07
Mai12
[iapala] e as leis de murphy
beijo de mulata
(continuando...)
Olhei bem mais nofundo dos olhos daquela mamã e, tempos depois, também de outras mães comcrianças em agonia. Para lá da passividade, do olhar que parecia imperturbável,para lá do eterno sorriso, vi um desespero, uma amargura, um quase abandono.Claro que não podia ser indiferença! Perguntei-lhe:
– Quantos filhos tem,mamã?
– Quatro...
– E quantos estão vivos?
– Este só...
Que coração tãomaltratado... E o seu único filho, o seu “menino de ouro” em risco de morrerali mesmo, longe de casa… O seu olhar escurecia ainda mais de vez em quando. Mashavia que continuar. A batalha estava longe de estar ganha. Ele continuava comdiarreia a cada cinco ou dez minutos, sem sinais de abrandar. Eu parecia umabomba infusora, mas mais persistente do que eu era o menino que, apesar deprostrado, continuava a abrir a boca e a beber tudo o que eu lhe dava. Mas erahora da sesta. Tinha de o deixar descansar pelo menos uma hora, ou acabaria porficar exausto. Disse à mãe para o colocar ao peito para o adormecer e deixá-lodormir um pouco. Saí por um instante da enfermaria. Precisava de ir a casalevar os panos do menino para mandar o empregado lavá-los com água a ferver,não fosse alguma mulher mais diligente lembrar-se de os ir lavar ao rio…Encontrei a irmã Lurdes no caminho, que vinha visitar-me. Achou muito bem aminha iniciativa de impedir que os panos fossem lavados no rio.
– E como está o menino?
– Ainda… – respondi,sorrindo, com sotaque moçambicano.
– Mas nem sequer um poucomelhor?
– Hum… nem por isso…
– Bem, há que terpaciência, amiga, não desistas. Mas é estranho… já lhe deste antibiótico?
– Sim, ontem…
A Irmã Lurdes tinha razão.Ele já era para estar a melhorar, ou pelo menos era o que diziam os meuslivros… eu sei que os doentes não estudam por tratados de Medicina, mas que eraestranho lá isso… Pois… se calhar era preciso começar do início e rever o quepodia ter corrido mal. Sim, estamos em Moçambique e tudo o que puder correr malvai mesmo correr mal. As leis de Murphy podiam ter sido inventadas aqui. Poisé… lá terá que ser… Vamos a isso:
[Primeira lei de Murphy:se o aparelho não funciona, teste a tomada.]
– O enfermeiro ontem deumedicação ao menino? – pergunto à mãe.
– Sim, tomou. Ontem.
[Segunda lei de Murphy: semais do que uma coisa puder correr mal, correrão todas mal ao mesmo tempo.Hummm... Se calhar então tem mais qualquer coisa... Malária, por exemplo,embora o teste tenha sido negativo.]
– Ontem ou esta noite tevefebre?
– Nada, não teve.
– Tosse?
– Nada, não tosse.
– Queixou-se de algumador?
– Não.
[Terceira lei de Murphy:se duas coisas puderem potencialmente correr mal e você conseguiu evitar ambas,então ocorrerá invariavelmente uma terceira, muito mais complexa... Bem, tenhode ir ver o que se passa.]
(continua...)