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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

29
Abr11

[a tale of three markets] os mercados, a especulação e o sr. pompisk

beijo de mulata

I love New York, I'd live in Paris but...
Mozambique is easier!

No centro do mundo há a bolsa de valores, a especulação e a manipulação financeiras, há a subida e descida do preço das acções e do petróleo de acordo com o nervosismo dos mercados... A lei da oferta e da procura seria uma lei natural e básica se não existissem todos os outros factores estranhos e parasitas que a impedem de funcionar de forma linear. No Gilé há o Sr. Pompisk e a sua barraca "Só Basta Viver". ?O Sr. Pompisk é o garante da estabilidade da oferta e da ausência de oscilações dos preços. Para ele, mesmo que não nos esteja a ouvir, um grande abraço!

É ele quem compra quase todos os produtos agrícolas da região, garantindo o escoamento dos pequenos produtores e controlando a oferta de bens alimentares de primeira necessidade. Assim, enquanto o Sr. Pompisk tiver stock, todos os outros comerciantes mantêm os preços a um nível acessível. De tal forma é importante a sua actividade para a estabilidade do nível de vida do Gilé, que foi impedido pelo Governador de fechar a loja durante os períodos das suas férias, precisamente para evitar a especulação e subida de preços por parte dos outros comerciantes, situação que poderia, literalmente, precipitar uma catástrofe alimentar!

P.S. - Tenciono continuar a escrever posts sobre o Sr. Pompisk até que alguém se decida, finalmente, a perguntar: "Mas afinal, quem raio é o Sr. Pompisk, podes explicar-nos, beijo-de-mulata? Se faz favor."
27
Abr11

[inspiração para uma despedida] fantasmas ou fantasias

beijo de mulata
Uma das coisas que aprendi na vida do dia-a-dia é que o mundo se divide entre as pessoas que numa situação de "tudo ou nada", tendo o poder de decisão, arriscam tudo porque podem ganhar e as que não arriscam porque têm medo de perder.

Não há orientações clínicas ou tratados, bíblias ou valores morais, convicções existenciais ou religiosas que ajudem nas decisões desses momentos. É muito mais profundo do que isso. Muito mais profundo do que alguma vez podemos pensar quando nos colocam a situação em termos teóricos. Não sei se se chama personalidade ou história de vida ou se se trata de uma mera dualidade optimismo/ pessimismo. Só sei que às vezes a vida não é fácil.

E, no final, o que cada um faz com as decisões que toma... ou com as decisões de outrem que foi obrigado a aceitar... é ainda mais difícil. Podem tornar-se os fantasmas ou as fantasias de toda uma vida. Felizes os que esquecem porque deles são as noites de um sono só...
26
Abr11

[e porque hoje é necessário] um abraço ao sr. pompisk

beijo de mulata


Sonho um dia reescrever esta letra intitulando-a de "Um abraço ao Sr. Pompisk!" Ele não nos está a ouvir, certamente (no Gilé não há internet de banda larga, há um preço a pagar por viver no paraíso...). Mas não quero deixar de lhe prestar homenagem e de lhe enviar um grande, grande abraço. Obrigada e bom dia a todos.
25
Abr11

[a tale of three cakes] o doce mais intenso

beijo de mulata
I love New York, I'd live in Paris but...
Mozambique is tastier... and lighter!

Mokotto era uma iguaria que as mamãs das crianças internadas no hospital de Iapala (Nampula) me preparavam de vez em quando. Ou melhor, não a preparavam exclusivamente para mim, mas ofereciam-me para ser eu a primeira a provar, antes delas próprias ou dos filhos. Mas antes de mais tenho de fazer uma ressalva... Não tentem fazer isto em casa. Para além de ser um flop garantido (a não ser que tenham em casa um pilão, dois homens fortes e uns vizinhos de baixo um pouco surdos e bem dispostos - e não, a Bimby não amassa da mesma maneira), o Mokotto é uma iguaria apenas para estômagos experientes!

Eu aceitava porque seria impensável fazer uma desfeita dessas às mamãs e porque tenho a convicção inabalável de que tenho um bucho duro de roer, capaz de digerir os alimentos mais improváveis. Até mesmo os alimentos que quase ultrapassam aquele limiar que separa os alimentos dos não-alimentos... Isso e porque também tenho uma confiança cega em toda e qualquer mãe cujos filhos pareçam felizes e bem cuidados. "Se os filhos delas são saudáveis é porque a comida que elas preparam é boa." Raciocínio básico mas que nunca me falhou. Bem... e em abono da verdade tenho de admitir que há ainda mais uma razão. É que eu sou loira. Não é que seja muito burra, mas sou... vá, distraída. E quando pela primeira vez me lembrei que tinha comido um doce que incluía arroz cru na sua composição já tinham passado dois dias e era tarde demais para me doer a barriga...

Mas ultrapassada a questão digestiva, o Mokotto era absolutamente delicioso. E, curiosamente, pouco calórico! Feito de uma massa informe, preparada no pilão, amassando arroz pilado, leite de coco e açúcar (e outros ingredientes para dar sabor e cheiro, cujo nome não conheço em Português). Aprendi a saboreá-lo com a calma de quem beija... ia-se desfazendo dentro da minha boca, lentamente, com pequenos movimentos e pequenas mordidas, e descobria a cada centímetro um sabor e uma consistência diferentes...
25
Abr11

[instantes] 25 de Abril de '74

beijo de mulata
25 de Abril
(Lisboa)

Era a noite de 24 para 25 de Abril. Corria o ano de 1974. O meu pai, então Alferes a cumprir o serviço militar obrigatório, ofereceu-se para ir buscar as armas ao paiol, uma vez que o capitão estava nervoso demais:
- Aqui só se entra com senha e contra-senha! - gritava o guarda do paiol completamente a leste do que se passava...
- Olhe, vai haver um golpe de estado. Vamos derrubar o governo - o meu pai é a calma em pessoa -, portanto, o senhor ou se põe às minhas ordens ou eu tenho de o mandar prender...
- Ah... então, se é assim, faça favor!

O que se passou em seguida... é História!

[Esta peripécia ficou só para a história lá de casa, mas a minha preferida é a do chaimite que ia à frente da coluna militar e parou na avenida porque o sinal estava vermelho...]

E agora, se me dão licença, vou voltar para a mesa para ouvir o meu pai contar pela trigésima vez a história desta noite decisiva...
24
Abr11

[histórias do fim do mundo] o fogo novo

beijo de mulata
"Quando a noite cai, o teu amor é como um fogo!"
(Murrupula, Moçambique)

Se há pessoas que me chamam de louca porque de vez em quando peço licenças sem vencimento para ir para Moçambique trabalhar como voluntária, eu respondo sempre que me chamam louca porque não conhecem as minhas amigas que, bem instaladas na vida, rescindiram contratos em Portugal para irem fazer voluntariado durante anos da sua juventude. Só não lhes consigo chamar loucas também porque sei que foram e são muito felizes! Deixo-vos hoje o relato na primeira pessoa da minha amiga V. sobre a Páscoa que viveu em Murrupula, Norte de Moçambique.

"Salama owani? Miyo salama! [Estão todos bem em casa? Eu estou bem!]

Acabo de chegar de Murrupula, da missão, onde passei estes dias da Páscoa e gostaria de partilhar convosco a noite mais mágica da minha vida, que passei ao lado da minha família africana, o Pe. Jacob, o Irmão Tobias, o Irmão Rui, nove seminaristas, os vinte e três rapazes órfãos que vivem no lar da Missão, o cozinheiro Rosário (o homem que nos mantém a todos vivos), várias dezenas de trabalhadores das machambas da Missão, carpinteiros, guardadores de vacas e ovelhas, a minha grande amiga Eugénia... e o Tejo e o Tajo, que são, de certeza absoluta, os dois macacos mais mimados do mundo!

Aqui a Páscoa é vivida de uma forma muito diferente da que eu estou habituada a viver em Portugal, no meu Alentejo. Não são só os sabores, os cheiros, as cores, as cerimónias, os cânticos, a espiritualidade… mas passa por outra forma de encarar a paixão, a morte e a ressurreição.

Tinha ouvido falar da magia que se vive durante as cerimónias da Páscoa mas vivenciá-la aqui e ao vivo tem outro sabor. A Páscoa para mim já tinha começado na tarde de Sexta-feira Santa, na vila, onde foi encenada a Via Sacra pelos seminaristas, pelo grupo de jovens e pelos rapazes do lar da Missão. À noite, depois da comemoração muito simples do aniversário da Eugénia, os futuros baptizados que já tinham chegado à missão, “apagaram o fogo velho”. Formaram uma fila, cada um com um pedaço de lenha com uma ponta a arder e foram apagá-la numa taça feita de barro com água. Isto é interpretado como um apagar dos pecados, para um início de vida nova. Uma vida que iria começar na noite seguinte.

Após o jantar e todos os preparativos que ocuparam todo o dia, os futuros baptizados e os futuros noivos, os padrinhos e familiares e os restantes membros das comunidades reuniram-se junto da igreja para assistir ao “acender do fogo novo”. E a magia de que alguém me tinha falado começou...

Tentem imaginar uma roda de pessoas, tendo no meio uma enorme pilha de madeira preparada à espera do “fogo novo” e uns grupinhos de cinco homens e três mulheres (eu também fui, incentivada pelo Pe. Jacob e movida pela minha curiosidade) de cócoras, junto de dois pedaços de madeira que cada um sem cessar e rotativamente ia friccionando para manualmente “fazer o fogo”. Todos na roda humana esperavam este “nascimento” para acender o círio pascal e assim iniciar as cerimónias pascais deste ano.

Para quem está habituado a estas andanças, diz que desta vez a pequena brasa, que se formou do trabalho conjunto de sete pessoas, nasceu rapidamente... E a pequena brasa, celebrada com gritos de espanto e de júbilo, foi aninhada com todo o cuidado em “raspas” de madeira e depois de bem “pegada” e forte, foi queimar a fogueira que ali estava à sua espera.

De pequena, a fogueira cresceu para dar lugar a um fogo vivo, para contentamento, cânticos, palmas e alarido de todos. O círio pascal foi aceso a partir deste “fogo novo”, iluminando o caminho até ao altar da igreja. Este deu a sua luz, em conjunto, com as velas, e foi com esta luz que se realizaram os 97 baptismos de adultos e os 56 casamentos (!), que ali aconteceram nessa noite. Para receber o baptismo tinham uma tina de latão e uma cabaça que serviram de pia e “concha” baptismal, mas num local onde nem luz eléctrica ainda há, estas condições não incomodam o povo, que se encontrava ávido pela presença de Deus em sua vidas. É curioso observar a fé e a persistência deste povo, quando pensamos que muitos vieram de muito longe, andaram muitos quilómetros a pé para estar nesta noite e nesta igreja para receber o seu baptismo ou matrimónio, para assinalar a ressurreição do Senhor, de uma forma tão bonita.

A missa prolongou-se por mais de cinco horas mas, para a maioria dos que estavam presentes, passou bem depressa, entre cânticos, leituras e muita alegria pela celebração que se estava a realizar, e no final da missa, com todos sentados cá fora em silêncio, o nascer do sol sobre o monte deixou-nos de lágrimas nos olhos."
23
Abr11

[a tale of two plastic surgeries] zambezia vs new york

beijo de mulata
I'd love to work in New York but...
Mozambique makes you keen on improvisation!

Duas cirurgias reconstrutivas... A primeira no Hospital de Mount Sinai em Nova Iorque e ?outra na Zambézia, na tenda da Unicef que já vos mostrei uma vez (antes de me insultares publicamente, R. Maria, a tua imagem está pixelada, não é possível que alguém te reconheça, ok?).

Meus queridos amigos, isto é apenas uma imagem para dizer que sim, é possível! Tudo bem, ter material adequado ajuda, é certo. Ter uma luz regulável e forte e não uma lanterna na mão de uma enfermeira também dá jeito, é outro facto. Mas ultrapassado o patamar do... como direi... não é bem do aceitável mas, pronto... do plausível, podemos afirmar que quem faz as cirurgias são os cirurgiões, não os blocos operatórios... E com um pouco de boa vontade, improvisação e savoir-faire tudo se faz!

Um dia conto-vos esta história improvável de uma cirurgia plástica no Gilé...
22
Abr11

[a tale of two cities] momentos de vida

beijo de mulata
Newborns are beautiful in New York!
But in Mozambique they have precisely the same beauty...

Quando correm bem, os partos e os recém-nascidos são absolutamente iguais em todo o lado. Lindos, indefesos, cheios de fome e de frio, ávidos de alimento e conforto... Quando correm mal prefiro não falar...

Coreografia inventada, rodopio,
Nascer é vertigem,? é magia e movimento
Tudo é náusea, fome e frio...
Só tu és deslumbramento.
22
Abr11

[celebremos o mistério]

beijo de mulata
Durante o ensaio para as cerimónias do tríduo pascal, um grupo de pessoas decorava afincadamente a igreja, mudava a disposição dos bancos, arrastava móveis, martelava pregos, atarrachava parafusos com o Black & Decker, montava mesas, enquanto nós cantávamos alegremente o Ave Verum Corpus:


Uma amiga minha, exasperada pelo barulho... - Bem que podiam parar um pouco de martelar pregos enquanto estamos a cantar...
Eu, completamente zen... - Deixa lá... é litúrgico!


Uma Santa Páscoa para todos!

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