A beber soro...
(Iapala, Nampula)
(continuando...)Ao fim do dia o menino jáestava melhor. Ainda não tinha forças para se sentar, mas começou a pedircomida e já tinha conseguido comer um pouco de arroz e feijão. Ia ser uma noitemais tranquila para mim.
Pouco dias depois, omenino estava pronto para ter alta. O avô veio ter comigo: “Irmã, menino estávivo, graças a Deus!” Eu estava, se possível, ainda mais grata. Estava felizporque tinha conseguido impedir que o único filho daquele casal morresse eporque tinha aprendido muita coisa com aquela família. Só agora, por fim,compreendia que o facto de o avô me ter dirigido a palavra e se ter disposto aexpor-me os seus pontos de vista, tinha sido afinal um momento raro eextraordinário. Mais do que um confronto, mais do que um pedido de explicações,mais do que o questionar do tratamento e dos meus métodos, o que ele me tinhavindo fazer tinha sido um voto de confiança. Foi assim que a irmã Lurdesinterpretou a conversa que depois lhe relatei. Ele fizera-o certamente e apenasporque tinha percebido que eu me interessara pelo neto e soubera que eu tinhaido visitar o menino várias vezes no dia anterior, até mesmo durante a noite, einsistido no tratamento. De outro modo teria fugido com a família assim que euvoltasse costas, sem me dar qualquer explicação e o menino teria morrido.
Nas semanas seguintespassou a ser muito mais fácil tratar as crianças com diarreia grave. Graçasàquele avô, eu tinha percebido alguns vícios de raciocínio enraizados nacultura macua e comecei a conseguir antecipar algumas dificuldades. E depois,havia um outro fator facilitador: é que as mães, quando entravam na enfermariaviam sempre uma ou outra mãe a dar soro aos filhos com um sorriso nos lábios ecertamente falavam umas com as outras, portanto, era muito mais fácilconvencê-las de que o soro não era “choro”, que as crianças choravam porquequeriam mais e que não era o soro que provocava a diarreia. Também nunca maishouve fugas durante a noite…