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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

29
Set12

[uma história de amor] e é quando o baby-de-mulata entra no blogue

beijo de mulata
Meus queridos amigos, tenho adizer-vos que vamos ter de regressar do mato para Lisboa durante uns tempos.É que este blogue é capaz de se transformar num familyblog dentro em breve...
Estive a pensar se haveria de vos falar doamor que me tem ocupado os dias e cheguei à conclusão que sim. Que tinha deser. Porque neste momento não tenho outro assunto. Vocês sabem que eu souaquela que fala, fala, fala, mas não fala sobre si própria. Conta muitashistórias, mas não conta história nenhuma de dentro de casa. Mas hoje, depoisde ter conhecido tantas pessoas que gentilmente me vieram e continuam a virvisitar ao mato, depois de tantas pessoas me terem dito que sabem a razão pelaqual não se deve passar por debaixo de um cajueiro se não se ouvirempassarinhos a cantar, acho que faz todo o sentido partilhar convosco a alegriaque tive!
A história começa há quasedez anos. As pessoas que me conhecem bem sabem que em tempos tive umquase-filho. Um menino moçambicano que conheci na Casa do Gaiato e que veiopara Portugal porque tinha um tumor no cérebro. Fui eu que tomei conta deleenquanto esteve em Portugal e foi até por causa dele que decidi ir paraPediatria, que antes nem sequer me tinha passado pela cabeça que pudesse teralgum jeito para crianças...

Depois de ele morrer, fiqueicom uma tristeza enorme. Mas, durante todos estes anos, tive a convicção, umpouco nas traseiras da mente, de que me haveria de voltar a cair um filho nosbraços... Acreditava que só tinha de olhar bem para todos os lados, para ver deonde é que ele podia vir, e agarrá-lo bem quando ele chegasse. Claro que tinhade ser um menino que mais ninguém quisesse. Há tanta gente a querer adotar,que não seria justo passar à frente de quem quer que fosse. Sempre imaginei queseria um menino africano... Mas, pronto, era um devaneio, não era nada emconcreto, não era um plano estruturado.

Pois... E sabem aquela coisa do "amor à primeira vista",em que eu nunca acreditei? Aconteceu... Foi por alturas da Páscoa, no meuhospital, num banco trocado com outra colega, em que fui chamada a umaenfermaria onde quase nunca entro... O baby-de-mulata,na altura com 11 meses, estava na sala das enfermeiras, sentado numa cadeirinhaa olhar para mim. Achei-o lindo! E era tão simpático, tão tranquilo ali sentadoa olhar para quem passava, já na altura com um ar meio gozão...

Perguntei quemera e o que tinha, o que fazia ali. E disseram-me que era um menino que tinhasido abandonado pela mãe à nascença e que tinha tudo para ser adotado, mas queprovavelmente nunca iria ter uma família que o quisesse porque tinha uma doençagrave e já tinha tido mil complicações. Operado várias vezes, internado desde odia em que nascera. Já tinha havido um casal, amigo dos pais de outra criançainternada naquela enfermaria, que se mostrara interessado, mas ele entretantotinha piorado novamente e o casal desistira. Que estava estável naquele momentoe que estava para ir para uma instituição, mas não tinha vaga ainda...

Perguntei-lhe: "Queres ir lá para casa? Tens vaga lá em casa!E mais dois meninos para brincar." E foi então que me caiu o que tinha dito.O meu coração disparou... "Será que é este?" E o baby continuava a sorrir-me.[Ah, a força que um sorriso pode ter!]

Tentei afastar aquela ideia impossível da minha cabeça. Tentei não me lembrar daquele sorriso. Não era o timing certo. Ainda não tinhauma vida definida, o meu futuro profissional estava cada vez mais umaincógnita... solteira... Tudo contra, portanto...

Mas ele não me saía dacabeça. Como é que eu podia deixar assim um menino sozinho? Não era o meumenino africano, é certo, mas seria justodiscriminar uma criança só porque era loira?, gracejava eu, de mim para comigo.

Perguntei à minha mãe o queela achava e ela respondeu-me que eu é que sabia, que me apoiariaincondicionalmente na minha decisão. Que também achava que não era o timing, mas eu é que sabia...Perguntei à minha amiga de infância, mãe de dois filhos, sensata e meiga e quepassou por um processo destes na primeira pessoa. E ela disse-me que ia ser umaexperiência muito dura e demasiado exigente para uma pessoa só, que pensasse bem.E que amadurecesse a ideia. Disse-me ainda que isto não podia ser uma"ideia brilhante", tinha de ser um projeto de vida! E aquilo que sequer é que uma ideia brilhante para um projeto de vida continue a ser uma ideiabrilhante para sempre.

Vacilei. Fiquei a mastigar aideia. Demorei a decidir-me. Mas em Maio, na despedida de solteira de uma amigaminha, já não aguentava mais. No jantar, por coincidência, estava umaenfermeira que trabalhava na enfermaria onde ele estava internado e disse-lheque andava a pensar em propor-me para adotar o baby-de-mulata.

Ela não me conhecia de ladonenhum, mas deu-me imensa força e foi ela que depois me deu os contactos docentro de acolhimento para onde ele foi e me disse o que fazer para ir até lá.Fui falar com a assistente social, que também me apoiou e explicou-me como éque podia dar início ao processo. Ainda demorei mais um bocado a decidir-me efui várias vezes visitar o menino à instituição para onde acabou por ir. E então lá me decidi.

Nofinal de Junho inscrevi-me na Santa Casa da Misericórdia para o adotar. Milcoisas para entregar, documentos, formações, entrevistas, questionários, umescrutínio da minha vida toda... Mas, felizmente (ou por milagre, já nem sei),elas perceberam rapidamente que o babynão ia mesmo ter mais ninguém e que era melhor apressarem o meu processo paraele não sofrer mais.

Meses depois recebi uma cartadizendo que tinha sido considerada apta como candidata à adoção do menino!Fiquei louca de alegria! O menino podia ter um atraso de desenvolvimento, umintestino que era um "molho de bróculos", outros problemas de váriasordens, mas era o meu menino! O meu baby-de-mulataentrava finalmente na minha história!
28
Set12

[vozes brancas* #77] as bandeiras da praia

beijo de mulata
Há tempos, na consulta, a mãe de um menino de quatro anos (lindo e querido até dizer basta!), perguntava se seria normal que o seu filho ainda não soubesse as cores.

- Não sabe as cores? Deve saber... Às vezes andamos preocupados com isso e depois descobrimos que são eles a brincar connosco. Afonso, de que cor é este lápis?
- É da cor do sol.
- Muito bem, lindo! E como se chama a cor do sol?
- Azul.
- Não, querido, é amarelo. E o polo do pai, de que cor é?
- É da cor da floresta.
- Hum... e de que cor é a floresta?
- É azul.
- Não, querido, é verde... Hum... mas foi assim que ele aprendeu na escola?
- Deve ter sido, não sei, ele agora mudou de escola e ainda não falei com a antiga educadora dele...
- Pois, deve ser isso. Ele vê bem e conhece as cores, só que não sabe os nomes que nós lhe damos.
- Mas no outro dia, na praia, ele disse: "Olha, mãe, está bandeira amarela." E estava mesmo!
- Ai sim, Afonso? Estava bandeira amarela?
- Sim, estava.
- E o que é que isso quer dizer?
- Quer dizer que não podemos brincar muito perto da toalha das outras pessoas.
- Ah, está bem. E se estiver bandeira encarnada?
- Quer dizer que não podemos pisar a toalha dos outros.
- Ah... mas e se estiver bandeira verde? Podemos?
- Não! Se estiver bandeira verde podemos ir nadar, não ficamos na toalha!

Ah, como a vida é simples!

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
23
Set12

[zambézia] a escola da aldeia

beijo de mulata


 
São estas as escolas das aldeias da missão do Gilé. Por vezes é atroz pensar nas condições em que estas crianças estudam... Mas chega a ser comovente quando percebemos que os estabelecimentos de ensino são construídas à força de braços dos próprios habitantes da aldeia, para que os seus filhos tenham onde aprender... E os professores?, perguntam vocês. Os professores são habitantes com mais estudos, vizinhos da mesma aldeia. Em vez de trabalharem na terra, toda a aldeia se organiza para lhe cuidar da machamba,* libertando-o para ensinar os filhos dos outros. São escolas comunitárias, uma ideia genial das irmãs...
(Gilé, Zambézia)
 
* Terreno de cultivo.?
19
Set12

[laços de família] irmãos de peito

beijo de mulata
 
Sim, é bom, muito bom ter irmãos! É bom ter tido um colinho de alguém só um pouco mais velho ou ter dado colo a alguém só um pouco mais novo! É bom podermo-nos comparar com outros sem medo de perder. É bom ter alguém completamente garantido. É maravilhoso ter tido a oportunidade de partilhar o mesmo banco, a mesma cama, o mesmo quarto.
Para a Maria Bê, à espera do seu "biscoito dourado" um grande beijinho. Vai valer a pena!
Imagem via Afritorial

14
Set12

[a força que um sorriso pode ter!] winnie the pooh na zambézia

beijo de mulata
 
Um menino com um sorriso delicioso brinca às casinhas num tronco de árvore, vestido com o que terá sido o pijama que deixou de servir a uma qualquer menina europeia. Na Zambézia ninguém conhece o Winnie the Pooh daquela camisola, e o que era adorno torna-se, para nós, apenas ironia. Para a criança nada disto importa. Só a árvore e a sua casinha de faz-de-conta.
(Gilé, Zambézia)

12
Set12

[a força que um sorriso pode ter!] amor à primeira vista...

beijo de mulata
Nestes últimos meses cheguei a uma conclusão brilhante. Sabem por que é que quase não existem romances em que acontece um grande amor à primeira vista? Não é porque eles não existam, ao contrário do que eu imaginava. É porque é tudo tão perfeito desde o princípio que não se consegue construir uma trama credível. Seria uma autêntica seca. No máximo consegue-se um conto dos pequeninos, mas sem qualquer densidade literária. (Suspiro)

E perguntam vocês: Tens a certeza de que foi mesmo à primeira vista, beijo-de-mulata? Tenho, respondo eu, tenho a certeza absoluta. Porque só o vi uma vez e a improbabilidade aconteceu. E depois o segredo foi acreditar com muita força que a vida é simples. E depois, beijo-de-mulata? E depois agarrei este amor com toda a energia que ele me deu.
10
Set12

[caderneta de cromos] as mulheres do técnico...

beijo de mulata
O meu irmão é um convicto engenheiro do Técnico. Um engenheiro que gostou de estudar no Técnico. E que ainda hoje se orgulha em ter sido do Técnico. Durante os seus tempos de faculdade levou a sério a vivência do espírito académico: não faltava a um arraial, fazia parte da associação de estudantes, inventava piadas sobre todo o tipo de pessoas e situações do IST, contribuía religiosamente para a ração do Nabunda, o rafeiro de estimação da associação de estudantes, que acabou por falecer no seu ano de finalista com um carcinoma do fígado, depois de mais de metade dos alunos se ter quotizado para lhe pagar os tratamentos de quimioterapia.

O meu pai também era então professor do Técnico (agora, felizmente, mudou de faculdade, que ao menos sempre se variam as piadas e os assuntos). Na altura ambos se divertiam com as piadolas do IST (por ex.: "Há vários tipos de mulheres: as mulheres bonitas, as assim-assim, as feias, as horríveis e as do Técnico!"). Ora, certa vez, o meu pai, grande defensor do estatuto da mulher e da igualdade de direitos e capacidades, comentou:

- O Técnico está a mudar. Já era tempo, realmente. Tenho uma turma do curso de Gestão e Engenharia Industrial que é só de mulheres.

E responde o meu irmão:
- Não, pai, estás enganado, não há nenhuma turma no Técnico que seja só de mulheres. E mesmo que houvesse, já tinha sido invadida por homens. Mas não há, tenho a certeza.
- Não, filho, tenho uma turma que é só de mulheres. Ou pelo menos maioritariamente, que nunca lá vi nenhum homem.
- Não, pai, não há turmas só de mulheres.

E o meu pai lá foi confirmar. Realmente estavam muitos homens inscritos naquela turma, mas nas aulas só havia invariavelmente mulheres. Até que o meu irmão desvendou o mistério: as aulas eram às 17:00. E às 17:00 os rapazes do Técnico estavam todos a ver o Dragon Ball.

E pronto. A Caderneta de Cromos do Nuno Markl vai acabar e eu estou triste. Um dos últimos cromos foi sobre o Dragon Ball e esta é a minha singela contribuição.

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