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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

31
Ago13

[welcome to mozambique] inseticida...

beijo de mulata
A pedido de ainda mais famílias, aqui fica mais um pequeno excerto do meu livro:

Deixo-me ficar na cama ainda mais uns minutosdepois do alarme do telemóvel tocar. Recordo-me desta noite... Ainda nemacredito que recebi um recém-nascido em Moçambique, à luz das velas, como nasmais antigas histórias que ouvia contar! (…)
Cumprimento a Amélia, a minha discretacompanheira de quarto, uma osga simpática e madrugadora, que a esta hora já seencontra colada aos vidros da janela ao sol (desconfio que terá passado ali anoite...), com as patinhas esticadas numa enorme preguiça, à espera do pequeno-almoçoesvoaçante (este sim, literalmente um “mata-bicho”). Instalou-se no meu quartohá três dias, trazida pelo cozinheiro ante o meu olhar de ponto deinterrogação. Eu tinha-lhe pedido inseticida pois não tinha rede mosquiteira noquarto, ao que ele respondera:

– Não sei o que é set'cida, doutora...
– Remédio para os mosquitos –reformulei.

– Ah, não tem problema!
E horas depois regressou com a Amélia...A verdade é que esta minha inquilina é uma exímia caçadora de mosquitas,mosquitos e moscas e ainda não precisei de usar inseticida.

in A Missão - Diário de uma Médica em Moçambique
30
Ago13

[vozes brancas] el hospital del pajarito

beijo de mulata

 
Delicioso! Absolutamente delicioso e encantador! Fez-me lembrar o deslumbramento dos primeiros meninos que me trouxeram os seus bonecos para eu os tratar, a cara de espanto quando o Rx revelava um diagnóstico certeiro e o divertimento deles a ajudar-me a pôr um penso ou uma ligadura no Hospital da Bonecada. Mas isto, senhores, isto é em bom!
29
Ago13

[veja como fala!] parole sono importanti!

beijo de mulata

 
Magnífica cena do filme Palombella Rossa de Nanni Moretti.
 
Não chegaria ao ponto de Nanni Moretti, de agredir alguém por usar uma palavra fora de contexto, mas sempre fui muito sensível às palavras. Quando o tema é delicado, encontrar palavras que não magoem é difícil, e pode ser um desafio quando estamos perante pessoas hipersensíveis ou, de alguma forma fragilizadas. Aprendi cedo que não se deve usar palavras conotadas negativamente, mesmo que sejam "termos técnicos". É certo que se pode dizer parir quando falamos de maternidade, por exemplo, mas para quê se existem alternativas mais positivas, mais gentis, mais delicadas para falarmos com uma jovem mãe na sala de partos?
 
Mas este ano fui apanhada de surpresa por um Pedopsiquiatra que prezo e admiro imenso. Eu pedia-lhe ajuda para esclarecer o comportamento de uma criança que, por uma série de razões, me parecia autista. Ele perguntou-me então que mais lhe poderia eu dizer sobre a criança, ao que eu respondi que era uma criança meiga, sossegada, que gostava de brincar sozinha, com uma relação privilegiada com a irmã mais velha, que tinha uma atitude maravilhosamente protetora e maternal para com ele. Foi então que este meu colega me surpreendeu com a pergunta: "Acha que esses comportamentos chegam para o descrever?" Acho que nem percebi onde ele queria chegar. Respondi que não, que certamente que não, longe disso, que também era muito importante dizer que o menino tinha muitos aspetos a seu favor, que haveriam de jogar como fatores de bom prognóstico e de resiliência, que o tinha achado encantador e a mãe muito atenta e adequada aos seus problemas e dificuldades, e que ambos formavam uma díada fortíssima. "Então porque foi que disse que ele era autista?", foi a resposta. 
 
Senti-me a jornalista desta cena da piscina no Palombella Rossa! Nesse momento senti vergonha. "Logo eu, que lutei tanto contra o estigma da lepra e do VIH em Moçambique, que nunca deixei que ninguém chamasse leprosos aos meus doentes com lepra!", pensava enquanto ele continuava: "Nós aqui não gostamos de dizer que uma criança é autista, mas que tem um autismo. Parece a mesma coisa mas o impacto é completamente diferente. É como se estivéssemos a dizer que o autismo não é tudo o que a criança é, que não a define como pessoa, que essa criança é muito mais para além do autismo e do seu comportamento." Claro. Claro que sim! Fazia todo o sentido. Acatei este conselho e fi-lo meu.
 
É verdade que as palavras não descrevem apenas factos, elas evocam sentimentos e emoções, têm cargas positivas ou negativas. Ou neutras. Podemos fazer a diferença quando falamos de forma positiva ou neutra, porque assim aligeiramos a carga emocional e podemos desfazer alguns mitos. Têm de concordar comigo que ao dizer que uma criança "é doente" nos estamos a resignar a um facto consumado, enquanto que se dissermos que o menino "tem uma doença", inevitavelmente alguém se chegará à frente a perguntar: "Então e agora, como é o tratamento?" É uma linguagem que permite avançar!
28
Ago13

[outras palavras] acentuação

beijo de mulata
é tão difícil dizer amo-te
murmurava ontem um amigo
a propósito de coisa nenhuma e
muito menos de amor

estávamos entre papéis e tintas
com a casa onde nasceu Pessoa mesmo em frente e
talvez por isso
a questão das palavras o
atormentasse daquela maneira

passou os dedos pelos desenhos de um livro e
ficou a olhar para o largo que
se avistava da janela
quem sabe se
procurando os desajeitados beijos de ofélia
nas lajes ressequidas pelo verão

é tão difícil dizer amo-te
repetiu e ficou outra vez em silêncio
atordoado de sol e de heterónimos

então eu disse que isso era apenas
pelo simples facto de a palavra ser
acentuada na primeira sílaba o que
não dava jeito nenhum a pronunciar

ele riu e ficámos então a discutir se
a palavra seria grave ou esdrúxula até que
fechado o livro e arrumados os papéis
ele declarou
adoro-te é bem melhor

e saímos para a rua felizes
por termos encontrado
tão facilmente a
solução do problema
Alice Vieira (lido no seu mural do facebook)

Nota-se muito que estou apaixonada?
23
Ago13

[lixo no carro] devemos contrariar o cliché?

beijo de mulata

 
Ontem a Rádio Comercial recordou este episódio da Mixórdia de Temáticas. Perante a última parte (04:50) e, o ponto de vista de Pipoco de que vos falei há dias, ocorreu-me então o seguinte dilema: será que devo continuar a contrariar o cliché e manter o meu automóvel impecavelmente limpo e arrumado, com a ajuda do saco de lixo da minha amiga Mimi e, tornar-me, portanto, mais atraente como mulher? Ou recusar-me a ser submissa, recusar-me a fazer algo só para me tornar mais desejável, negando assim toda a minha feminilidade e toda a minha essência (isto é, negando a tendência inata que tenho de desarrumar o carro)? Será que os homens que se sentem atraídos por mulheres que têm o carro limpo não estarão a sentir-se atraídos pelo seu lado masculino? Será esse o tipo de homem que as mulheres querem? Que me dizem?
22
Ago13

[música para bebés] aprender desde o berço!

beijo de mulata

 
É consensual entre a comunidade pediátrica, que as crianças que aprendem música são mais concentradas, têm melhor memória e, atrevo-me a dizê-lo, são mais felizes. Em parte porque têm um modo extremamente eficaz, socialmente aceitável e belo de canalizar energias.
 
O que não é tão evidente para nós, mas ainda assim claro para investigadores e professores é que, tal como a linguagem, se as bases da música forem aprendidas desde os primeiros meses (antes dos 2 anos), a aprendizagem é muito mais sólida e perfeita. Por isso, pais e mães, cantem! Digam lengalengas, rimem, batam em tambores, agitem maracas, dancem com o corpo todo! A música é importante! Desde o berço.
21
Ago13

[welcome to mozambique] o milagre da harmonia

beijo de mulata
Um exemplo do que vos disse ontem para que vejam como é verdade, verdadinha tudo o que vos contei (vêm muitas pessoas a este mato que não me deixam mentir, mas nem toda a gente sabe disso):

Uma madrugada eu, a minha amiga R. e as meninas que viviam  connosco e com as irmãs fomos com um enorme grupo da comunidade a uma caminhada até ao cimo do monte Gilé. Esta atividade em grupo, intensa e animada, terminou numa missa campal em que as senhoras cantaram uma música que não conhecíamos.

Semanas depois, as meninas cantaram esta mesma música namissa. Precisamente no mesmo tom (haverá certamente algumas com ouvido absoluto, ou com uma capacidade de gravação notável, embora não o saibam). Com uma harmonia e segundas vozesirrepreensíveis! Nessa noite, quando as aplaudi e elogiei, olharam para mim, incrédulas do meu entusiasmo. Primeiro até pensaram que estava a brincar. Depois fizeram aquele olhar de adolescente: "Duh! Está aí alguém?" E eu continuei embasbacada e embevecida...

?
 
P. S. - Claro que o baby-de-mulata sabe esta música. Continuamos no nosso trabalho de inculturação e exercícios africanos. Há tempos hesitei em cantar-lhe uma música em inglês porque se calhar "ainda era muito cedo". Depois lembrei-me que ele já canta em Macua...
20
Ago13

[welcome to mozambique] a música é a alma de um povo!

beijo de mulata


Já vos falei disto dezenas de vezes. Assistir a uma cerimónia ou uma celebração em Moçambique é coisa para nos deixar sem ar de tal forma os nossos sentidos são intensamente invadidos. Pelas cores vivas das capulanas das mulheres e das flores que dão vida ao espaço (onde nunca faltam os ubíquos beijos-de-mulata, que, como sabemos, nascem em qualquer degredo e se criam em qualquer chão!) e que parecem flutuar, suspensos nos fios que cruzam o espaço bem acima das nossas cabeças. Somos quase impercetivelmente inebriados pelo suave perfume das flores do frangipani que nos evoca o cheiro exótico da noite africana e pelo cheiro da terra, da erva, dos rios que correm próximo e das flores silvestres, a que se mistura o odor a corpos, que longe de ser desagradável, subitamente faz sentido naquela mescla de sensações que nos prende com toda a força à realidade!

E a música é arrebatadora! O ritmo quente dos batuques e a harmonia espontânea das várias vozes preenche-nos a mente e instiga-nos a dançar, nem que seja em fantasias, numa energia que nos sacode a alma. Tudo parece um milagre, de tão fácil e intuitivo que aparenta. Quase diríamos que não era possível haver quem cantasse ou tocasse assim sem nunca ter tido aulas de música. Mas várias vezes assisti ao prodígio de ensinar uma música às meninas que viviam com as irmãs e, à quarta ou quinta vez que a cantavam, já havia duas ou três que entoavam uma segunda voz, criada no momento, acrescentando à melodia cores e profundidades anteriormente insuspeitadas. São dons de quem, "desde a capulana de sua mãe"*, foi ensinado a que saber cantar e dançar é tão importante como saber falar ou ter boas maneiras em sociedade.

* Expressão equivalente a "desde o berço".

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