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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

25
Jun11

[como dar com uma equipa inteira de enfermagem em doida] versão 8-10 anos

beijo de mulata
Quando os teus pais tiverem saído para ir almoçar/ lanchar/ tomar café junta-te com os teus companheiros de quarto na sala das brincadeiras e tentem perceber qual dos vossos telemóveis tem o som mais alto e fidedigno. Tenta gravar a voz de uma enfermeira chamando outro doente, ou muito melhor, chamando uma colega para a ajudar. Faz correr a gravação no corredor quando essa enfermeira já tiver saído e o resto da equipa estiver na sala de tratamentos ou a preparar a medicação.

Quando esta brincadeira deixar de ter graça, grava o som dos alarmes. Com o tempo perceberás quais os alarmes mais eficazes para fazer os enfermeiros correr para o teu quarto. Geralmente são os alarmes que indicam uma paragem cardio-respiratória ou que o soro terminou e tem de ser mudado. Quando eles descobrirem a brincadeira passa a gravação aos companheiros do quarto em frente.

Eu já achava que se há profissão que tem maior probabilidade de ganhar o céu é a Enfermagem. Mas hoje vi uma enfermeira que já lá tem uma herdade garantida. Comentário sobre os gandulos que gravavam os alarmes e os reproduziam nas alturas mais inoportunas: "Eu ralho-lhes e finjo que me zango, mas até lhes acho graça... Ao menos sempre se divertem, mantêm-se entretidos e criam amizades cá dentro, o que é muito importante. Mesmo os castigos faço questão que sejam em conjunto para não se aborrecerem... Mas às vezes é de uma pessoa dar em doida!"
25
Jun11

[inspiração para uma despedida] outras palavras

beijo de mulata
Como é que se Esquece Alguém que se Ama?
por Miguel Esteves Cardoso

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.

É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.

Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso, in Último Volume

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