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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

03
Set11

[outras palavras] e depois...

beijo de mulata
(...) Depois houve um silêncio, ansioso. E no meio da câmara, envolta na refulgência preciosa, a ama não se movia... Apenas os seus olhos, brilhantes e secos, se tinham erguido para aquele céu que, além das grades, se tingia de rosa e de ouro. Era lá, nesse céu fresco de madrugada, que estava agora o seu menino. Estava lá, e já o sol se erguia, e era tarde, e o seu menino chorava decerto. E procurava o seu peito!... Então a ama sorriu e estendeu a mão. Todos seguiam, sem respirar, aquele lento mover da sua mão aberta. Que jóia maravilhosa, que fio de diamantes, que punhado de rubis, ia ela escolher?

A ama estendia a mão – e sobre um escabelo ao lado, entre um molho de armas, agarrou um punhal. Era um punhal de um velho rei, todo cravejado de esmeraldas. Valia uma província.

Agarrara o punhal e, com ele apertado fortemente na mão, apontando para o céu, onde subiam os primeiros raios do Sol, encarou a rainha, a multidão:
– Já salvei o meu príncipe – agora vou dar de mamar ao meu filho!

E cravou o punhal no coração.
Eça de Queirós in A Aia
02
Set11

[alhos e blogalhos] obrigada, santo antónio do google

beijo de mulata
Eu queixo-me, é verdade. Queixo-me muito dos que vêm aqui ter a este mato à procura de "mulatas selvagens" e afins (essas pesquisas continuam, obviamente, no top deste blogue, como não podia deixar de ser, que eu até me ofendia!)... Queixo-me em parte porque acho graça. Os queixumes têm ritmo, têm uma musicalidade própria e sobretudo despertam alguma reacção por parte do outro. Um carinho se forem queixas pertinentes ou, na maior parte das vezes, já que são despropositadas, evocam um sorriso condescendente, daqueles que dizem "pronto, pronto, tem graça as pessoas virem ter aqui ao mato com pesquisas absolutamente ao lado". E ficamos por aí.

Já o dizer bem tem menos ritmo e, para mim, tem menos graça, por isso nunca falo das pesquisas que me enternecem e me enchem a alma. Daquelas pesquisas certeiras. Das pessoas que têm tanta fé no Santo António do google que é só fechar os olhos e "puf", teletransportam-se até cá antes que consigam terminar a primeira frase do responso.

Isto para dizer que adoro quando vejo que houve gente que cá veio parar à procura de fotos de Iapala, de Ribáuè, do Gilé ou de Milevane. Inclusivamente houve uma pessoa que veio à procura da sua escola primária. A pessoa que queria ver uma "foto recente da escola primária de Iapala" queria mesmo ver a fotografia que postei aqui há atrasado... É bom. É mesmo bom, saber que às vezes este mato também serve para mais do que para disparates e sorrisos condescendentes. Uma fotografia não mata saudades, mas às vezes alivia e conforta. Quando a mim própria me assaltam saudades e me ponho a navegar à procura de outros olhares, mais do que matar saudades, conforta-me saber que mais alguém foi tocado por aquelas imagens, mais alguém as considerou dignas de um post, mais alguém amou aquelas paragens. E que possivelmente também foi feliz por lá... A todos os que vêm aqui ao mato, nem que seja por incidente: tenham um bom dia.
01
Set11

[welcome to mozambique] sou o gabriel, o chefe dos ladrões...

beijo de mulata
Nessa tarde em Nampula embrenhei-me nas compras para o hospital até encher a cabine do carro. Sim, que nem pensar em carregar qualquer bagagem na caixa aberta do jipe, a não ser que quisesse ficar sem ela no mesmo minuto. Nampula, nesse aspecto é uma selva, infelizmente. Qualquer pessoa na rua é um potencial ladrão, desde os miúdos que se oferecem para guardar o carro enquanto entramos nas lojas, até aos mutilados pela guerra e pela lepra que pedem dinheiro nas ruas, passando por pessoas de aspecto normalíssimo…

- Eu sou o Gabriel, posso ficar a guardar o carro, mamã?
- Não, obrigada, vim com o guarda, que está lá dentro.
- Xii, mas ele está a dormir, mamã! Não vai nem dar conta di quem leve até pineu!

Quem me falava era um menino de seus 12 ou 13 anos de olhar vivaço. Afastei-me, mas não desistiu. Correu atrás de mim.
- Eu não sou ladrão, mamã!
- Ora, tu és o chefe deles!
- Sim, mamã! – Sorriu, deliciado, como se tivesse ouvido o maior elogio que lhe poderiam ter feito… – Eu sou o chefe dos ladrões! Ninguém vai roubar se eu não disser. Posso ficar a guardar o carro?

Não pude deixar de me rir… Tinham resposta para tudo!
- Não, Gabriel! Eu tenho guarda. Não preciso, obrigada.

Desde então, sempre que passava naquela rotunda, o mesmo menino vinha ter comigo com um ar de gozo:
- Mamã, lembra di mim? Sou Gabriel, o chefe dos ladrões. Posso ficar a guardar o carro?

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