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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

19
Mar17

[histórias de amor] as visitas ao baby-de-mulata #3

beijo de mulata
(continuando a minha história de amor...)

Imagem obviamente da web...

Dias depois da saga na Santa Casa voltei ao centro de acolhimento temporário. O menino já tinha começado a frequentar o jardim de infância, mas nem por isso estava mais integrado, mais aberto a comunicar ou a confiar nas pessoas que o rodeavam... Já era mais fácil de cuidar, mas as preocupações continuavam as mesmas: não olhava nos olhos, não comunicava de forma nenhuma, não se interessava por brinquedos nem fazia qualquer esforço para os alcançar, parecia absorto no seu mundo, abria e fechava portas e janelas sempre que tinha oportunidade de as alcançar. Dessa vez e das vezes seguintes a cena da primeira visita repetia-se, deixando-me cada vez mais preocupada e triste.

Eu tinha estado a pensar e, já que o menino abria e fechava portas compulsivamente, talvez se interessasse por outro tipo de movimentos no ar, como o das bolas de sabão e dos balões, que quando os soltamos fazem movimentos irreverentes e imprevisíveis. Levava bolas, balões, brinquedos com luzes e música. Tudo para ver se o interessava noutra coisa que não a malfadada janela daquela sala de visitas. Mas eram frações de segundos... Tudo era demasiado intenso, demasiada informação, demasiado assustador. O calor era imenso, o que o deixava irritado, transpirado e a mim exausta. Afastava-se de mim ostensivamente, pesando-me cada vez mais no colo, por vezes aceitava água no biberão, mas não me deixava dar-lhe, tirava-mo da mão para beber sozinho. De todas as vezes fiz de tudo para captar a sua atenção, mas nada. Nem cantando, nem ficando calada, nem apontando para os carros que passavam na rua, nem fingindo que íamos cair...

Até que certa vez tenho ideia de ter começado a escurecer. Não sei bem como, se era julho e eu só tinha duas horas de visita (mais porque as funcionárias amorosamente fechavam os olhos), mas não eram horas de anoitecer, disso tenho a certeza... talvez uma nuvem tivesse tapado o sol, não me lembro. Sei que começou a escurecer. Eu já estava exaurida e ele cheio de sono, quando lhe peguei na mão e acendi a luz com os seus dedos moles e sem vontade... mostrei-lhe com entusiasmo que tinha sido ele a acender a luz, saltei e festejei aquele "feito". Miraculosamente, aqueles saltos e festejos tiveram o condão de o fazer sorrir pela primeira vez. Apaguei a luz com a mão dele. Mostrei-lhe que a luz se tinha apagado e depois acendemo-la novamente. O menino saltou-me no colo de imediato, como quem diz: "Então, salta, como fizeste há pouco!". Saltei novamente e ele sorriu de novo, agora numa gargalhada. Eu estava estupefacta! Como era possível um milagre destes, tão gratuito e tão simples? Ah... a força que um sorriso pode ter!

Então, mas... bastava saltar para o fazer rir?! Mas não tinha muito mais tempo, estavam quase a vir buscar o menino... continuei a abrir e a fechar a luz e a saltar com ele ao colo até que parei de propósito. Olhei para ele e, por um instante, cruzou os olhos com os meus. Pegou-me na mão e acedeu com ela o interruptor... Pela primeira vez parecia estar a dar conta da minha presença, a "instrumentalizar-me" eu sei, mas pelo menos a manifestar uma vontade... Pela primeira vez senti que afinal não era louca em ter esperança e em ignorar os cochichos das funcionárias: "Mas ela é médica, ela deve perceber que ele não é normal. Deve saber o que está a fazer e o que quer levar para casa..."

(Continua, pois, que não acabou mesmo!)
26
Nov15

[vozes brancas] o infinito...

beijo de mulata
Pergunta-me o baby-de-mulata, acabado de acordar, espreguiçando-se com um ar muito pensativo, enquanto recebia a minha massagem de acordar (a massagem-de-pôr-o-bacalhau-no-esqueleto, como a minha mãe lhe chamava):
- Mãe, o que há para além do universo?

(Ai, valha-me Santo Ambrósio, agora o que é que eu respondo um caramelo a quem a modorra da manhã dá para filosofar? Logo eu que de manhã nunca tenho nada de poético para dizer... Quando era mai nova também me interrogava sobre a origem do universo e os seu caráter infinito, agora interrogo-me mais sobre o que poderá ser o jantar e se a roupa estará enxuta para a Dona Teresa passar a ferro...)

- Para além do universo? Hum... Bem... só se for o céu do Jesus...
- Então, mamã, eu gosto de ti até ao céu do Jesus... e voltar!

(Caí em mim... sou a mãe mais feliz do mundo!)
17
Fev15

[reduzir, reutilizar, reciclar] exercícios ecológicos

beijo de mulata
Ontem, o baby-de-mulata mais uma vez foi comigo e com Mr. Shaka, seu papá, ao ecoponto mais próximo levar o lixo reciclável. Para ele, tudo o que envolva sair de casa e ajudar os seus papás a fazer coisas de crescidos é um programão! E, claro, é sempre uma atividade pedagógica que promove o conhecimento dos materiais de utilização corrente  ("isto é papel, isto é vidro, isto é plástico"). E a minha convicção pessoal é que em matéria de ambiente, educação para a cidadania e resíduos sólidos urbanos nunca é cedo demais para começar!


E lá íamos nós:
- E como se chama um caixote do lixo para colocar... vidro?
- É um vidrão.
- Que lindo, baby, tu sabes muitas coisas! E um caixote do lixo para pôr papel?
- É um papelão.
- E um caixote do lixo para pôr embalagens?
- É um embalão.


E foi então que a coisa começou a descambar...
- E um caixote do lixo para pôr colchas?
- ... É um colchão! [Um sorriso e depois uma gargalhada de quem percebeu o trocadilho...]


- E um caixote do lixo para pôr... trambolhos?
- É um t'ambolhão! Ahahaha!


- E um caixote do lixo para pôr... Carrilhos?
- É um carrilhão!


- E um caixote do lixo para pôr... túbaros?
- É um tubarão! Ahahaha!


- E um caixote do lixo para pôr caixas?
- É um caixão!


- E um caixote do lixo para pôr... calças?
- É um calção!


- E um caixote do lixo para pôr boias?
- É um boião!


- E um caixote do lixo para pôr... diversos?
- É uma diversão! - ...um ar confuso... - Pois é, mãe?


- Sim, meu amor! E um caixote do lixo para pôr confusos?
- É uma confusão! Ahahaha!


- E um caixote do lixo para pôr fogos?
- É um fogão!


- E um caixote do lixo para pôr... solteiras?
- É um solteirão! [Esta ele não percebeu, mas pode ser que se vá entranhando...]


O baby ria, nós desfazíamo-nos à gargalhada com ele, e eu fiquei mesmo feliz porque o meu menino já consegue manipular sílabas, derivar palavras e ainda por cima tem sentido de humor e consciência fonológica. Mais um passo para o conhecimento metalinguístico e preparar a leitura e escrita. Também para isso nunca é cedo demais...
04
Nov13

[a força que um sorriso pode ter!] viver a diferença...

beijo de mulata
 
Peyton McCubbin é uma menina com esquizocefalia (uma doença semelhante à paralisia cerebral), a quem os pais todos os anos, constroem fantasias impressionantes em torno da sua cadeira de rodas para a festa do Halloween... este ano a menina desfilou como princesa Leia na sua nave espacial, acompanhada pelo seu orgulhoso irmão, "Luke". Amar um filho com todas as suas diferenças e limitações é isto. Agradecer porque há meninos que nos unem também! Daqui.

04
Set13

[welcome to my hospital] deliciosa farda!

beijo de mulata

 
A enfermeira Catarina é o máximo! Bem disposta, sempre sorridente, cool para os adolescentes e com uma paciência de Job para os pré-adolescentes, motiva, brinca, faz palhaçadas. E ostenta com orgulho as obras de arte dos seus doentes crónicos inscritas na bata! Deliciosa! Não liguem ao que ela tem na mão direita. Com um bocadinho de insistência, os meninos convencem-na a deixar...
(Hospital Dona Estefânia, Lisboa)

30
Ago13

[vozes brancas] el hospital del pajarito

beijo de mulata

 
Delicioso! Absolutamente delicioso e encantador! Fez-me lembrar o deslumbramento dos primeiros meninos que me trouxeram os seus bonecos para eu os tratar, a cara de espanto quando o Rx revelava um diagnóstico certeiro e o divertimento deles a ajudar-me a pôr um penso ou uma ligadura no Hospital da Bonecada. Mas isto, senhores, isto é em bom!
14
Ago13

[ser criança em moçambique] brincando ao faz de conta...

beijo de mulata

 
Na escolinha das Irmãs de São João Batista, em Nampula, onde estão os meus "afilhados à distância", que só conheço por fotografia... As Irmãs lutam todo o ano para lhes dar roupa, bibes, comida, assistência médica e educação. Para que a vida destas crianças seja simples e o desenvolvimento se faça dentro da família, mas longe do trabalho, da exploração e dos maus tratos, num ambiente acolhedor e intelectualmente estimulante! Tudo a que todas as crianças deveriam ter direito!
(Bairro de Muahivire, Nampula)
13
Ago13

[a força que um sorriso pode ter!] nariz vermelho

beijo de mulata


 
Os doutores-palhaços da Operação Nariz Vermelho
 
?
Não sei se já vos falei deles. Andam pelos hospitais pediátricos portugueses, metem-se com os meninos, arrancam sorrisos mesmo a quem embirra com eles. Sobretudo a esses, aliás. Eu, confesso, não lhes ligava muito quando comecei as minhas andanças na pediatria. Não esperava que me ligassem de todo. Não me via como um alvo a ser atingido por eles. Achava a iniciativa genial, mas era para os meninos, eu tinha outro papel, não padecia de nenhum mal tratável por eles...

Talvez por isso, começaram a perseguir-me. Entravam no serviço, olhavam para mim e eu dizia, muito profissional: "Hoje no quarto 1 temos a Luísa, que está em jejum para ir ao bloco operatório, deve agradecer muito a vossa ajuda para se distrair e o João do quarto 3 passou a noite sem a mãe, está um pouco triste... Todos os outros vocês já conhecem. A Teresinha é que continua em isolamento." Mas eles depois nunca me deixavam sair da sala. Atravancavam-me a saída, caiam para cima uns dos outros, fugiam da minha caneta teimando que era uma pena de pavão, tentavam que o meu estetoscópio produzisse um esguicho de água (de vez em quando conseguiam!), isto até me arrancarem uma gargalhada que se ouvisse no corredor. Eu achava um desperdício perderem tempo comigo. Mas nos dias em que o circo subia à enfermaria, eu ia sempre com um sorriso diferente ver os meninos... Agora já não trabalho no internamento. A última vez que os vi, foi na secretaria da direção, estava eu a tratar da declaração de IRS e eles começaram a cantar-me: "Faça da sua declaração de IRS/ uma declaração de amooooor!!!" E eu dei a melhor gargalhada do dia! Hoje li uma história que só podia ser deles:
"O Francisco, um menino de cinco anos que esteve internado no Instituto Português de Oncologia. Quando o pai do Francisco soube que os doutores-palhaços vinham todas as terças-feiras ao hospital, ficou em pânico, porque o filho tinha muito medo de palhaços. 
Quando chegámos à porta do quarto do Francisco, o pai estava no corredor com a porta do quarto fechada para avisar que o seu filho tinha medo de palhaços. Ou seja: não havia hipóteses nenhumas de comunicarmos com o Francisco. Procurámos falar com o pai para nos deixar tentar uma aproximação ao Francisco mas ele olhou-nos determinado: “Não, não, não, por favor não entrem, ele não quer ver palhaços nem de longe.” 
Passaram umas duas semanas sem que o pai do Francisco nos desse uma oportunidade. Um dia eu voltei a tentar. Sugeri que ele pegasse num chinelo e dissesse ao filho: “olha, estão ali os chatos dos palhaços outra vez e eu vou dar-lhes com o chinelo no rabo”. O pai concordou e encenamos o combinado. Vimos abrir a porta e, pela primeira vez, conseguimos avistar o Francisco de longe. O pai pegou no chinelo e veio atrás de nós enquanto gritávamos no corredor: “está bem, não vamos ver o Francisco, vamos embora”. A nossa rotina no quarto do Francisco passou a ser esta. Todas as semanas o Francisco divertia-se a ver o pai expulsar-nos à chinelada. 
Fomo-nos aproximando cada vez mais da porta e passamos a abrir a porta para dizer: “só viemos buscar o nosso pontapé!” Levávamos o pontapé e seguíamos viagem.
O Francisco deixou o internamento e passou a frequentar o hospital de dia, local que também visitamos. A primeira vez que nos encontrámos com o Francisco na sala de espera, o pai implorou que não entrássemos, alegando que nem estavam muitas crianças no serviço. A aflição dele era tanta que lhe fizemos a vontade naquele dia. Obviamente não podíamos deixar de visitar as outras crianças só porque o Francisco estava presente.
Na semana seguinte, assim que o pai viu que tínhamos chegado à sala de espera, pegou no filho e escondeu-o atrás de um armário!!! Eu aproximei-me lentamente e comecei a dizer: “Eu quero um pontapé do Francisco!... Só saio daqui com um pontapé do Francisco!” O Francisco saiu cauteloso de trás do armário e, sorrindo, deu-me um pontapé. Depois deu outro, e mais outro, entrando no jogo e rindo. Nesse dia, perdeu o medo dos Palhaços.
Semanas mais tarde, o pai do Francisco veio receber-nos à porta do serviço com um sorriso de ansiedade no rosto. Expectante dirigiu-se a nós: “Vocês hoje vão visitar os quartos?”. Dissemos que sim. O pai fez-nos prometer que visitaríamos o Francisco.
Quando chegámos ao quarto, batemos com delicadeza. A porta abriu-se e vimos o Francisco, sentado na cama a olhar para nós, com um nariz de palhaço!"
02
Jul13

[filhos do coração] coisas para pensar...

beijo de mulata

Tenho várias amigas que ponderam atualmente adotar uma criança. Cada uma por razões diferentes...

Ou porque são solteiras, ou porque têm doenças graves cujos tratamentos as tornaram estéreis, ou porque apesar de cinquenta mil tentativas (estimulação da ovulação, inseminação artificial, cirurgias de todos os tipos, várias FIV, e o diabo a quatro, ou-o-diabo-a-sete-que-um-diabo-nunca-vem-só-valha-nos-Nossa-Senhora-do-Ó-acreditem-em-mim-que-sou-versada-em-diabologia,-ou-em-diabetologia,-que-na-gíria-do-nosso-povo-é-exatamente-a-mesma-coisa-e-para-o-caso-até-me-dá-imenso-jeito), ainda não conseguiram engravidar, ou porque tiveram um primeiro filho com problemas graves e não se querem arriscar a repetir o gene que nunca se chegou a identificar, ou porque viveram uma gravidez anterior complicadíssima e não ficaram arrebatadas com a experiência de quase-morte, não lhes apetece escrever um livro sobre isso e, de facto, também não estão para se arriscar a patinar outra vez, que isto é como aquela história do Anaxágoras: se me enganas uma vez a culpa é tua, se me enganas duas vezes a culpa é minha!

Eu digo sempre que recomendo! Que é algo de maravilhoso de repente ter a oportunidade de acompanhar uma criança, recebê-la na família e vê-la crescer numa explosão de desenvolvimento, como são os primeiros meses numa casa com uma família que acolhe, estimula, aplaude e fica feliz com todas as conquistas...

Mas depois há quem diga que as motivações das minhas amigas e das pessoas que querem adotar em geral, não servem o superior interesse das crianças. Que o objetivo primordial das pessoas que querem adotar é satisfazer o desejo egoísta de ter um filho e não de dar uma família a uma criança que foi abandonada ou retirada a uns pais que a maltratavam ou negligenciavam. Que todo o processo de adoções está errado porque deveria ser concebido para encontrar uma família para cada criança que dela necessite e não "arranjar bebés" para pessoas que não podem conceber...

Não sei sequer se me deveria debruçar sobre esta questão. A vida para mim é simples demais para estarmos com estes senãos. O amor entre duas pessoas adultas é uma improbabilidade incrível. Já o amor entre os pais e os seus filhos é um milagre muito mais provável, quase garantido! O que é que interessa a motivação de uma pessoa, desde que esteja de boa-fé para aceitar a criança, seja ela como for? A relação perfeita pode não se estabelecer de imediato, claro, é preciso amadurecer o amor, deixá-lo vir devagarinho e saborear o processo. Sabemos que nem o processo, nem os pais nem as crianças são perfeitos. Mas é o processo que temos e é com as pessoas que existem nele que temos de funcionar!

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