- A senhora é saudável? - Não, o meu médico diz sempre para eu nunca me esquecer de dizer que uma vez tive um problema numa tromba. - Ah, mas isso não tem muita importância para o menino, deve ser mais é quando vai ao Ginecologista. - Não, mas ele diz-me para dizer ao pediatra. - Ah, mas e foi antes ou depois da gravidez? - Não, foi durante. - Teve uma gravidez fora do sítio? - Não, foi na gravidez do João, a única que tive. - Mas como é que foi? - Um dia a perna começou-me a inchar muito, a ficar muito quente e eu cheia de dores. - A perna? - Sim, a perna. E depois fui logo para o hospital e diagnosticaram-me uma infeção da tromba venosa. Tive de andar a tomar muitas injeções na gravidez...
- O menino tem febre? - Sim. - E qual foi o máximo que teve? - Foi para aí… trinta e tal. - Mas tem de medir, mãe! - Eu medi, mas não tenho termómetro. (Suspiro) --- ---
- O menino teve febre hoje? - Sim. - De quanto? - Tinha 37ºC, Doutora, quase 40! (Suspiro) --- --- - O menino tem tido febre nos últimos dias? - Sim, doutora. - E o corpo fica quente? - Não, é febre só… O corpo não aquece… (Suspiro) --- --- - A menina tem tido febre? - Sim, doutora, tem estado muito molinha, transpira muito e não come. Mas ponho-lhe o termómetro e não acusa… Será febre interior? (Suspiro)
"Ninguém compreende a minha bichinha", lamentava-se a mãe de uma princesa esta tarde na consulta. "Calcule doutora, que a minha empregada me ligou no outro dia a dizer que a Maria [nome obviamente fictício] se estava a queixar das pernas. E como a doutora sabe, da última vez que ela se queixou das pernas acabámos no hospital internadas com uma púrpura. Fui de charola para casa e dei com ela a correr e a pular, muito bem disposta e surpreendida por me ver".
"O que tens, filhota?", perguntara-lhe. "Nada, mãe, eu não estava a fazer nada, eu portei-me bem!" "Sim, querida, eu sei que te estavas a portar bem hoje, mas a tia Céu chamou-me porque estavas a queixar-te das pernas." "Eu?! Não, eu só disse que tinha tosse nas pernas." "Tosse nas pernas?" "Sim, mãe, quando eu corro fico com tosse!"
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- E depois é isto, doutora! Não hei de eu andar meia louca! Tenho uma filha a quem tudo acontece, um marido que está fora e uma empregada completamente histérica! - Bem, olhe, mas em contrapartida tem uma filha poetisa! Não lhe corte essa veia poética, que tem futuro! Quem me dera a mim escrever assim...
Foi com esta música que ensinei ao baby-de-mulata que há palavras e palavrões. Palavras que se podem dizer em todo o lado e palavras que só se podem dizer em casa... Um dia, estávamos muito bem dispostos e ensinei-lhe esta música com a letra adulterada (ver abaixo). Riu-se imenso mas rapidamente percebeu que fora de casa, no jardim, no supermercado, no hospital da mamã e locais afins levava com o meu olhar furibundo nº 3 só de esboçar os lábios para a e palavra e só tinha autorização para cantar a versão original... De vez em quando há alguém que lhe ensina mais uns palavrões e agora é muito mais fácil explicar que essas palavras pertencem à mesma categoria que a música dos "Quatro patinhos que cheiravam a chulé"...
No outro dia, na consulta de uma criança de 4 anos que vinha por um atraso de desenvolvimento da linguagem, o pai do menino, juiz de profissão, perguntou-me assim, casualmente, enquanto eu o mandava despir e palpava a barriga, o que é que eu achava sobre a adoção por casais homossexuais e sobre a lei da co-adoção... Fiquei siderada! Era bom que a pergunta não resultasse de uma qualquer associação de ideias perversa, iniciada quando o mandei tirar a roupa do menino. Fiquei desconfortável e devolvi a pergunta com um ligeiro sorriso:
- Por que me faz essa pergunta?
A última coisa que eu queria naquele fim de dia era discutir questões de princípios, argumentar e contrargumentar com alguém que não conhecia bem, sobretudo sobre assuntos que para mim são óbvios e simples. Tanto mais que a criança tinha vários problemas muito mais urgentes de discutir do que o sexo dos anjos (ou, com maior propriedade, o sexo de seus pais). Mas quem é que no seu perfeito juízo tenta discutir questões deste calibre em plena consulta do próprio filho, valha-me Nossa Senhora do Bom-Senso!
- Ah, Doutora, desculpe, eu sei que a consulta é do meu filho, mas ando há que séculos para lhe perguntar isto porque no outro dia tomei uma decisão e não fiquei totalmente convencido... Tinha um menino que foi vítima de maus tratos por parte da mãe. Quando houve a denúncia foi hospitalizado e depois era preciso tomar uma decisão: ou bem que era institucionalizado ou ficava a viver com um tio que era homossexual e vivia com um companheiro.
- E que decisão tomou que o ficou a atormentar?
- Decidi entregá-lo ao tio.
- Mas esse tio não foi avaliado por um psicólogo ou um psiquiatra? Ou pelo menos um assistente social? O mais importante é saber se a pessoa a quem se entrega a criança é organizada do ponto de vista mental, se está disponível para acolher a criança e se tem capacidade para estabelecer uma boa relação com o menino.
- Foi isso tudo. E a assistente social e a psicóloga garantiram-me que ele tinha uma boa relação com o miúdo e o miúdo com ele.
- E então, que dúvidas teve?
- E a Doutora não teria dúvidas?
- Não, não estou a ver a razão da sua preocupação, de facto...
- Ok, doutora. Eu era contra, totalmente contra o direito de casais homossexuais adotarem crianças. Mas é curioso que neste caso eu também não tive dúvidas... Mas custou-me imenso tomar esta decisão. A doutora concorda?
- Claro! Ainda bem que conseguiu distanciar-se da sua própria opinião pessoal!
- Pois foi, doutora! Mas o que era a minha opinião comparada com a felicidade daquele menino?
Ah, grande homem! Dizem que só os fracos não mudam de opinião e este, apesar de pouco esclarecido nesta matéria, soube tomar uma decisão tendo em conta o superior interesse da criança! Dei-lhe os parabéns pela decisão difícil e descansei-o quanto ao facto de as crianças criadas por casais homossexuais não terem mais problemas psicológicos ou de desenvolvimento que as outras. E por ali ficámos, que ainda tínhamos entre mãos um caso igualmente difícil...