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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

28
Nov11

[vozes brancas* #55] ...e o sono que teima em não chegar

beijo de mulata
Um amigo meu e a sua filha de dois anos e meio, que bocejava, bocejava, esfregava o nariz, cambaleava, mas pertinazmente - ou não tivesse precisamente dois anos e meio - lutava contra o sono para brincar mais um bocadinho com a sua cozinha, os seus tachos, os seus tupperwares e as suas panelas. Escusado será dizer que a sua cozinha, os seus tachos, os seus tupperwares e as suas panelas eram precisamente a cozinha, os tachos e etc. do resto da família, que isto de se ter dois anos e meio faz com que as cores do mundo real exerçam um fascínio muito mais irresistível do que os brinquedos...

E o meu amigo perguntava-lhe, também já ele bocejando:
- M., meu amor, não tens soninho?
- Hum...
- M., estás a abrir a boca tantas vezes e já estás quase deitada...
- Sim, tem sono...
- Então vamos dormir?
- Nããão...
- Mas tu tens sono, estás aí a abrir a boca tantas vezes...
- Mas a M. só tem sono na boca, não tem sono nos olhinhos...

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
28
Nov11

[welcome to mozambique] a barbearia alvalade xxi

beijo de mulata


E a propósito da história que se vai passando (e já vai longa) por este mato adentro e a propósito do derby de sábado passado, queria comentar convosco que a casa do Sr. Cachimbo em Nampula era mesmo em frente à já sobejamente conhecida Barbearia Alvalade XXI...

E queria também dizer-vos que há actualmente um movimento absolutamente hilariante, com inscritos no facebook e na blogosfera nacional que, caso o Sporting Clube de Portugal seja - com a graça de Nossa Senhora de Fátima - sagrado campeão a 13 de Maio, têm como intenção ir aparar cabelo e/ou barba a esta mesma barbearia! Eu sou uma das inscritas e as saudades são tantas que tenciono cumprir o prometido, mesmo que não sejamos campeões. E, tal como a AL, apenas não prometo fazer a barba!
28
Nov11

[continua a saga da inês e do sr. rafael] lepra e delirium tremens, isto não está fácil...

beijo de mulata
(...continuando a história que começou aqui...)

“Bonito!”, ironizei comigo própria. “Está um pobre homem aqui ao pé de ti em perigo de vida e tu nem ponderas levá-lo para o hospital, só te ocorre mandar chamar o rapaz que te fez bater o coração há dois dias… Isto está bonito, sim, senhora!”

– Mas tem razão, acho que nem sequer conseguíamos levá-lo para o hospital. Ele é tão pesado... Acha que o consegue tratar aqui?
– Sim, se ele não tiver malária e conseguir engolir água acho que sim, Irmã… Tenho ali tranquilizantes e tudo o resto que é preciso. E duvido que no Hospital Central saibam tratar um delirium tremens
– Pois, é melhor ele ficar aqui, então… O Sr. Rafael é um homem muito bom. Durante a guerra andou sempre connosco. Apesar dos perigos de andar na estrada, ele era incansável, defendeu-nos sempre, nunca houve dia nenhum em que saíssemos com o carro que ele não nos acompanhasse, às vezes até doente.
– Sim, é um homem muito bom, também já percebi isso.
– Uma vez ele estava com malária, mesmo no meio de uma crise, a tremer de frio e cheio de dores, quando caímos num buraco e furámos um pneu…
– Ui… Déjà vu
– Pois… Mas precisamente à frente desse buraco estava uma mina. Foi por Deus que não passámos por cima dela.
– Credo!
– E foi ele quem se levantou e nos foi ajudar a sair do buraco e trocar o pneu. Nem sei como é que ele teve coragem de fazer aquilo tudo a tremer com uma crise de paludismo a dois ou três centímetros da mina… Foi mesmo por um triz que não morremos todas. Ele conseguia fazer aquilo de olhos fechados. Se não fosse ele já nenhuma de nós estava aqui para contar estas histórias. E foram muitas vezes mesmo. É o mínimo que podemos fazer por ele…
– Parece que o estou a ver. Ainda hoje ele tem essa capacidade de se compor e entrar em ação quando é necessário. À vinda para cá fez precisamente o mesmo, mas estava alcoolizado, não estava com malária… Bem, temos de o despir e arrefecer.
– Sim, vamos a isso. Mas o que terá acontecido para ter isto agora? Ele já bebe há tanto tempo…
– Ele ontem de manhã disse-me que ia deixar de beber… Estava muito envergonhado pela figura que fez durante a viagem. E pelos vistos tentou cumprir…
– Sabe, nós já vimos isto acontecer muitas vezes. O alcoolismo é uma praga aqui em Moçambique. E o povo também conhece bem o delirium tremens. Sabem que mata mesmo. Mas acham que os bichos que eles vêem nas alucinações são os antepassados da família enfurecidos com qualquer coisa. E motivos para os espíritos se zangarem nunca faltam, claro, basta pensar um pouco e encontram logo duas ou três situações em que se quebraram tabus.
– Pois, ainda hoje o tio da Inês…
– Ah, é verdade, como é que correu a conversa com o tio?

As Irmãs iam-me ajudando a despir e a arrefecer o Sr. Rafael com toalhas molhadas.

– Parece-me que correu bem. Mas pode ser só impressão minha. Vamos ver se ele faz mesmo aquilo que disse, que já percebi que as pessoas aqui são muito de resistência passiva. Dizem sempre que sim e depois só fazem o que querem.
– Pois, é mesmo isso. Mas o que foi que ele disse?
– Disse que achava que a Inês tinha lepra…
– Ai, pobrezinhos… Sabe, aqui a lepra é uma humilhação que se estende à família inteira. A maior parte das vezes, quando alguém fica a saber, a vida das pessoas fica destroçada. Não admira que a tenham tentado esconder…
– Mas eles não sabem que a lepra tem cura?
– Claro que não! Para eles nem sequer é uma doença. Para eles é um castigo que vem dos antepassados.
– Começo a ficar cansada desta “tradição”!
– Então nós que já cá estamos há tantos anos… nem nos diga nada. Mas temos de respeitar. E temos de os compreender. Isto é uma outra religião completamente diferente. Não estamos aqui para impor nada, só queremos ajudar as pessoas.

(continua...)

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