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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

10
Fev12

[histórias da zambézia] a vida para lá da morte...

beijo de mulata

Quelimane...
Foto daqui.

Com a devida vénia à Graça Pereira, autora do blogue Zambeziana, que não me deixa sentir sozinha neste mato e nestas coisas da saudade das terras mais africanas de Moçambique, aqui vos deixo uma história fantástica, magistralmente contada por ela.

Segundo o pai da Graça, esta história passou-se em Quelimane, presumo que há mais de cinquenta anos. E se non è vero, è ben trovato:

"O estrondo ecoou pela rua toda e pelas circundantes. O homem entrou a uma velocidade louca pelo muro da quinta pensando que seria a continuação da estrada.

Quem passava a pé, à procura de algum fresco depois de um dia demasiado quente e abafado, estacou e disse:
- Nem a alma se lhe aproveita! Está morto!
- Está de certeza – afirmou outro.

Dois ou três carros pararam em fila indiana e foram espreitar. O homem todo ensanguentado estava com o rosto deitado sobre o volante, com os olhos semicerrados.
- Não há nada a fazer… - disseram.
- Pois não, mas temos de chamar a polícia – disse outro.

Numa cidade ronceira, extremamente calma onde quase nada acontecia, a polícia tardou em chegar. A autoridade tirou um cigarro do maço, acendeu-o e deitou uma baforada.
Chegou junto da janela do carro sinistrado, olhou atentamente e afirmou:
- Não há dúvida, ele morreu.
Chamou dois homens negros que passavam e pediu-lhes:
- Tirem o morto daqui, dispam-no e levem-no para a morgue que eu vou do outro lado, ao hospital, chamar o médico e pedir que abram a casa mortuária.


Os negros obedeceram. Quando chegaram à morgue a porta já estava aberta. Colocaram o morto já sem roupa em cima da eça mais fria que a própria morte. O médico chegou, pôs dois dedos nas carótidas e confirmou:
- Está morto, vou passar-lhe o óbito.

Entretanto chamou um servente negro e recomendou-lhe:
- Você fica aqui a tomar conta dele.

O servente arregalou os olhos e perguntou:
- Está morto?
- Claro – respondeu o médico.

O servente abriu mais as portas da morgue a ver se entrava algum ar fresco naquela noite maluca. Um lampião da rua com luz muito frouxa deitava um raiozinho para dentro do cubículo e assim o servente podia vigiar melhor o morto.

O calor aumentava e produzia-lhe uma terrível sonolência. Esticou-se no banco de pedra e com um olho fechado e outro aberto como o camaleão, olhava o morto. Não resistiu e acabou por adormecer. A altas horas da madrugada acordou com uns gemidos. Sentou-se rápido no banco e esfregou os olhos. Os gemidos continuavam. Aproximou-se devagarinho da eça e pôs o ouvido no peito do morto. Este abriu os olhos e perguntou:
- Aonde estou?
- Na morgue, patrão.

De um salto sentou-se e reparou que estava nu. Deitou uma perna para fora da eça mas o servente empurrou enérgico:
- Deita patrão, tu está morto. O doutor vai ralhar comigo.
- Qual morto, qual carapuça, estou vivo! - e desata a correr pela rua mal iluminada.
O servente na sua peugada, gritava:
- Por favor, patrão, volta outra vez, tu está morto.

O homem chegou à porta da sua casa e tocou a campainha. A mulher ainda não se havia deitado, preocupada com a demora do marido. Abriu lesta a porta e viu o marido todo ensanguentado, nu e uma cara negra pendurada no seu ombro que gritava:

- Patrão morreu!
A mulher caiu redonda no chão."

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