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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

25
Abr12

[repost] porque o 25 de abril é todos os anos!

beijo de mulata



Era a noite de 24 para 25 de Abril. Corria o ano de 1974. O meu pai, então Alferes a cumprir o serviço militar obrigatório, ofereceu-se para ir buscar as armas ao paiol, uma vez que o capitão estava nervoso demais:


- Aqui só se entra com senha e contra-senha! - gritava o guarda do paiol completamente a leste do que se passava...
- Olhe, vai haver um golpe de estado. Vamos derrubar o governo - o meu pai é a calma em pessoa -, portanto, o senhor ou se põe às minhas ordens ou eu tenho de o mandar prender...
- Ah... então, se é assim, faça favor!

O que se passou em seguida... é História!

[Esta peripécia ficou só para a história lá de casa, mas a minha preferida é a do chaimite que ia à frente da coluna militar e parou na avenida porque o sinal estava vermelho...]

E agora, se me dão licença, vou voltar para a mesa para ouvir o meu pai contar pela trigésima vez a história desta noite decisiva...
23
Abr12

[as melhores do serviço de urgência] anatomias improváveis

beijo de mulata
Serviço de Urgência. Adolescente de 13 anos, com ar-de-quem-está-ali-porque-o-mundo-pode-acabar-dentro-de-três-horas-e-ela-tem-um-assunto-para-resolver, acompanhada por sua mãe, por sua vez com um ar-de-quem-está-ali-porque-o-mundo-pode-acabar-dentro-de-três-horas-e-a-filha-tem-um-assunto-para-resolver-e-ela-ainda-tem-de-ir-ali-a-um-sítio.

- Bom dia, então o que a traz cá?
- Doutora, a menina está com uma dor nas costas há três dias, que não a deixa dormir há três noites.
- E é a primeira vez que isso acontece?
- Não, ela já tem isto há muito tempo e está a ser seguida aqui nas consultas. O que me preocupa hoje é outra coisa...
- Então?
- Ela diz que sente uma demência das pontas dos dedos.
- Sentes o quê, querida?
- Não sinto bem as pontas dos dedos, estão dementes.
- Ah, estão dormente? Assim encortiçados?
- Isso...

(Uma doença nunca antes descrita, mas certamente gravíssima! Alzheimer da cabeça dos dedos.)
22
Abr12

[medicina tradicional] são tomé e fé em deus

beijo de mulata


(Espaço CACAU, Cidade de São Tomé)

Em São Tomé, num espaço muito respeitável, com exposição de arte africana e restauração de qualidade, vende-se licor de limão anunciando propriedades medicinais, para "tratamento da gripe e tosse". O licor de limão "Levanta Maria" adiciona até uma frase que lhe dá credibilidade farmacológica: "tem vitamina C"! Ninguém duvidará, pois, de que é um medicamento possivelmente eficaz e razoavelmente inócuo...

A seu lado, um segundo medicamento de composição não especificada, 15 vezes mais caro, anuncia-se próprio para "tratamento da SIDA, quistos do útero, cancros e demais moléstias", doenças que, como é de senso comum, são inegavelmente aparentadas e com uma fisiopatologia comum. Sobretudo as "demais moléstias", que como sabemos, são uma variante da SIDA e dos cancros, mas em bom...

Tem apenas um senão... é um medicamento difícil de tomar até ao fim, porque durante o período de tratamento não se pode comer carne, peixe, ovos, leite ou gorduras, sob pena de não funcionar. Mas, diz a empregada do estabelecimento, se se conseguir chegar ao fim do tratamento vivo, tem casos em que funciona...
21
Abr12

[as melhores do serviço de urgência] terçolhos

beijo de mulata
Serviço de Urgência. Na semana passada, uma menina de cinco anos com o olho num trambolho há mais de um mês:

- Que tratamento lhe tem feito, mãe?
- Tenho posto esta pomada que me deram na farmácia todos os dias, mas já lá vão cinco semanas e nada...
- E não tem aplicado compressas com água muito quente?
- Isso não! - grita a menina.
- Olha, meu amor, então quando vires um polícia tens de dizer: "Terçolho, mirolho, vai para aquele olho!"
- Já fiz isso... - muito infeliz - não resulta...
- Bem, querida, então é porque isso só lá vai mesmo com compressas com água muito quente. Vais ver que não custa nada!
- Pronto, está bem...

As coisas que a gente aprende com a Caderneta de Cromos... Oiçam, que é de morrer a rir!
21
Abr12

[vozes brancas* #65] anatomias improváveis...

beijo de mulata

Tenho uma amiga maravilhosa que está agora à espera do segundo filho... T., o filho mais velho de quatro anos, começa a intrigar-se com o estranho fenómeno que se desenrola dentro da barriga da mãe e que a faz mexer-se por dentro...

T. - Mãe, quando eu estava na tua barriga também dava muitos pontapés?
Mãe - Sim, filho, tu mexias-te muito! Eu percebi logo que ias gostar muito de jogar e correr atrás das bolas!
T. - Pois... sabes... eu estava a jogar futebol com a comida na tua barriga!

(A anatomia na cabeça das crianças é tão mais divertida!)

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
21
Abr12

[iapala] e a artemisa

beijo de mulata

A montanha mágica de Iapala...
(Iapala, Nampula)

(continuando...)

Nessa tarde, uma das irmãsveio chamar-me depois da sobremesa: “Venha tomar café aqui na varanda, que asmeninas querem conhecê-la.” Saí para a varanda que dava para o pátio, ondesessenta meninas me esperavam, todas juntas e com um sorriso. Cumprimentei-as,apresentei-me, disse quem era e ao que vinha. Elas continuavam num silêncioenvergonhado. Até que lhes perguntei: “E vocês, não se querem apresentar?”
Duas ou três começaramentão, casualmente, a entoar uma música simples mas lindíssima, cantada emMacua, que queria dizer apenas: “Bem-vinda, você é linda, queremos conhecê-la.” E aconteceu então aquele momento mágico que me deixou rendida àquelas meninas e a Iapala...
Recordo que foi nessatarde que, no meio das meninas, houve uma que de raspão me fez reparar nelaporque tinha uma face que me pareceu estranha. Uma face estranha mas ao mesmotempo estranhamente familiar... [Os cinzentões da Pediatria chamar-lhe-iam faciessindromática, mas eu não costumo ter dessas pretensões, muito menos no meioda savana, e portanto não lhe chamei nada. De qualquer modo naquele momentoestava demasiado ocupada a derreter-me com as danças, os cânticos e os batuquesde boas-vindas e a deslumbrar-me com a algazarra que sessenta adolescentesconseguiam fazer...] Ficou-me apenas uma estranha sensação nas traseiras damente.

Fui novamente ao hospitalmas, como naquele momento não havia mais nenhuma urgência, voltei para casapara saber se alguém queria ir comigo dar um passeio de reconhecimento nosbairros das redondezas. Precisava de compreender, pelo menos de relance, ascondições de vida das pessoas que acorriam ao hospital e os nomes dos bairrosmais próximos. Por coincidência, uma das meninas que se ofereceu para meacompanhar era a mesma que me tinha chamado a atenção pouco tempo antes e, àsegunda vez que olhei melhor para ela, percebi o que era que ela tinha deespecial: um pescoço largo com uma espécie de "asas", um troncotambém largo e uma face um pouco grosseira. Olhei para o peito dela e percebiuma total ausência de volume sob a blusa. Tinha Síndrome de Turner, de certeza.[Para quem não está familiarizado com doenças genéticas, posso explicar que elaera menina, mas tinha nascido sem um dos cromossomas X.]

Aproveitei para meterconversa:
– Como te chamas?
– Artemisa, tia P.
– Que nome tão bonito. É onome de uma planta medicinal, sabias?
– Sabia, sim, as irmãs jáme tinham dito.
– E sabes que remédio sepode fazer com ela?
– Remédio para a malária.
– Isso mesmo! E em queclasse estás na escola?
– Estou na décimaprimeira.
– Ah, muito bem. E quantosanos tens?
– Tenho vinte.
– Olha... e diz-me umacoisa, já és menstruada?
– Não, tia P. – oseu olhar, subitamente infeliz, fez-me perceber a minha horrível falta de tacto–, ainda não... 

Calei-me durante um bocadoe tentei desviar a conversa, enquanto me sentia culpada por ter recordado assimde chofre àquela menina, ainda para mais em frente da sua amiga, que ela aindanão era mulher. E enquanto prosseguia a conversa sobre o dia a dia na escola,fui fazendo, angustiada, um filme sobre a desgraça que se abateria sobre aquelajovem. 
19
Abr12

[iapala] as meninas das irmãs

beijo de mulata

(continuando...)
  
Em Iapala elas eram"as meninas das irmãs". Tinham uma cama, comida todos os dias, águanas torneiras, luz dentro de casa, livros e cadernos para estudar. Nuncaiam ao hospital sozinhas e portanto, sob os mil olhos atentos das irmãs, eramsempre bem atendidas. Na escola os professores pensavam sempre duas vezes antesde lhes pedirem subornos ou favores sexuais porque sabiam muito bem no quese estavam a meter… em tudo o que tivesse a ver com as suas meninas, as irmãseram umas autênticas leoas. Defendiam-nas com unhas e dentes e,portanto, se fossem descobertos, os professores corriam o riscode perder o emprego e já não seriam os primeiros a ir para a prisão.

Mas se fora de casaeram protegidas pelas irmãs e pela sua reputação de leoas, dentro de casaestavam longe de serem tratadas nas palminhas. Como quaisquer adolescentesque se prezem davam água pela barba a quem as acompanhava! Ansiedades,angústias, dúvidas, namorados, doenças – verdadeiras ou imaginadas –, saudadesde casa, intrigas com as amigas, todas as noites aquela casa era umaanimação. Uma telenovela das antigas. Um dia a dia bem diferente da Casado Gaiato, pautado mais pelas brigas e disputas com que os meninos extravasavama sua agressividade e as energias. Tão diferentes os rapazes das meninas… Mastambém, tal como na Casa do Gaiato, eram aqueles os melhores momentos, osque passávamos sentadas na varanda, ao fim do dia, olhando a lua que subia sobreo monte Iapala, as queimadas a arder aqui e ali, a tentar impingir umas àsoutras o cão mais chato à face da terra, permanentemente a roçar-se em nós e apedir festinhas. As meninas vinham ter comigo e por lá ficávamos, lado alado, a namorar a noite e a conversar, todas com a difícil tarefa detentar compreender o mundo e crescer dentro dele...
  

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