Irmãos...
A
história do Lázaro, o nosso menino angolano internado há 138 dias por uma aplasia medular*, continua e está para durar... uma novela quase sinistra, macabra, com contornos kafkianos. Aliás, se Kafka tivesse nascido em Angola, "O Processo" não seria uma ficção delirante. Tinha escrito um diário e provavelmente nunca lhe teria passado pela cabeça que publicar cenas banais do dia-a-dia lhe pudesse granjear reconhecimento literário... E não teria morrido aos quarenta. Tinha morrido de tédio dez anos antes. Não, não é sarcasmo. É o desespero de quem espera mas não tem tempo para esperar!
O Lázaro tem muitos irmãos em Angola e, por isso, logo nos primeiros dias pedimos que nos enviassem sangue de toda a família para fazer um estudo de compatibilidade para o transplante de medula óssea. Essa parte foi fácil. Colheu-se uma amostra de sangue a cada membro da família. Os sangues chegaram por correio em boas condições, tiparam-se, fizeram-se os estudos. Alguns irmãos tinham vírus incuráveis, outros eram incompatíveis, outros eram compatíveis mas tinham outras doenças de sangue... Por fim, no meio daquela enorme família metida dentro de tubos, lado a lado, num saco-cama de papel de correios, havia um irmão, o Lito, que não tinha doenças de sangue, não tinha vírus... e era compatível!
E podia ter terminado aí o pesadelo. Mas estava só a começar... O mano Lito (Julito?, Manelito?, Joselito?) não estava registado, e portanto não podia vir rapidamente para Portugal salvar o irmão. Em pleno século XXI há crianças que continuam a nascer sem que ninguém dê por elas! É também por isto que continua a haver raptos de crianças para tráfico de órgãos, para escravatura, para a guerrilha... Desaparecem e é como se nunca tivessem existido. Registar o Lito (afinal Alexandre) foi uma aventura, um calvário a que ficámos a assistir, impotentes, deste lado do mundo...
[É por isso que as Irmãs com quem eu colaboro em Nampula, assim
que uma criança é apadrinhada por elas, a primeira coisa que fazem é registá-la, bem como aos irmãos e a toda a família. Desde 2004 que fazem isso e desde 2005 que não há raptos naquele bairro!]
(continua...)* A medula óssea do menino, por qualquer razão que desconhecemos, resolveu "apagar-se" e deixar de produzir sangue.