Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

08
Abr12

[histórias do fim do mundo] o fogo novo!

beijo de mulata
Já vos contei esta história. Hojo conto-a de novo. Porque vale a pena! É o relato da vigília Pascal em Murrupula, Moçambique contado na primeira pessoa pela minha amiga V. Deliciem-se!


Quando a noite cai, o teu amor é como um fogo!
(Murrupula, Moçambique)


"Salama owani? Miyo salama! [Estão todos bem em casa? Eu estou bem!]

Acabo de chegar de Murrupula, da missão, onde passei estes dias da Páscoa e gostaria de partilhar convosco a noite mais mágica da minha vida, que passei ao lado da minha família africana, o Pe. Jacob, o Irmão Tobias, o Irmão Rui, nove seminaristas, os vinte e três rapazes órfãos que vivem no lar da Missão, o cozinheiro Rosário (o homem que nos mantém a todos vivos), várias dezenas de trabalhadores das machambas da Missão, carpinteiros, guardadores de vacas e ovelhas, a minha grande amiga Eugénia... e o Tejo e o Tajo, que são, certamente, os dois macacos mais mimados do mundo!

Aqui a Páscoa é vivida de uma forma muito diferente da que eu estou habituada a viver em Portugal, no meu Alentejo. Não são só os sabores, os cheiros, as cores, as cerimónias, os cânticos, a espiritualidade… mas passa por outra forma de encarar a paixão, a morte e a ressurreição.

Tinha ouvido falar da magia que se vive durante as cerimónias da Páscoa mas vivenciá-la aqui e ao vivo tem outro sabor. A Páscoa para mim já tinha começado na tarde de Sexta-feira Santa, na vila, onde foi encenada a Via Sacra pelos seminaristas, pelo grupo de jovens e pelos rapazes do lar da Missão. À noite, depois da comemoração muito simples do aniversário da Eugénia, os futuros baptizados que já tinham chegado à missão, “apagaram o fogo velho”. Formaram uma fila, cada um com um pedaço de lenha com uma ponta a arder e foram apagá-la numa taça feita de barro com água. Isto é interpretado como um apagar dos pecados, para um início de vida nova. Uma vida que iria começar na noite seguinte.

Após o jantar e todos os preparativos que ocuparam todo o dia, os futuros baptizados e os futuros noivos, os padrinhos e familiares e os restantes membros das comunidades reuniram-se junto da igreja para assistir ao “acender do fogo novo”. E a magia de que alguém me tinha falado começou...

Tentem imaginar uma roda de pessoas, tendo no meio uma enorme pilha de madeira preparada à espera do “fogo novo” e uns grupinhos de cinco homens e três mulheres (eu também fui, incentivada pelo Pe. Jacob e movida pela minha curiosidade) de cócoras, junto de dois pedaços de madeira que cada um sem cessar e rotativamente ia friccionando para manualmente “fazer o fogo”. Todos na roda humana esperavam este “nascimento” para acender o círio pascal e assim iniciar as cerimónias pascais deste ano.

Para quem está habituado a estas andanças, diz que desta vez a pequena brasa, que se formou do trabalho conjunto de sete pessoas, nasceu rapidamente... E a pequena brasa, celebrada com gritos de espanto e de júbilo, foi aninhada com todo o cuidado em “raspas” de madeira e depois de bem “pegada” e forte, foi queimar a fogueira que ali estava à sua espera.

De pequena, a fogueira cresceu para dar lugar a um fogo vivo, para contentamento, cânticos, palmas e alarido de todos. O círio pascal foi aceso a partir deste “fogo novo”, iluminando o caminho até ao altar da igreja. Este deu a sua luz, em conjunto, com as velas, e foi com esta luz que se realizaram os 97 baptismos de adultos e os 56 casamentos (!), que ali aconteceram nessa noite. Para receber o baptismo tinham uma tina de latão e uma cabaça que serviram de pia e “concha” baptismal, mas num local onde nem luz eléctrica ainda há, estas condições não incomodam o povo, que se encontrava ávido pela presença de Deus em sua vidas. É curioso observar a fé e a persistência deste povo, quando pensamos que muitos vieram de muito longe, andaram muitos quilómetros a pé para estar nesta noite e nesta igreja para receber o seu baptismo ou matrimónio, para assinalar a ressurreição do Senhor, de uma forma tão bonita.

A missa prolongou-se por mais de cinco horas mas, para a maioria dos que estavam presentes, passou bem depressa, entre cânticos, leituras e muita alegria pela celebração que se estava a realizar, e no final da missa, com todos sentados cá fora em silêncio, o nascer do sol sobre o monte deixou-nos de lágrimas nos olhos."

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2016
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2015
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2014
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2013
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2012
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2011
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2010
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub