13
Ago13
[a força que um sorriso pode ter!] nariz vermelho
beijo de mulata
Os doutores-palhaços da Operação Nariz Vermelho
(Daqui)
?
Não sei se já vos falei deles. Andam pelos hospitais pediátricos portugueses, metem-se com os meninos, arrancam sorrisos mesmo a quem embirra com eles. Sobretudo a esses, aliás. Eu, confesso, não lhes ligava muito quando comecei as minhas andanças na pediatria. Não esperava que me ligassem de todo. Não me via como um alvo a ser atingido por eles. Achava a iniciativa genial, mas era para os meninos, eu tinha outro papel, não padecia de nenhum mal tratável por eles... Talvez por isso, começaram a perseguir-me. Entravam no serviço, olhavam para mim e eu dizia, muito profissional: "Hoje no quarto 1 temos a Luísa, que está em jejum para ir ao bloco operatório, deve agradecer muito a vossa ajuda para se distrair e o João do quarto 3 passou a noite sem a mãe, está um pouco triste... Todos os outros vocês já conhecem. A Teresinha é que continua em isolamento." Mas eles depois nunca me deixavam sair da sala. Atravancavam-me a saída, caiam para cima uns dos outros, fugiam da minha caneta teimando que era uma pena de pavão, tentavam que o meu estetoscópio produzisse um esguicho de água (de vez em quando conseguiam!), isto até me arrancarem uma gargalhada que se ouvisse no corredor. Eu achava um desperdício perderem tempo comigo. Mas nos dias em que o circo subia à enfermaria, eu ia sempre com um sorriso diferente ver os meninos... Agora já não trabalho no internamento. A última vez que os vi, foi na secretaria da direção, estava eu a tratar da declaração de IRS e eles começaram a cantar-me: "Faça da sua declaração de IRS/ uma declaração de amooooor!!!" E eu dei a melhor gargalhada do dia! Hoje li uma história que só podia ser deles:
"O Francisco, um menino de cinco anos que esteve internado no Instituto Português de Oncologia. Quando o pai do Francisco soube que os doutores-palhaços vinham todas as terças-feiras ao hospital, ficou em pânico, porque o filho tinha muito medo de palhaços.
Quando chegámos à porta do quarto do Francisco, o pai estava no corredor com a porta do quarto fechada para avisar que o seu filho tinha medo de palhaços. Ou seja: não havia hipóteses nenhumas de comunicarmos com o Francisco. Procurámos falar com o pai para nos deixar tentar uma aproximação ao Francisco mas ele olhou-nos determinado: “Não, não, não, por favor não entrem, ele não quer ver palhaços nem de longe.”
Passaram umas duas semanas sem que o pai do Francisco nos desse uma oportunidade. Um dia eu voltei a tentar. Sugeri que ele pegasse num chinelo e dissesse ao filho: “olha, estão ali os chatos dos palhaços outra vez e eu vou dar-lhes com o chinelo no rabo”. O pai concordou e encenamos o combinado. Vimos abrir a porta e, pela primeira vez, conseguimos avistar o Francisco de longe. O pai pegou no chinelo e veio atrás de nós enquanto gritávamos no corredor: “está bem, não vamos ver o Francisco, vamos embora”. A nossa rotina no quarto do Francisco passou a ser esta. Todas as semanas o Francisco divertia-se a ver o pai expulsar-nos à chinelada.
Fomo-nos aproximando cada vez mais da porta e passamos a abrir a porta para dizer: “só viemos buscar o nosso pontapé!” Levávamos o pontapé e seguíamos viagem.
O Francisco deixou o internamento e passou a frequentar o hospital de dia, local que também visitamos. A primeira vez que nos encontrámos com o Francisco na sala de espera, o pai implorou que não entrássemos, alegando que nem estavam muitas crianças no serviço. A aflição dele era tanta que lhe fizemos a vontade naquele dia. Obviamente não podíamos deixar de visitar as outras crianças só porque o Francisco estava presente.
Na semana seguinte, assim que o pai viu que tínhamos chegado à sala de espera, pegou no filho e escondeu-o atrás de um armário!!! Eu aproximei-me lentamente e comecei a dizer: “Eu quero um pontapé do Francisco!... Só saio daqui com um pontapé do Francisco!” O Francisco saiu cauteloso de trás do armário e, sorrindo, deu-me um pontapé. Depois deu outro, e mais outro, entrando no jogo e rindo. Nesse dia, perdeu o medo dos Palhaços.
Semanas mais tarde, o pai do Francisco veio receber-nos à porta do serviço com um sorriso de ansiedade no rosto. Expectante dirigiu-se a nós: “Vocês hoje vão visitar os quartos?”. Dissemos que sim. O pai fez-nos prometer que visitaríamos o Francisco.
Quando chegámos ao quarto, batemos com delicadeza. A porta abriu-se e vimos o Francisco, sentado na cama a olhar para nós, com um nariz de palhaço!"