23
Jan12
[iapala] malária... a malária é difícil
beijo de mulata
No pátio do hospital, com o menino a dormir...
(Iapala, Nampula)
(continuando...)
Ia voltar para casa mas, já na rua, assaltou-me um pressentimento e tive de dar meia volta. Voltei para a cabeceira do menino. De repente, apesar do cansaço (ou por causa dele, não sei bem…), fiquei insegura. E se ele afinal não estivesse assim tão bem? E se convulsivasse novamente sem ninguém dar conta? E se de repente a malária resolvesse fazer das suas e entrasse em coma? Ele ainda estava a dormir, não tinha sequer aberto os olhos e a febre ainda não tinha cedido completamente… Era melhor ficar por ali.
A malária assusta-me! Cada vez mais… É imprevisível. Nunca consigo ter a certeza de que vai mesmo tudo correr bem. Não tenho análises nem outros exames à disposição, só tenho os meus olhos e a minha intuição, mas esta semana fiquei ainda mais insegura e quase deixei de confiar nela… Foi por causa de uma criança de 15 meses com malária que chegou ao fim da tarde, aqui há uns cinco dias. O menino, quase bebé, vinha completamente inconsciente.
Segundo a mãe, mais uma vez, a doença tinha começado nesse dia e não tinha ido procurar tratamento tradicional. Mas nunca sei se é verdade ou não… e geralmente não é verdade. O problema é que muitas vezes, quando a situação é grave, é difícil perceber se o que se passa com a criança é resultado da doença, do tratamento tradicional ou das duas coisas… E alguns medicamentos que os curandeiros usam são terrivelmente tóxicos! Tudo se encontra na natureza: alcalóides, pesticidas, antibióticos, antiparasitários, medicamentos contra o cancro*...
E o bebé estava ali, em coma profundo e gelado. Não estava desidratado, mas tinha a respiração acelerada das doenças graves. E o coração não estava a bater como devia, estava lento…
– Teve febre hoje, mamã?
– Nada, não teve.
– O corpo ficou quente? – tenho sempre de perguntar a mesma coisa de várias maneiras, que há palavras que as pessoas não conhecem ou não atribuem o mesmo significado.
– Sim, muito quente, só arrefeceu agora.
– E quando é que deixou de estar acordado?
– Há bocado…
– Nada, mamã! A criança está assim há muito tempo! Olhe como está a respirar. Pode dizer, eu não fico zangada… quando começou a doença?
– De manhã, Irmã…
– E teve convulsões?
– Sim. Duas vezes.
Das duas uma, ou tinha malária cerebral ou uma infecção generalizada. Mas o exame neurológico mostrava-me que o cérebro também estava em sofrimento. O mais provável era que fosse malária cerebral. Mas à cautela comecei o tratamento para as duas coisas enquanto esperava o resultado do teste da malária e tentava estabilizar a criança. Mas, ao fim de algumas horas, o menino tinha piorado. A respiração estava mais lenta, o coração também mais lento, continuava em coma. Levantei-lhe novamente as pálpebras: as pupilas estavam diferentes… Estava a acontecer o que eu temia: o cérebro tinha inchado de tal maneira que estava comprimido contra as paredes do crânio. Perguntei ao enfermeiro se havia os medicamentos de que eu precisava.
– Não, Doutora, não tem.
– Mas não tem no hospital todo? Ou estão no armazém?
Ao que o enfermeiro respondia que não sabia, mas que achava que existiam no armazém. O problema é que quem tinha a chave era o Director, que estava em Nampula.
– Mas não há outra chave? – indignei-me.
– Nada, Doutora, ele não deixa a chave com mais ninguém, senão os funcionários roubam tudo.
– Valha-me Deus!
Mandei chamar a Irmã Lurdes… Estava desorientada. Capaz até de arrombar o armazém se me tivessem dado a certeza de que o medicamento existia mesmo por detrás daquela porta!
– Posso ir ao hospital de Ribáuè – ofereceu-se –, é um hospital maior, pode ser que tenham os medicamentos. Se eu pedir dão-mos de certeza, a mim nunca me negaram nada. Eles conhecem-me bem. Sabem que é para salvar uma vida…
Mas provavelmente não havia sequer tempo de ir ao hospital de Ribáuè pedir a medicação e voltar. Só se o levássemos connosco e ele fizesse a medicação lá.
– Isso é mais complicado… A família não deve querer, eles sabem que a situação é grave**.
– Temos de os convencer! Mamã, percebeu o que estamos a dizer? – perguntei.
– Não, Irmã.
(continua...)
* Aliás, o nome deste blogue vem precisamente de uma situação em que inesperadamente descobri que do beijo-de-mulata de extrai um medicamento contra o cancro...
** Já em tempos vos expliquei isto... para os Macuas, se alguém morrer longe de casa, o seu espírito nunca vai encontrar o caminho de volta e permanece para sempre retido "do lado de cá", assombrando e trazendo desgraças os vivos.