de visitas do centro de acolhimento, despida e tórrida, aquela sala de jardim de infância era o paraíso! Mesmo para sala de berçário era genial! Bem ao estilo Montessori, tinha espelhos ao nível das crianças, uma piscina de bolas, uma tenda, várias bolas de pilates e brinquedos bem arrumados e ao alcance dos meninos. Ele ainda não gatinhava nem se deslocava de qualquer forma, embora já tivesse 14 meses. Mas dessa vez aceitou vir-me para o colo. Continuava a evitar o olhar, mas, surpresa das surpresas, começou a seguir o que eu fazia. A olhar para as fitas que revoluteavam presas a um boneco. Até que começou a seguir o que eu fazia no espelho. E, de repente, ao seguir as fitas que eu agitava mais à altura dos meus olhos, encontrou-se com os meus no espelho. Foi a primeira vez que olhou nos meus olhos! No espelho. E, milagre dos milagres, desprevenido, sorriu-me! Foi um encontro demorado. Dei-lhe o boneco e começou a imitar os meus gestos.

Sentei-me no chão, com ele no meu colo, voltados para o espelho e comecei a cantar uma canção com gestos e ele começou a imitar-me. Como se soubesse imitar desde sempre! Nesse momento a educadora entrou para me levar o almoço dele. Encontrou-nos a fazer gestos e caretas ao espelho e ficou estupefacta.

- Mas ele não imitava! Que milagre foi esse?
- Pois não, nem olhava, mas ao espelho imita e já me olhou nos olhos!
- Que maravilha! O amor faz milagres. Então veja se lhe consegue dar a sopa e a fruta. Ele connosco não come fruta de maneira nenhuma. Pode ser que consigo coma.
- Obrigada.

Ao almoço aconteceu outro milagre. Ele comia a sopa lindamente, desde que não tivesse grumos, mas cerrava a boca para a fruta e não abria mais. Nem com palhaçadas nem com nada que eu fizesse. Até que quando lhe estava a tentar dar a fruta novamente me tocou no braço e apontou para a sopa. Assim como quem diz, "É aquilo que eu quero, será que tenho de explicar tudo?"

Então o meu menino olhava nos olhos, imitava e apontava? Mesmo que por breves instantes. Não podia ter autismo nenhum! Agora sim, tinha a certeza de que estava no caminho certo! Fui falar com a diretora. Estava feliz! Mesmo feliz! Agradeci-lhe muito. E ela também me agradeceu:
- A educadora já me veio dizer! Olhe, mesmo que ele não venha a ser o seu filho, já nos salvou o menino! Já não sabíamos o que lhe fazer...

Claro que isto foram momentos fugazes. Ele não olhava consistentemente. Não voltou a apontar nas semanas seguintes nem a tentar comunicar de maneira nenhuma. Quase a ponto de me fazer duvidar do que tinha visto, mas estava feliz demais para me colocar em causa. Eu estava a travar a maior luta da minha vida. Não tinha espaço interior para duvidar...

No dia seguinte era sexta-feira e eu estava angustiada porque tinha de trabalhar nesse dia e não o poderia ver no fim de semana. Felizmente o menino ficou doente e foi internado no hospital local. Uma bronquiolite e uma otite. Nada de grave, mas decidiram interná-lo por precaução, dados os antecedentes tão graves. Fiquei eufórica. Estava no meu elemento! Ia poder vê-lo todos os dias enquanto estivesse internado. Vesti a bata e fui para o hospital, onde os meus colegas me conheciam e me deixaram ficar todo o tempo. A funcionária que estava com ele e com outra bebé do centro de acolhimento agradeceu-me porque comigo ali poderia ficar mais livre para cuidar da bebé que estava muito mais doente do que ele! Eu é que agradecia, respondi.

Nesses dias o baby parecia que tinha renascido. Olhou-me muitas vezes, começou a tentar deslocar-se sentado, muito inseguro, mas lá avançava uns centímetros de cada vez. Eu sou chata como a potassa e aproveitei cada momento para puxar por ele... Saiu do internamento a seguir tudo com o olhar, a deslocar-se melhor e a rir às gargalhadas.

(continua...)
13
Abr17

[comentários que valem um post] diversidade familiar

beijo de mulata
A doce Maria Bê escreveu um comentário no post abaixo, sobre diversidade familiar.

A Mia, no ano passado, tinha uma coleguinha de escola a quem os meninos chamavam, quando se referiam a ela, "Faith, she has two moms". A Faith, vim a descobrir, era uma criança filha de meth addicts que foi violada aos três meses... uma história horrível. Foi adotada por duas enfermeiras da unidade de cuidados intensivos, que se apaixonaram por ela. (Fim de aparte que só dá contexto).

Para os meninos como os meus, privar de muito cedo com este tipo de realidades, desde a adopção convencional à adopção gay, é um privilégio, sabes. Quando começou a fazer perguntas sobre as barrigas, respondemos-lhe que todos os meninos precisam de um papá e de uma mamã para nascer, mas depois nascem no coração de outros pais, que ficam muito felizes com o poder cuidar deles. Não lhe faz impressão que uma mãe/pai fique sem/dê o seu bebé, o que é engraçado. Um dia mais tarde talvez faça mas por ora fica satisfeita. Um beijo!
11
Abr17

[histórias para o baby-de-mulata] livros sobre adoção #3

beijo de mulata
As Famílias Não São Todas Iguais

Este é um livro que ajuda a aplacar angústias e a normalizar a diferença. Põe o dedo na ferida, mas mostra muitas outras, e o mal de muitos alívio é. Quando os meninos perguntam: porque é que o João tem duas casas, a da mãe e a do pai? Porque é que eu não vivo com o meu pai? Porque é que eu tenho uma cor diferente da cor dos meus pais? Porque é que tenho duas mães? Porque é que fui adotado e os outros meus colegas não?

"As Famílias Não São Todas Iguais" ajuda os pais a responderem a todas estas questões e ajuda a criança a chegar à conclusão simples de que família é quem dá amor e quem ajuda a criar esperança!

Divórcio, família reconstruída, adoção interracial, monoparentalidade e adoção homoafetiva são contempladas lado a lado no livro.

A questão punha-se-me mais há uns anos, na altura em que era mãe solteira e me imaginava a responder a questões sobre a ausência do pai. Comecei cedo a ler este livro ao baby e planeava responder simplesmente: "as famílias são todas diferentes. Tu tiveste um pai e uma mãe, como toda a gente, mas depois, como não puderam cuidar de ti, eu fui pedir ao juiz para ser tua mãe para sempre. E agora a família somos nós!" Mas como somos uma família mais tradicional agora ainda não fez grandes perguntas sobre as famílias. Já sobre as barrigas... mas essa é outra história.
09
Abr17

[histórias para o baby-de-mulata] livros sobre adoção #2

beijo de mulata


Os Ovos Misteriosos de Luísa Ducla Soares

"Os Ovos Misteriosos" é um livro maravilhoso, delicioso e absolutamente genial, ou não fosse da Luísa Ducla Soares. Faz parte do Plano Nacional de Leitura para leitura orientada no primeiro ano de escolaridade, mas da minha experiência pode ser lido a partir dos três anos. Mas, claro, nestas coisas não há como ler primeiro (ou ver o vídeo acima) e ver se o nível de desenvolvimento dos filhos se coaduna já com a compreensão do texto.

A história é de uma galinha órfã de filhos, a quem o dono roubava os ovos todas as manhãs. Até que, corajosa. decidiu ir para a floresta chocar um ovo sozinha. Passado pouco tempo, e de forma misteriosa, vários ovos apareceram no seu ninho: uns grandes, outros pequenos, uns mais claros, outros mais escuros. E todos os outros lhe perguntavam por que ia chocar ovos que não eram dela. E ela respondia. amorosamente, como todas as mães adotivas: estão no meu ninho, vão ser meus filhos! Embora admirada, chocou todos os ovos, dos quais viria a nascer uma insólita ninhada: um papagaio, uma serpente, uma avestruz, um crocodilo e também um pinto. Todos irmãos, e todos diferentes, formavam uma ninhada engraçada, que a mãe-galinha tinha dificuldade em controlar e em alimentar.

Mas no fim, numa grande aventura, todos, de modos também diferentes, defenderam o irmão pinto quando o viram ameaçado, dando sentido a todos os esforços da galinha.

Este é um livro em que a enorme ternura que o atravessa não impede o humor e o ritmo tão próprios desta autora. Para ser lido e relido e colocar e responder a perguntas sobre adoção, sobre as diferenças entre os irmãos e as necessidades de cada um e a forma como cada um deve ser tratado, não com igualdade, mas segundo as suas características. Pode ainda ser lido como uma abordagem à multiculturalidade ou à inclusão de crianças com necessidades especiais.
06
Abr17

[histórias para o baby-de-mulata] livros sobre adoção

beijo de mulata

A Mother for Choco (Comprei na Amazon)

Há muito poucas histórias sobre adoção dirigidas a crianças, infelizmente. Então livros em português são mais raros que um bom tratado de anatomia topográfica (brincando, ok, meus amigos?)... É uma lacuna grave, já que há tantas crianças adotadas em todo o mundo, e dez vezes mais crianças que, não sendo adotadas, têm contacto com crianças que o foram ou sofreram perdas semelhantes e poderiam elaborar melhor essas perdas através de uma história pedagógica e com final feliz. 

Quando o baby-de-mulata tinha dois anos e ainda estava na fase do repete-repete-repete-rotina, gostava sempre que lhe contasse a mesma história vezes a fio. Inventou nomes para cada uma das personagens (a minha preferida era o "porquinho-bifinho"), ria-se com as palhaçadas da mamã ursa e pedia-me vezes sem conta para fazer tarte de maçã.

Agora de vez em quando ainda pega nela e gosta de recordar e fazer perguntas. E eu também faço perguntas, embora ele a mim não me responda... Há vários níveis a que se pode ler a história e vários ângulos e perspetivas, desde a adoção interracial até à questão da monoparentalidade (ou não, podemos sempre imaginar que o pai estava a chegar a casa) e da partilha e diferenças entre irmãos.
04
Abr17

[histórias de amor] as visitas ao baby-de-mulata #4

beijo de mulata
(Continuando a epopeia amorosa e trágico-burocrática, que já vai longa...)

Aviso à navegação: Esta parte é difícil e dolorosa. E não adianta grande coisa. Claro que quem vem aqui ao mato-que-já-não-é-mato, vem sempre à sua própria responsabilidade e ninguém é obrigado a ler nada do que está aqui, mas ainda assim deixo o aviso. Para não se queixarem. Este blogue não possui livro de reclamações. A parte boa, como diz a Zu, assídua visitadora e companheira de viagem, é que desta vez sabemos de antemão que a história acaba bem.

Passadas talvez duas semanas, ou menos até, tenho ideia, foi autorizado o meu estudo de caso pelo Senhor Provedor da Santa Casa da Misericórdia. Dada a situação do menino, já com medida de adotabilidade decretada em tribunal e sem candidatos à vista, o estudo foi considerado prioritário. Fui então chamada para a primeira entrevista. Ia receosa. Sabia que me iria sujeitar a um escrutínio de toda a minha vida pessoal, passada e atual. Isso estava bem patente no questionário de 40 páginas que já tinha preenchido, em que tudo era perguntado, desde relações amorosas atuais e anteriores até à vida familiar e profissional atual.

Mas a equipa era extraordinária, humana e profissional. Não estava à espera que tivessem lido tudo com tanta atenção, sabiam exatamente o que já tinha respondido no questionário e o que faltava esclarecer, poupando-me à exaustão da repetição. No fundo, apesar de toda a minha vida ter sido desfilada naquelas horas, senti que acabou por ser mais uma conversa amigável do que um escrutínio desconfiado das minhas intenções. Estavam inicialmente curiosas de qual a razão que me levava a querer levar para casa uma criança com tantos problemas, mas perceberam que eu estava perdidamente apaixonada. E que sabia ao que ia. Eu já tinha tido uma quase-experiência de adoção do meu menino Gaiato. E quando se teve um menino que morreu, tudo o que se pode pedir é um que não morra. Apenas e só. Lembravam-se bem de outros dois casos de meninos, que entretanto, por felicidade do destino e inteiramente por acaso, são agora meus doentes, em que as mães adotivas se tinham vindo candidatar nas mesmas circunstâncias. Ambos casos de sucesso. Portanto não foi difícil perceberem o que me movia e que tinha perfeita noção do que implicava a minha decisão.

Saí da Santa Casa horas depois, com o coração mais leve e com a certeza de que mais um passo estava dado. Mas no dia seguinte recebi um telefonema do Centro de Acolhimento onde estava o meu menino, que me deitou novamente as esperanças por terra: a equipa de adoções local não via com bons olhos as minhas visitas ao menino e não permitia que o fosse visitar antes do meu processo estar concluído. Assim sem mais, como se houvesse algo de interdito e ilegal nas minhas intenções.

Dois passos para trás! E logo nessa altura, em que já se viam pequenos sinais de melhoria no menino. Já ficava mais calmo na minha presença, já não passava o tempo todo a abrir e fechar a janela, já sorria de vez em quando com as minhas palhaçadas, já olhava ocasionalmente para os brinquedos que lhe levava. Nem queria acreditar... por mais voltas que desse à cabeça não conseguia perceber em que sentido é que as minhas visitas o poderiam prejudicar. Mesmo que viesse a estabelecer alguma relação mais forte e privilegiada comigo, isso não seria diferente da relação que estabeleceria com os técnicos ou as funcionárias da instituição ou até mesmo com a educadora do jardim de infância que entretanto tinha começado a frequentar. Que mal poderia fazer ao menino que uma pessoa fosse exclusivamente visitá-lo frequentemente? Apenas a ele, que era mais um entre tantos? Só poderia fazer bem... Mas não havia volta a dar. A própria diretora do Centro de Acolhimento também estava desolada com o meu desapontamento. Desde que me conhecera que tinha ficado a torcer por mim, acabou por me dizer depois... Não sabia o que pensar... Nos dias seguintes tentei fazer várias diligências, apelar ao bom-senso de quem de direito, mas em vão...

(continua...)

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