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Dez10
[improbabilidades] das coisas que, decididamente, só me acontecem a mim...
beijo de mulata
Os meus anti-retrovirais...
(continuando e concluindo)
Telefonei ao director do hospital, que foi um querido e, em menos de meia hora, arrancou o farmacêutico da cama e foi ao hospital entregar-me pessoalmente os medicamentos que tinha disponíveis para profilaxia: um esquema triplo, com zidovudina, lamivudina e... efavirenz. Não havia mais nada. Era o melhor que tinha. O esquema mais sofisticado! Anti-retrovirais dentro do prazo de validade (por pouco, mas pronto...), em genérico e made in India. Um autêntico milagre, considerando que há muito poucos anos não era sequer possível encontrar anti-retrovirais em todo o território moçambicano, quanto mais assim do pé para a mão e no meio do mato... Agradeci-lhe a amabilidade e a disponibilidade, desculpei-me pelo incómodo e voltámos para casa.
Já em casa, eu e a R. sentámo-nos a fazer aquilo que qualquer médico abomina que os doentes façam: lemos as bulas de uma ponta à outra para nos inteirarmos das reacções adversas possíveis que a medicação me poderia provocar. E do exame cuidado da literatura inclusa concluímos que a reacção adversa mais provável que eu poderia ter era... uma crise psicótica! Isto, com a agravante de estar já a tomar mefloquina para profilaxia da malária, também ela sobejamente conhecida por conseguir provocar psicoses assim gratuitamente. Valesse-me São Vito se para além da infâmia de vir a ter insónias de meia-noite, ainda fosse desta que havia de dar em doida.
Acho que nem dei pelo dia seguinte. Passei-o a dormir profundamente, com um sono quase patológico. Só me lembro de acordar de quando em vez com o pensamento absurdamente reconfortante de não estar a ter insónias, contente por ainda não ter dado em doida e com a imagem amorosa da R., que não arredou pé dali o dia inteiro, sentada na minha cama, ao meu lado, a ler um livro e a olhar para mim tentando descortinar uma réstia de sentido no absurdo que estava a acontecer. Tudo isto enquanto tentava acalmar as Irmãs, explicando-lhes que aquilo era tudo normal. Que era normalíssimo eu não acordar há quase 24 horas e que só estava a tomar aqueles medicamentos por excesso de zelo, já que a bem dizer, no fundo, no fundo não havia perigo nenhum...
No dia seguinte o sono já não era nada comigo. Insónias também não. Quanto aos outros efeitos secundários possíveis, as náuseas, vómitos, dores de cabeça, diarreia, crises psicóticas, crises maníacas, depressão, ansiedade, mucosites, icterícia, falência hepática, pedras nos rins e o diabo a quatro (ou a sete, que como sabem um diabo nunca vem só e quatro diabos trazem no mínimo mais três, atrelados, como damas de companhia), nem ao de leve me pegaram! E foi assim que concluí que estava certamente a tomar um placebo. Também, o que é que eu havia de querer de uns pobres anti-retrovirais genéricos made in India adquiridos pela Direcção Distrital da Saúde do Gilé? Mas à cautela lá os fui tomando.
Só comecei a pensar que se calhar os medicamentos afinal talvez não fossem só Farinha Amparo quando uma madrugada acordei a vomitar e percebi, horas depois, que estava com malária: os anti-retrovirais tinham-me certamente baixado os níveis de mefloquina no sangue e portanto tinha deixado de estar protegida. Mas a confirmação de que afinal os anti-retrovirais não eram de contrafacção só a tive em Lisboa quando fiz as análises da praxe: 350 de colesterol, 300 de triglicéridos, função hepática pelas ruas da amargura e... VIH negativo! Decididamente os medicamentos tinham funcionado. Thank you, India!