17
Nov11
[à procura da inês] bem... nunca ninguém disse que era fácil...
beijo de mulata
(continuando a história que começou aqui...)
Será que havia alguma desgraça, de facto, por detrás daquela animosidade toda e do olhar assustado com que o técnico de farmácia fugira para o armazém da segunda vez?
Apetecia-me falar sobre o assunto ao Sr. Revenda, que talvez me pudesse ajudar a chegar a uma conclusão, mas desisti rapidamente… Adormecia a cada frase minha e tinha de voltar sempre ao início da conversa porque ele integrava as minhas perguntas no sonho de cada vez que adormecia e esquecia-se que me tinha de indicar o caminho. [Não faltaria quem comentasse agora que “os homens são iguais em todo o mundo, só conseguem fazer uma coisa de cada vez e, se lhes pedem para fazer duas, desformatam tudo no mesmo momento”… Mas ele já estava a fazer duas coisas suficientemente incompatíveis desde o início: dormir e indicar-me o caminho naquela cidade meio labiríntica.] Já seria suplício bastante ter de estar comigo no carro em vez de na cama a dormir, depois de uma noite inteira acordado a guardar a casa. E provavelmente só mesmo a Irmã Lurdes me conseguiria ajudar…
Era hora de almoço, o cansaço do dia anterior começava a pesar mas, depois de comer qualquer coisa à pressa, ainda consegui mandar consertar o pneu e fazer mais compras antes da hora da missa. Fui a casa tomar duche, arranjei-me em tempo record mas ainda assim fui a última a sair de casa. As Irmãs já tinham seguido para a Igreja da Santa Cruz, que ficava na rua contígua. Anoitecera e a rua, quase sem iluminação, ficava sempre com um aspecto sinistro e desolador, inundada de lixo e de lama que desafiavam ironicamente o aviso pomposo numa parede onde se lia: “Proibido deitar lixo e mijar”. Uma sujidade que se me pegava aos sapatos e se me entranhava no estado de espírito. Só o quarteirão das Irmãs escapava daquele mar de lixo porque elas tinham construído canteiros de flores, de que cuidavam amorosamente. E as pessoas, por pior sentido cívico que tenham, não deitam lixo sobre flores. Os canteiros eram vandalizados uma a duas vezes por mês mas, teimosamente, as Irmãs voltavam a plantar flores no dia seguinte, tornando o seu quarteirão num oásis no meio do lixo do bairro.
Do outro lado da rua, um jovem tinha parado ao ver-me sair de casa e olhava-me fixamente. Vi-o dirigir-se na minha direção e seguir-me de perto, quase encostado a mim, a tentar olhar-me nos olhos. Comecei a andar mais rápido, fingindo que não o tinha visto. Estava quase à porta da igreja quando ele me alcançou...
(continua...)
Será que havia alguma desgraça, de facto, por detrás daquela animosidade toda e do olhar assustado com que o técnico de farmácia fugira para o armazém da segunda vez?
Apetecia-me falar sobre o assunto ao Sr. Revenda, que talvez me pudesse ajudar a chegar a uma conclusão, mas desisti rapidamente… Adormecia a cada frase minha e tinha de voltar sempre ao início da conversa porque ele integrava as minhas perguntas no sonho de cada vez que adormecia e esquecia-se que me tinha de indicar o caminho. [Não faltaria quem comentasse agora que “os homens são iguais em todo o mundo, só conseguem fazer uma coisa de cada vez e, se lhes pedem para fazer duas, desformatam tudo no mesmo momento”… Mas ele já estava a fazer duas coisas suficientemente incompatíveis desde o início: dormir e indicar-me o caminho naquela cidade meio labiríntica.] Já seria suplício bastante ter de estar comigo no carro em vez de na cama a dormir, depois de uma noite inteira acordado a guardar a casa. E provavelmente só mesmo a Irmã Lurdes me conseguiria ajudar…
Era hora de almoço, o cansaço do dia anterior começava a pesar mas, depois de comer qualquer coisa à pressa, ainda consegui mandar consertar o pneu e fazer mais compras antes da hora da missa. Fui a casa tomar duche, arranjei-me em tempo record mas ainda assim fui a última a sair de casa. As Irmãs já tinham seguido para a Igreja da Santa Cruz, que ficava na rua contígua. Anoitecera e a rua, quase sem iluminação, ficava sempre com um aspecto sinistro e desolador, inundada de lixo e de lama que desafiavam ironicamente o aviso pomposo numa parede onde se lia: “Proibido deitar lixo e mijar”. Uma sujidade que se me pegava aos sapatos e se me entranhava no estado de espírito. Só o quarteirão das Irmãs escapava daquele mar de lixo porque elas tinham construído canteiros de flores, de que cuidavam amorosamente. E as pessoas, por pior sentido cívico que tenham, não deitam lixo sobre flores. Os canteiros eram vandalizados uma a duas vezes por mês mas, teimosamente, as Irmãs voltavam a plantar flores no dia seguinte, tornando o seu quarteirão num oásis no meio do lixo do bairro.
Do outro lado da rua, um jovem tinha parado ao ver-me sair de casa e olhava-me fixamente. Vi-o dirigir-se na minha direção e seguir-me de perto, quase encostado a mim, a tentar olhar-me nos olhos. Comecei a andar mais rápido, fingindo que não o tinha visto. Estava quase à porta da igreja quando ele me alcançou...
(continua...)