(Nampula)
(continuando...)E é possível chegar assim a Nampula. Numa manhã de sol improvisado após um nevoeiro cerrado sobre a cidade. É possível chegar a Nampula e ser apanhado de surpresa pela beleza das montanhas, que irrompem, súbitas e bruscas em plena savana, numa paisagem desconcertante. É possível sair do avião pelo próprio pé e quase imediatamente ouvir o nosso nome gritado num sotaque estrangeiro por alguém que nunca vimos, que nos reconheceu pelo facto de sermos o único desconhecido naquele voo. É possível ficar inexoravelmente rendido ao primeiro relance. Sim, Nampula é possível!
Tantos séculos depois da saga dos Gamas e dos Dias junto à costa teimamos em ver Nampula como que coberta pelo pó das epopeias, fulgurando sob a luz das Descobertas, dançando ao som de tambores militares... Mas a ilusão dura um momento. Nampula é uma cidade recente, desenhada a régua e esquadro num escritório do século XX, fruto da ocupação estratégica das terras do interior pelos colonos. Não, não há pegadas dos Gamas nem há igrejas manuelinas. Mas para nós, Portugueses, Moçambique é demasiadamente cúmplice da nossa identidade, excessivamente próximo do nosso imaginário do bibe da escola para nos consentir observar a cidade com um juízo desapaixonado e atento.
É preciso sair da cidade para nos despirmos do bibe, deitarmos fora o resto da roupa com que nos defendemos do mundo e deixar-nos tocar na pele pelo sopro morno da savana, deixar que ela nos invada nos nossos mais íntimos segredos. Foi nessa noite em Iapala, suspeito, que o mato fez amor comigo em sonhos e fiquei presa no seu cheiro.