05
Nov11
[a minha vida dava um filme cigano] celulite...
beijo de mulata
Serviço de Urgência na semana passada, um menino ciganito de 9 meses de idade, com um o pezito num trambolho, febre ininterrupta há dez dias, mas com o ar pacato de quem não é nada com ele, desde que, obviamente, ninguém lhe tocasse no pé, altura em que, se o seu olhar falasse, se tornava num misto entre o queixume miserável de quem sofre, e uma proto-linguagem de carroceiro indignado*... Os dois pais, muito jovens, provavelmente com menos de 18 anos, com um ar muito preocupado.
Eu, incrédula, perguntava: "Então mas só agora é que vêm ao médico?" Se há coisa que não é habitual é os meninos ciganos não serem protegidos na doença. Pelo contrário, uma criança doente mobiliza famílias inteiras. Alguma coisa de muito anormal se teria passado.
E os pais iam respondendo que sim, que já o tinham levado ao centro de saúde e que lhes tinham dito que o menino tinha uma celulite do pé.
- Precisamente, é isso mesmo. Mas então deram-lhes antibiótico para o menino tomar...
- Sim, Doutora - respondia o pai -, mas a médica disse que se o antibiótico não funcionasse o menino se calhar tinha de ser lancetado. E eu ganhei medo e então nã lhe dei...
- Mas isso faz algum sentido?
- Não, Doutora, eu sei que já fiz asneira... Mas depois a minha mulher foi pedir uma segunda opinião.
- Então?
- Eu depois fui à farmácia pedir tratamentos para a celulite - continuava a mãe -, e eles venderam-me uns cremes para pôr ao menino. Caríssimos, Doutora, e não lhe fizeram nada!
- Cremes para a celulite? Mas isso é para a celulite das senhoras, não é para este tipo de celulite! Isto é uma infecção!
- Pois, eles também acharam estranho que o menino tão pequenino já tivesse celulite, mas eu então disse que era para mim.
Mais uma história tragico-cómica, valha-me Nossa Senhora Cigana...
- Mas há quanto tempo é que isso foi?
- Foi há oito dias. Mas como o menino não melhorava, nós decidimos vir aqui - defendia-se o pai.
- Mas ele não melhorava porque também não deixava muito bem pôr os cremes - explicava a mãe -, os cremes eram frescos e ele até se sentia bem ao princípio, mas depois deixou de fazer efeito.
- Os senhores têm é muita sorte, que o menino é rijo, se não a estas horas a infecção já lhe tinha atacado os ossos!
- Sim, Doutora.
- Bem, então vamos lá ver se nos entendemos. Têm aqui a receita do antibiótico, mas vão fazer mesmo? É preciso ter muita atenção. Qual dos dois é que sabe ler bem?
- A minha mulher.
- Sim, Doutora, eu não sou cigana!
Pronto, estava tudo explicado! Era um casal de miúdos e o pai tinha sido expulso da família de certeza, por ter casado fora da tradição. Daí aquela desprotecção do menino e os disparates atrás de disparates sem que ninguém tivesse vindo atrás para defender a criança e obrigar os pais a ir ao médico.
- Vamos lá, então, é uma colher cheia de 8/8 horas. Sabe como é que se faz um medicamento de 8/8 horas?
- Então... É às oito da noite... e às oito da manhã.
- Bem... se calhar é melhor o menino ficar internado aqui connosco, o que é que acham?
* Quer dizer, nós já tivemos algures esta conversa... Já não existem carroceiros, eu sei, mas a língua portuguesa evolui mais lentamente do que os meios de transporte.
Eu, incrédula, perguntava: "Então mas só agora é que vêm ao médico?" Se há coisa que não é habitual é os meninos ciganos não serem protegidos na doença. Pelo contrário, uma criança doente mobiliza famílias inteiras. Alguma coisa de muito anormal se teria passado.
E os pais iam respondendo que sim, que já o tinham levado ao centro de saúde e que lhes tinham dito que o menino tinha uma celulite do pé.
- Precisamente, é isso mesmo. Mas então deram-lhes antibiótico para o menino tomar...
- Sim, Doutora - respondia o pai -, mas a médica disse que se o antibiótico não funcionasse o menino se calhar tinha de ser lancetado. E eu ganhei medo e então nã lhe dei...
- Mas isso faz algum sentido?
- Não, Doutora, eu sei que já fiz asneira... Mas depois a minha mulher foi pedir uma segunda opinião.
- Então?
- Eu depois fui à farmácia pedir tratamentos para a celulite - continuava a mãe -, e eles venderam-me uns cremes para pôr ao menino. Caríssimos, Doutora, e não lhe fizeram nada!
- Cremes para a celulite? Mas isso é para a celulite das senhoras, não é para este tipo de celulite! Isto é uma infecção!
- Pois, eles também acharam estranho que o menino tão pequenino já tivesse celulite, mas eu então disse que era para mim.
Mais uma história tragico-cómica, valha-me Nossa Senhora Cigana...
- Mas há quanto tempo é que isso foi?
- Foi há oito dias. Mas como o menino não melhorava, nós decidimos vir aqui - defendia-se o pai.
- Mas ele não melhorava porque também não deixava muito bem pôr os cremes - explicava a mãe -, os cremes eram frescos e ele até se sentia bem ao princípio, mas depois deixou de fazer efeito.
- Os senhores têm é muita sorte, que o menino é rijo, se não a estas horas a infecção já lhe tinha atacado os ossos!
- Sim, Doutora.
- Bem, então vamos lá ver se nos entendemos. Têm aqui a receita do antibiótico, mas vão fazer mesmo? É preciso ter muita atenção. Qual dos dois é que sabe ler bem?
- A minha mulher.
- Sim, Doutora, eu não sou cigana!
Pronto, estava tudo explicado! Era um casal de miúdos e o pai tinha sido expulso da família de certeza, por ter casado fora da tradição. Daí aquela desprotecção do menino e os disparates atrás de disparates sem que ninguém tivesse vindo atrás para defender a criança e obrigar os pais a ir ao médico.
- Vamos lá, então, é uma colher cheia de 8/8 horas. Sabe como é que se faz um medicamento de 8/8 horas?
- Então... É às oito da noite... e às oito da manhã.
- Bem... se calhar é melhor o menino ficar internado aqui connosco, o que é que acham?
* Quer dizer, nós já tivemos algures esta conversa... Já não existem carroceiros, eu sei, mas a língua portuguesa evolui mais lentamente do que os meios de transporte.