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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

30
Jun11

[welcome to mozambique] a viagem mais longa...

beijo de mulata
Não fui eu que tirei as fotos do post abaixo. Fui à peregrinação, mas ainda não ia a meio do caminho quando me foram chamar para ir levar uma mamã com uma ruptura uterina ao Hospital de Mocuba, a cinco horas de distância. Eu e um dos padres transportámo-la na caixa aberta do jeep da Missão, deitada num colchão, com a cabeça amparada no colo da irmã e da mãe, e os balões de soro e sangue que a mantiveram viva no caminho pendurados por uma corda no tejadilho. Pois é, meus amigos... é nesses momentos que também ninguém se atreve a dizer que a vida é simples. Foi uma viagem atroz. Para todos, mas sobretudo para a jovem mamã, em trabalho de parto há vários dias, com dores inimagináveis, uma criança já morta no ventre e uma hemorragia interna que ameaçava levar-lhe a vida a qualquer momento.

Recusei-me a levá-la sem uma transfusão de sangue. Alegaram que não tinham sangue no Centro de Saúde de Mulevala, mas fui irredutível: "Esta mamã está em choque e eu não transporto cadáveres!"

O Padre Américo, pároco da Missão e dono do jeep olhava-me, incrédulo. Uma médica loira, que não conhecia de lado nenhum, que estava apenas de visita à sua missão ousava dar-lhe ordens? Não seria melhor partirmos quanto antes? Não! Assim como estava não ia aguentar uma viagem de cinco horas! Acreditou em mim. Bastou uma frase sua em Lomué de que só compreendi a palavra "sangue". Em cinco minutos apareceram vários dadores voluntários. Colhemos sangue compatível e seguimos. Tivemos de parar várias vezes no meio do mato porque, com os solavancos da picada, o soro saía da veia e tínhamos de colocar novo soro a correr. Nos momentos em que parávamos, o silêncio mais profundo da savana invadia-nos por todas as nossas fragilidades adentro e fazia-nos falar num sussurro de igreja, lembrando-nos como somos pequenos e vulneráveis. Apenas o ruído inconsciente dos pássaros e os gemidos da jovem mamã "Ah, mwanaka!*", certa de que a vida se lhe secara no ventre.

E lá voltávamos à estrada. Foi o caminho mais longo da minha vida, mas chegou viva e ainda estável para aguentar uma cirurgia...

Sei que em Mulevala a multidão rezou por ela e pelo padre ausente da peregrinação... Pessoalmente, eu tenho alguma dificuldade em acreditar a este ponto no poder da oração. Até porque se Deus existir ["faz conta um ovo"...], saberá certamente a quem acudir sem que seja necessário pedir-lhe. Mas todos ficaram mais próximos por terem uma causa comum, por pedirem por alguém que naquele momento estava pior do que eles e não tinha a sorte de estar feliz naquela caminhada. E no regresso, esta mamã, viva mas órfã de filho, foi consolada e mimada por todos os que tinham rezado pela sua vida... Mais importante do que a questão se Deus existe é a beleza desta história de fé, oração e proximidade. Poderia ser esta a beleza que, nas palavras de Dostoievski, um dia salvaria o mundo?

* O meu filho!
30
Jun11

[welcome to mozambique] o que faz mover um povo...

beijo de mulata




Peregrinação ao Santuário de Mulevala, que em Lomué, o dialecto local, quer dizer "terra dos antigos". Montanha de uma beleza arrebatadora onde Nossa Senhora terá, em 1987, aparecido a um grupo de camponeses, com o menino ao colo e coberta por um manto verde. Não é dogma de fé, claro, Fátima também não, mas é lindo ver o que move um povo e o faz percorrer quilómetros em família, cantando e partilhando a vida. Quem se atreve a dizer, nestes momentos, que a vida não é simples?
(Mulevala, Zambézia)

Mas não fui em quem tirou estas fotos. A história do meu dia foi outra...?
28
Jun11

[welcome to mozambique] ribáuè

beijo de mulata
28
Jun11

[instantes] a força do sorriso de um doente!

beijo de mulata

Quem não se derrete com um doente bem disposto? Quem não se apaixona por um sorriso e um olhar a direito que vinga apesar da doença? Já eu sou uma doente péssima. Nunca consegui aprender com os meus meninos como se sorri e se brinca numa enfermaria quanto mais numa cama... Hoje dói-me tudo e estou insuportável...
(A V. no hospital de Iapala, Nampula)
26
Jun11

[alhos e blogalhos] serviço público beijo-de-mulata

beijo de mulata
Ele há coisas que me inquietam... Ora diz o meu StatsCounter-ou-coisa-que-o-valha, nunca sei como raio se chama, que há um senhor residente no Kuwait que persistentemente vem aqui ao mato há meses à procura do nome científico do beijo-de-mulata. Às vezes acrescenta da flor beijo-de-mulata, a ver se assim vai ter a locais mais próprios, com gente mais vestida e público mais selecto mas, invariavelmente, ó azar dos azares, vem parar aqui. Claro que este é um blog decente (tem dias...), com um público mais do que selecto e educado (também tem dias, como de resto se pode ver nos posts da rubrica alhos e blogalhos, mas enfim, genericamente é verdade), só que não tem tido respostas para este senhor...

Mas do Kuwait, valha-me Deus, ainda se vivesse mesmo aqui ao lado, agora vir do Kuwait para o mato, ainda que venha à boleia do meu Santo António do google e não de chapa, dá trabalho, minha gente! Não sei o que vem aqui fazer, tanto mais que a resposta se encontra mais facilmente consultando o Dr. Google do que este canto atrás do sol posto, mas deixa-me sempre perturbada. Isto aqui é mato, meus amigos, não há nada de científico por aqui, estão ali na coluna da direita os meus mais assíduos leitores que não me deixam mentir... mas hoje resolvi que basta! Tinha de fazer alguma coisa por essa pobre alma que vagueia por aqui e sabe-se lá por onde mais. Senhor residente no Kuwait, não sofra mais! A resposta está aqui.

Pronto. Era só isto. Voltemos para o mato, que ainda temos muito que trabalhar hoje!
25
Jun11

[como dar com uma equipa inteira de enfermagem em doida] versão 8-10 anos

beijo de mulata
Quando os teus pais tiverem saído para ir almoçar/ lanchar/ tomar café junta-te com os teus companheiros de quarto na sala das brincadeiras e tentem perceber qual dos vossos telemóveis tem o som mais alto e fidedigno. Tenta gravar a voz de uma enfermeira chamando outro doente, ou muito melhor, chamando uma colega para a ajudar. Faz correr a gravação no corredor quando essa enfermeira já tiver saído e o resto da equipa estiver na sala de tratamentos ou a preparar a medicação.

Quando esta brincadeira deixar de ter graça, grava o som dos alarmes. Com o tempo perceberás quais os alarmes mais eficazes para fazer os enfermeiros correr para o teu quarto. Geralmente são os alarmes que indicam uma paragem cardio-respiratória ou que o soro terminou e tem de ser mudado. Quando eles descobrirem a brincadeira passa a gravação aos companheiros do quarto em frente.

Eu já achava que se há profissão que tem maior probabilidade de ganhar o céu é a Enfermagem. Mas hoje vi uma enfermeira que já lá tem uma herdade garantida. Comentário sobre os gandulos que gravavam os alarmes e os reproduziam nas alturas mais inoportunas: "Eu ralho-lhes e finjo que me zango, mas até lhes acho graça... Ao menos sempre se divertem, mantêm-se entretidos e criam amizades cá dentro, o que é muito importante. Mesmo os castigos faço questão que sejam em conjunto para não se aborrecerem... Mas às vezes é de uma pessoa dar em doida!"
25
Jun11

[inspiração para uma despedida] outras palavras

beijo de mulata
Como é que se Esquece Alguém que se Ama?
por Miguel Esteves Cardoso

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.

É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.

Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso, in Último Volume
24
Jun11

[luanda, anos '80] frases que nos marcam

beijo de mulata
Contou-me certa vez uma amiga, que na sua infância em Luanda, uma garrafa de litro e meio de água do Luso era suficiente para um banho completo com direito a champô e amaciador! Isto a propósito de eu ter conseguido no Gilé desenvolver e apurar uma técnica que me permitia tomar banho com apenas um balde de água. A vida é simples, felizmente...

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