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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

06
Fev12

[iapala] dar sangue é ser herói?

beijo de mulata

O Sr. Cachimo a colher-me sangue...
(Iapala, Nampula)

(continuando a história que começou aqui...)

Horas depois o Sr. Cachimo entravana minha sala sem o sorriso habitual. Sem me olhar nos olhos, sem a vontade deme dar um beijo estampada do rosto. Estava preocupado.
– É mesmo preciso fazertransfusão?
– Sim, o que é que se passa?
– Já testei toda a família. Só amãe e o tio são compatíveis.
– E então?
– A mãe está di grávida e tem anemia de 7 gramas, não pode dar sangue e o tiotestou positivo.
– Positivo para quê?
– Para Hepatite B.
– E o menino não está vacinado?
– Nada, em Moçambique não sevacina para Hepatite B ainda. Talvez no próximo ano, agora não…
– Valha-me Deus, mas ele tem umafamília tão grande, é um grupo de sangue assim tão raro?
– Nada, ele é A positivo, mas nafamília são todos B ou AB.
– Valha-me Deus e agora? Costumahaver voluntários?
Isshh, aqui em Iapala? Nada… Ninguém quer dar sangue, só se forpara um familiar muito próximo! Dizem que os homens perdem a força para brincarcom as esposas e que mulher não consegue nascer depois.
– Que disparate!
– Sim, mas aqui todos têm anemia,é um esforço muito grande, fica-se fraco mesmo!
– O que é que podemos fazer?
– Não sei também. Problema di sangue... Iapala é assim a toda ahora.
– Vou pedir ao Senhor Padre paradizer na missa que há um menino que precisa de sangue. Pode ser que apareçamvoluntários.
Isshh, é uma batalha perdida…
– Bem… eu sou A positivo também!Acha que eles vão aceitar que eu dê sangue para o menino?
– Claro! Claro que sim, como não?Mas… mas… vai dar sangue? Não tem medo?
– Medo de quê?
– De não conseguir nascer depois…
– Cachimo, por favor! Não falecomo os doentes! Eles não fizeram um curso técnico, não foram à escola, nãosabem que o sangue se renova.

Baixou os olhos, envergonhado…
– Tem razão.
– Vamos lá então, vamos ver se eusou compatível. 

A família nem queria acreditar! Anotícia espalhou-se pela localidade inteira, mais rápida do que qualquer mánotícia (dizem que as más notícias obedecem a leis especiais de propagação eque se difundem mais rapidamente do que qualquer outro tipo de informação, sejaatravés de que meio de comunicação for, mas as fofocas também conseguem serrápidas). A médica que tinha vindo de Portugal ia dar sangue para um menino quenão conhecia! O que se passaria? Não estava a ter um caso com o pai da criança,não queria ganhar eleições, não estava a tentar ganhar reputação entre apopulação porque todos sabiam que se ia embora no final do mês… A que propósitoestaria ela a fazer um gesto tão gratuito e tão generoso? As pessoas ficaramgenuinamente comovidas. Passaram a olhar-me com outros olhos. Não só a família,mas toda a localidade.

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