A R. e a menina do mercado.
(Gilé, Zambézia)
No Gilé, quando íamos às? compras ao mercado, passear ao rio ou dar uma volta pelo casario no meio dos bairros, se parássemos por mais de um ou dois minutos era frequente alguma criança aproximar-se de nós a medo, como se viesse ver mais de perto quem seriam aquelas duas estranhas mulheres sem cor de pessoa, que se vestiam de uma forma tão bizarra, quase sempre de calças, sem capulana à cintura e com uma mochila cinzentona às costas em vez de um bebé a dormir tranquilamente... Aproximavam-se a medo, sem sorrir, sem nos tentar tocar, sem olhar de desafio ou de gozo, mas deixavam-se pegar ao colo e acarinhar, sorriam das brincadeiras e das cócegas e aceitavam alguma guloseima ou pequeno presente se o tivéssemos na altura. As outras pessoas olhavam, sorriam e não interferiam. Por fim, a criança lá voltava para o colo da mãe ou do pai e metíamos conversa...
Meses depois, já em Maputo de malas feitas para regressar a casa fomos jantar com um amigo que também viveu algum tempo entre os macuas. Nós vínhamos derretidas, rendidas àquele povo, pela forma como cuidavam e protegiam as crianças e eram capazes de se unir e deslocar famílias inteiras durante semanas se uma criança estivesse doente. O nosso amigo fez-nos então uma revelação extraordinária:
- Sim, é verdade, eles dizem mesmo que a riqueza deles são os filhos e adoram crianças. E quando querem ver se um estranho tem um "coração limpo", como eles dizem, orera murima, se é boa pessoa e merece confiança mandam primeiro uma criança ter com ele. Assim como se fosse para lhe tirar a pinta... E só se virem que trata a criança com carinho é que o começam a respeitar.