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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

30
Abr12

[iapala] nada é simples...

beijo de mulata
(continuando...)

Eram horas da missa edepois tínhamos de ir jantar. Não queria perder nem por nada a minha primeiramissa em Iapala, onde as meninas dançariam mais uma vez, numa dança maissóbria, mas ainda assim lindíssima, perfeitamente sincronizada e com cânticosde enfeitiçar o ouvido mais duro… Ao jantar desabafei com as irmãs sobre osucedido no hospital. Não pareceram de todo surpreendidas. “Aqui nesta terra ésempre assim. A irmã Sarala esgota-se no hospital. Tem de se estarpermanentemente em cima de tudo. Não sei como não morrem muito mais pessoas…Aqui é tudo por Deus!”
Mas como era possível?! 

– Aqui o povo não confiana medicina do hospital. Só vêm em último recurso, depois de terem ido aocurandeiro. E depois há muitas crenças e tabus que vão radicalmente contraaquilo que lhes é dito para fazer e também ninguém lhes explica as coisas damelhor maneira… – a irmã Lurdes transmitia-me o seu amor pelo povo, apaziguandoa minha zanga com a calma da sua experiência.
– Mas a mãe parecia quenão se importava! Nem para nós olhava…
– Se não se importasse nãotinha vindo ao hospital. Olha que é um esforço muito grande para eles. Aspessoas têm de arranjar mantimentos, pedir a vários familiares que osacompanhem, e deixar os outros filhos entregues à família. Eles são de onde?
– De uma aldeia a 20quilómetros daqui. Não fixei o nome…
– Pois… ninguém se desloca 20quilómetros a pé, com a família toda se não se importar com a criança doente. A Dona Ana é que deve terfalado com ela de forma muito malcriada, como sempre.
– Sim, é verdade.
– Quase todos osenfermeiros e serventes tratam muito mal as pessoas do povo, parece que têmgosto em humilhar as pessoas e não lhes explicam nada do que elas devem fazer.E para uma pessoa que já não confia no hospital, é muito difícil seguir umarecomendação dada naquele tom…
– Nem posso acreditar!
– Há excepções, claro, masa maior parte são profissionais muito mal formados. E pouco competentes.
– Pois… por um lado acheique podia ser isso, mas a mãe também podia ter ido ter com o enfermeiro parapedir para lhe explicar como é que se dava o soro.
– Nem lhe deve terocorrido, coitada, ela nem sequer deve saber para que serve o soro… E depois secalhar tem medo de ser maltratada pelo enfermeiro, ou que ele lhe peça umsuborno. Ela de certeza que não tem dinheiro…
– Credo!
– É assim, amiga. Nemtodos os profissionais fazem isso. E, mesmo os que fazem, não fazem issosempre, nem a qualquer pessoa. Mas a fama persegue-os…
– Isto parte o coração…
– É verdade! Temosrecebido muito voluntários aqui na missão que vêm com algumas ideias românticassobre o país, mas isto não é um mar de rosas. Há muita gente que se deprime enão aguenta o choque de ver tanto sofrimento e tanta indiferença…
– Não admira…
– Sim… África… não é paratodos!
– Pois… não deve ser, não…Bem, é melhor voltar lá para ver como estão a correr as coisas.

 Voltei aohospital, empunhando a minha lanterna. O casalinho de perus já tinha recolhidoà intimidade do lar, e as luzes do hospital estavam desligadas àquela hora.

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