23
Nov11
[à procura da inês] finalmente no bom caminho...
beijo de mulata
(... continuando a história que começou aqui...)
Aviso: Ainda não é desta que encontramos a Inês. Em contrapartida, neste post aprende-se uma técnica infalível para engatar um homem macua*. E ensinada por uma freira de 70 anos com décadas de experiência em África! A não perder... Ou melhor, a não perder se forem meninas solteiras, casadoiras e com um homem macua em vista. De outro modo podem ir dar mais uma voltinha por aí, que quando encontrarmos a Inês eu aviso.
No final do lanche apareceu o Sr. Soares da EDM**, que tinha levado a minha mensagem à Irmã Lurdes em Iapala***. Não o esperava de todo, sobretudo tão cedo. Contava pedir ao guarda para ir procurá-lo à EDM no dia seguinte, mas só por descargo de consciência. As perguntas que eu tinha feito à Irmã Lurdes estavam a anos-luz do que agora já sabia e das angústias que teria gostado de partilhar. Eu tinha-lhe apenas perguntado se ela tinha a certeza de que era no Centro de Saúde 25 de Setembro que a mãe da Inês trabalhava e contava-lhe a conversa com o técnico de farmácia.
Não sei como foi que a partir daquela mensagem a Irmã Lurdes intuiu, com toda a certeza, aquilo que me tinha levado mais de 24 horas de esforço e desgaste a compreender. Respondeu-me que certamente havia um problema muito grave e que, para a mãe ter deixado de trabalhar, era porque a família tinha vergonha da situação e ia escondê-la a todo o custo. Que não valia a pena ir procurar a mãe ou o pai porque eles nunca me diriam o que se passava. Só o “tio grande”, o irmão mais velho da mãe, o verdadeiro responsável pela protecção da criança e pela tomada de decisões importantes, poderia desbloquear a situação e dar autorização para que eu a visse e a pudesse tratar.
Que fosse sozinha ter com ele ao local de trabalho, uma fábrica de móveis onde era estofador. Que fosse com tempo, que dissesse que tinha de falar com ele e o convidasse a sentar-se comigo. Aconselhava-me a levar uma garrafa de cerveja gelada e, quando estivesse sentada, a tirasse casualmente da carteira e lha oferecesse. Que apenas então dissesse ao que vinha. Uma vez sentados com uma senhora, os homens macuas só se levantam se ela se levantar primeiro ou se ela lhes der autorização. São muito poucos os que conseguem quebrar esta regra de ouro da boa educação que lhes é incutida desde meninos. E uma cerveja na mão seria mais uma garantia de que o senhor seria “bem educado”… Que lhe falasse com o coração e lhe dissesse que queria mesmo fazer alguma coisa pela menina. Que era preciso ter paciência, mas que estava no bom caminho.
E pronto, lá ia eu outra vez. Uma vergonha tinha-me invadido ao ler a carta. Nesta altura do campeonato já era mais do que suposto ter-me ocorrido precisamente perguntar pelo “tio grande” da menina, o irmão mais velho da mãe, mas desgraçadamente, mais uma vez constatava que ainda não tinha interiorizado a cultura macua e a organização matrilinear da sociedade. Mas até mesmo o Vicente, a viver em Nampula há mais de seis meses, não se tinha lembrado disso. Pelo contrário, ainda funcionava raciocinando como se estivesse na sociedade patriarcal do Sul, em que o pai é que tem a decisão sobre os destinos dos filhos e da família. Mas, caramba, bem que aquela estadia em Nampula podia estar a ser menos difícil!
Fui ter com o tio da Inês nessa mesma tarde. Uma das Irmãs ofereceu-se para me acompanhar até lá para me indicar o caminho, para não termos de acordar o guarda mais uma vez. Ele ia entrar ao trabalho dentro de poucas horas e já me devia andar a rogar pragas… Fizemos um desvio para ir ao supermercado comprar cerveja, que era coisa que não existia em casa das Irmãs [só havia o licor de pêssego feito por elas, famosíssimo em toda a província, mas não era a mesma coisa...]. Estacionámos no mesmo sítio onde eu e o Sr. Revenda tínhamos estado no dia anterior. Uma voz de criança bem disposta:
– Mamã, lembra di mim? Sou Gabriel, o chefe dos ladrões. Posso ficar a guardar o carro?
Impagável, aquele miúdo! Mas não lhe podia dar confiança…
– Não, obrigada, nós não precisamos.
Quase tremia só de pensar que ia enfrentar o “tio grande” da Inês. Que mais me iria acontecer desta vez?
* Macua - Grupo étnico que habita as Províncias de Nampula, Zambézia, Niassa e Cabo Delgado; a sua língua. Definição daqui.
** EDM - Electricidade de Moçambique.
*** Iapala não tinha rede de telemóvel, lembram-se? As mensagens tinham de ir transportadas em mão por portadores de confiança.
(continua...)
Aviso: Ainda não é desta que encontramos a Inês. Em contrapartida, neste post aprende-se uma técnica infalível para engatar um homem macua*. E ensinada por uma freira de 70 anos com décadas de experiência em África! A não perder... Ou melhor, a não perder se forem meninas solteiras, casadoiras e com um homem macua em vista. De outro modo podem ir dar mais uma voltinha por aí, que quando encontrarmos a Inês eu aviso.
No final do lanche apareceu o Sr. Soares da EDM**, que tinha levado a minha mensagem à Irmã Lurdes em Iapala***. Não o esperava de todo, sobretudo tão cedo. Contava pedir ao guarda para ir procurá-lo à EDM no dia seguinte, mas só por descargo de consciência. As perguntas que eu tinha feito à Irmã Lurdes estavam a anos-luz do que agora já sabia e das angústias que teria gostado de partilhar. Eu tinha-lhe apenas perguntado se ela tinha a certeza de que era no Centro de Saúde 25 de Setembro que a mãe da Inês trabalhava e contava-lhe a conversa com o técnico de farmácia.
Não sei como foi que a partir daquela mensagem a Irmã Lurdes intuiu, com toda a certeza, aquilo que me tinha levado mais de 24 horas de esforço e desgaste a compreender. Respondeu-me que certamente havia um problema muito grave e que, para a mãe ter deixado de trabalhar, era porque a família tinha vergonha da situação e ia escondê-la a todo o custo. Que não valia a pena ir procurar a mãe ou o pai porque eles nunca me diriam o que se passava. Só o “tio grande”, o irmão mais velho da mãe, o verdadeiro responsável pela protecção da criança e pela tomada de decisões importantes, poderia desbloquear a situação e dar autorização para que eu a visse e a pudesse tratar.
Que fosse sozinha ter com ele ao local de trabalho, uma fábrica de móveis onde era estofador. Que fosse com tempo, que dissesse que tinha de falar com ele e o convidasse a sentar-se comigo. Aconselhava-me a levar uma garrafa de cerveja gelada e, quando estivesse sentada, a tirasse casualmente da carteira e lha oferecesse. Que apenas então dissesse ao que vinha. Uma vez sentados com uma senhora, os homens macuas só se levantam se ela se levantar primeiro ou se ela lhes der autorização. São muito poucos os que conseguem quebrar esta regra de ouro da boa educação que lhes é incutida desde meninos. E uma cerveja na mão seria mais uma garantia de que o senhor seria “bem educado”… Que lhe falasse com o coração e lhe dissesse que queria mesmo fazer alguma coisa pela menina. Que era preciso ter paciência, mas que estava no bom caminho.
E pronto, lá ia eu outra vez. Uma vergonha tinha-me invadido ao ler a carta. Nesta altura do campeonato já era mais do que suposto ter-me ocorrido precisamente perguntar pelo “tio grande” da menina, o irmão mais velho da mãe, mas desgraçadamente, mais uma vez constatava que ainda não tinha interiorizado a cultura macua e a organização matrilinear da sociedade. Mas até mesmo o Vicente, a viver em Nampula há mais de seis meses, não se tinha lembrado disso. Pelo contrário, ainda funcionava raciocinando como se estivesse na sociedade patriarcal do Sul, em que o pai é que tem a decisão sobre os destinos dos filhos e da família. Mas, caramba, bem que aquela estadia em Nampula podia estar a ser menos difícil!
Fui ter com o tio da Inês nessa mesma tarde. Uma das Irmãs ofereceu-se para me acompanhar até lá para me indicar o caminho, para não termos de acordar o guarda mais uma vez. Ele ia entrar ao trabalho dentro de poucas horas e já me devia andar a rogar pragas… Fizemos um desvio para ir ao supermercado comprar cerveja, que era coisa que não existia em casa das Irmãs [só havia o licor de pêssego feito por elas, famosíssimo em toda a província, mas não era a mesma coisa...]. Estacionámos no mesmo sítio onde eu e o Sr. Revenda tínhamos estado no dia anterior. Uma voz de criança bem disposta:
– Mamã, lembra di mim? Sou Gabriel, o chefe dos ladrões. Posso ficar a guardar o carro?
Impagável, aquele miúdo! Mas não lhe podia dar confiança…
– Não, obrigada, nós não precisamos.
Quase tremia só de pensar que ia enfrentar o “tio grande” da Inês. Que mais me iria acontecer desta vez?
* Macua - Grupo étnico que habita as Províncias de Nampula, Zambézia, Niassa e Cabo Delgado; a sua língua. Definição daqui.
** EDM - Electricidade de Moçambique.
*** Iapala não tinha rede de telemóvel, lembram-se? As mensagens tinham de ir transportadas em mão por portadores de confiança.
(continua...)