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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

21
Mai12

[vozes brancas* #67] os pitéus dos antípodas...

beijo de mulata
Hoje na consulta de uma menina de quatro anos, com uma asma de difícil controlo, uma rinite alérgica e hemorragia nasal recorrente... Os pais, jornalistas que correm mundo em filmagens sobre vida selvagem, acabados de chegar da Austrália e com o jet lag estampado a negro debaixo dos olhos, vinham preocupados porque a filha tinha sangrado do nariz várias vezes na sua ausência.

- E então, como estás hoje, Madalena?
- Estou boa!
- E tens-te portado bem?
- Sim... mas, os pais dizem que não, que eu estou sempre a portar-me mal.
- E com que é que os pais ralham? O que é que tu fazes?
- Ah, é que eu tenho muitos "australia pitéus" e depois sangro do nariz...
- Muitos quê, querida?
- Muitos "australia pitéus".
- Mas o que é isso, é para comer?
- Não, eu não como! - gritou.

Os pais, quase adormecidos, recostados nas cadeiras da consulta, assistiam à conversa sem interferir...

- Está bem, querida, mas o que é que veio da Austrália?
- Não, vêm do nariz! - com um ar de "Dah, esta não entende nada!"
- O que é que a Madalena tem no nariz? - pergunto por fim aos pais.
- Tem "macacos" no nariz, nós chamamos-lhes Austrolapitecos... está sempre com o dedo no nariz, e achamos que é por isso que ela sangra!

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
21
Mai12

[outras palavras] os leões e a tradição...

beijo de mulata



Leões da Gorongosa...
(Parque Nacional da Gorongosa, Sofala)


(continuando...)

Lembro-me a propósito desta acção e influência do sobrenatural e da superstição, de uma peça que anos atrás via constantemente na TV Moçambicana a propósito das eleições, em que um feiticeiro trajado a rigor, deitava búzios e exclamava admirado: -"Eh! Não sei quem vai ganhar!". Logo aparecia um jovem, sorridente e moderno, que comentava: -"Pois não! O voto é secreto!".

Alguns dias depois desta conversa, juntámo-nos aos caçadores de três aldeias para dar batida a uma leoa que rondara um povoado. Andámos toda a manhã, metidos num mato baixo que porém nos cobria, cerradíssimo e inçado de espinheiras. Eu, o Carona e o Arruéque armados de carabinas, os restantes de arcos, flechas e as suas machadinhas. Confesso que ao ver-me rodeado de arqueiros silenciosos que estudavam o solo, deslizando pela mata fechada, tive um arrepio, uma espécie de déjà vu, como se saltasse para dentro das páginas de um livro de aventuras da minha juventude. Não sei bem explicar, mas, quantos de nós já vivemos tal e tão magnífica sensação e privilégio?

A pista da leoa era difícil de seguir e progredíamos pouco. Ora se perdia num espesso tapete de folhas, ora reaparecia na areia uns metros à frente. O Arruéque e algum mais sabedor tinham de se aplicar para poderem achar rasto num terreno seco e duro, tapado de erva seca e folhas, onde a pata almofadada do felino pouco vestígio deixava. As paragens eram frequentes e reuniam-se confabulando em surdina. Até que numa paragem, o Arruéque que tinha estado sempre calado, só trocando curtas impressões com o patrão, tomou a palavra. Ele é muito respeitado, tanto como pisteiro e caçador como por ser uma espécie de padre-feiticeiro ou coisa parecida, o que nunca consegui apurar muito bem por serem muito reservados nestes seus assuntos. As suas palavras fizeram silêncio e provocaram uma breve reunião numa clareira. Os três chefes das aldeias falaram cada um por sua vez e os outros ouviram apenas, acenado com as cabeças como é costume. Logo se desmobilizou a companhia e a caçada terminou.

No regresso perguntei ao nosso companheiro e fiscal, representante da administração que nos acompanhava, o que se passara: Ele explicou-me que o Arruéque perguntara aos caçadores se eles tinham a certeza de que perseguiam uma leoa ou se seria uma das suas avós! Os chefes haviam decidido interromper a caçada e iriam discutir o assunto em sede própria, e longe de nós por suposto. Assim terminou aquela caçada ao leão.

(continua...)

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