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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

30
Jan11

[improbabilidades] perguntas que ninguém deveria fazer...

beijo de mulata
Há coisas que um maestro nunca deve perguntar antes de um concerto. Muito menos a alguém que apenas conhece vagamente. Muito menos na casa de banho dos espectadores*. Uma delas é a que o maestro que foi dirigir o Concerto nº 2 para piano de Rachmaninov perguntou esta noite a um amigo meu na casa de banho:
- Olá, boa noite! Está cá hoje? Por acaso não viu por aí a pianista?

* Relativamente ao acordo ortográfico, este blogue planeia fazer o mesmo que todos os outros: fazer ouvidos de mercador durante o tempo que for possível e depois, que remédio, lá dará uma no cravo e outra na ferradura. Porque, por um lado, a actualidade não lhe passa ao lado mas, por outro, é contra. E quase que dói mais que escrever com erros ortográficos...
29
Jan11

[olhares amadurecidos] de vidas que terminaram...

beijo de mulata
O leproso de Nehessine.
(Foto do R., Murrupula, Nampula)

Não me espanta haver doentes de lepra em Moçambique. Não me espanta a mim, que já diagnostiquei e tratei tantos... Não me espanta que existam mutilados, que bem sei que já levei tratamento aos confins do mato, no fim do mundo e vi, naqueles momentos, que se para muitos ainda cheguei a tempo, para outros tantos cheguei tarde demais. Mesmo que não tivessem deformidades ainda. Às vezes o estigma instala-se e cola-se à pele, mais visível que a própria doença, mais mutilante e corrosivo... Mas ainda que o tratamento venha ter à rua principal, o estigma é o maior inimigo da cura. De que serve o tratamento se depois não se puder voltar para casa? Para alguém se tratar tem de dar a cara com a certeza de não perder a face...

Por tudo isto não me espanta que existam doentes de lepra em Moçambique. A doença é lenta, mas a cura é mais longa ainda, o tratamento é raro, a ignorância um mundo sem fim e o estigma... esse é cruel e possessivo, esse enterra quem ainda tinha força e vontade de viver. Não me espanta a lepra. Espanta-me, sim, este olhar tranquilo e limpo, a céu aberto...
27
Jan11

[welcome to mozambique] a união e a força...

beijo de mulata
Vamos todos dar as mãos... Agora! Vá, andor à minha frente! A verdade e a democracia não se compadecem com a minoria.
(Mossuril, Nampula)

?
Foto gentilmente cedida por Mr. V. L., nosso correspondente honoris causa no Chimoio (gentilmente cedida é o eufemismo cibernético actual para dizer que não se importou que eu a roubasse...). No seu comentário a esta foto referia que, no contexto moçambicano actual, a frase "a união faz-se à força" não tem forçosamente de ser entendida como um engano ou um erro… Mas vamos só sorrir da imagem, que ainda são 10 da manhã...
26
Jan11

[welcome to mozambique] verde que te quiero verde!

beijo de mulata


Este foi o dia em que fiz a viagem dos meus sonhos às plantações de chá do Gurué, perto das margens do rio Zambeze... Como pano de fundo o verde arrebatador e o mito de origem do primeiro homem mesmo ali ao lado, nas nascentes do Monte Namuli. Terá surgido na bruma de uma madrugada glaucomatosa, coberto de capim e de folhas, germinado a partir das raízes de um embondeiro e, depois de um urro original que tenho para mim que só não faz parte da história porque ainda não estava lá mais ninguém para ouvir (porque homem que é homem grita quando nasce, e o primeiro homem só pode ter gritado de prazer olhando aquele céu), depois de agradecer a Muluku, o Deus dos antepassados e beber das águas perfumadas das montanhas*, desceu calmamente em direcção à planície e começou a espalhar a sua semente pelo mundo.
(Gurué, Zambézia)

*Que séculos depois alguém venderia sob a designação comercial genericamente inflaccionista de águas gourmet.
25
Jan11

[as melhores dos intensivos] haverá milagres?

beijo de mulata
Ontem foi motivo de grande surpresa e regozijo para todos nós o facto de uma adolescente que passou connosco por um processo gravíssimo, que terminou numa atrofia cerebral difusa, se ter sentado na cama a ler a Maria. Depois de ultrapassadas as questões existencialistas, da precaridade da vida, da condição humana, da impossibilidade de prever a evolução das doenças e de repetirmos a frase batida de que prognósticos só depois da alta, chegamos, por fim, à conclusão de que este milagre só pode querer dizer uma de duas coisas: que o cérebro humano é redundante e incrivelmente plástico ou que para ler a Maria basta ter um cérebro do tamanho de duas ervilhas...
25
Jan11

[a vírgula de oxford] ou a importância da pontuação

beijo de mulata
É verdade que ontem fomos a votos (para mim foi ontem, que estive 36 horas de banco e as horas não passam tão depressa nesses dias, muito menos os próprios dias). É verdade que abandonei os doentes por meia hora nos cuidados intensivos para ir cumprir o meu dever de cidadania, que se são tortuosos os caminhos que nos levam à santidade, mais tortuosos ainda são os que não nos levam a lado nenhum.

(E antes que se levantem os velhos do Restelo a dizer que uma médica nunca deveria abandonar o seu posto de trabalho para ir fazer seja o que for, posso alegar em meu favor que tentei, de facto, ir votar antes de ir para o hospital, mas vi os meus intentos barrados por uma porta ainda fechada e uma fila de gente maldisposta que de certeza que tinha caído da cama para estar ali a resmungar às 8 da madrugada num domingo. E às más línguas que dizem que a minha saída intempestiva dos cuidados intensivos para ir votar não merece uma erecção de velhos do Restelo em defesa dos doentes, eu respondo que tudo bem, mas que isso se deve apenas, hélas, à sua provecta idade...)

Mas é verdade que fui votar. Como disse o Pedro Rolo Duarte:
Por mais ínfimo que nos pareça o valor de um voto, é a infinita casa decimal que nos cabe no regime. E se é isso que temos, é isso que devemos usar.
Ao final da tarde, as pessoas que se levam demasiado a sério vão "explicar-nos" o que fizemos, por que fizemos, e como fizemos. E todos os candidatos vão, de alguma forma, ganhar. É o que vale. E tem uma vantagem: é o costume. A dada altura, já só peço que não me surpreendam...
Quanto a mim, no meu dia de niilista convicta, a dada altura surpreende-me é ler pessoas que sabem distinguir o "por que" de "porque" e utilizam simultaneamente a vírgula de Oxford. Geralmente só peço que, quer votem "à esquerda" ou "à direita", quer votem "à distância" ou "à confiança", pelo menos botem um acento grave... Porque não há, de facto, mais nada a dizer. Fui votar, ponto final, que a pontuação serve inclusivamente para terminar conversas e mudar de assunto. [E esta semana também aprendi com uma pessoa que se sentiu ameaçada e agredida por um SMS sem ponto final, que a pontuação serve ainda para confortar quem lê, para dizer não-te-preocupes-que-está-tudo-bem, dizer que está tudo na mesma, que nada mudou, que cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas. Mas isso agora não vem ao caso.] Fui votar. É tudo.
25
Jan11

[beijo-de-mulata faz serviço público] cirurgiões plásticos

beijo de mulata
Bom dia. Só um conselho de amiga-muito-amiga aos meus colegas cirurgiões plásticos: meus queridos, não me levem a mal, mas se querem transmitir um mínimo de credibilidade e confiança, quer para os doentes, quer entre os pares, por favor... NÃO SE CORTEM A FAZER A BARBA! Valha-me Nossa Senhora das Navalhas, que ainda estou arrepiada...
22
Jan11

[alhos e blogalhos] valha-me nossa senhora do google!

beijo de mulata
O nosso correspondente honoris causa radicado no Chimoio (não, afinal não era na África do Sul, já tínhamos ultrapassado isso...) que nos desculpe mas desta não nos vamos poder conter... Então não é que houve um pobre senhor (azarado, para não dizer outro nome) que chegou aqui ao mato à boleia do google à procura de uma receita para preparar um "banho de maria-sem-vergonha para atrair mulheres"? Desta vez o meu StatsCounter não identificou país nenhum, mas identifico eu, que só um brasileiro poderia chamar maria-sem-vergonha ao meu beijo-de-mulata. Mas... um banho para atrair mulheres, valha-me a Santa do Pau Preto?! Isso não lembra ao careca, para não dizer que não lembra ao diabo nem ao Menino Jesus, que a este último certamente que nem lhe passa pela cabeça e ao diabo lembra de certeza, isso e muito mais...

Pobre homem... até aposto que foi precisamente uma mulher que lhe vendeu esta ideia peregrina para o convencer de que tomar banho era a única maneira de deixar de fazer o sexo oposto fugir espavorido... E não se lembrou de nada menos do que de uma flor com um nome tão sugestivo como maria-sem-vergonha para lhe preparar um banhinho. Tudo em nome do amor de uma maria, de preferência sem um pingo de vergonha (ler com sotaque brasileiro) para ser tudo mais rápido, que me parece que um homem que se dá ao trabalho de vir aqui tão longe para procurar uma receita é capaz de ser tomado de algumas urgências.

Mas até aqui tudo certo, vai um homem lavadinho, se calhar ainda não cheiroso, que as instruções não lhe deram para tanto, mas vá, lavadinho já não será mau, relaxado e cheio de auto-confiança, com o ego afagado por um banho com flores lindíssimas e a maria está no papo. Isto, obviamente, desde que a maria não tenha um gosto muito refinado e que também esteja para aí virada, que mulher desesperada foi coisa que sempre existiu desde que o mundo é mundo e esta maria bem que nos podia fazer o jeitinho que temos de terminar o post, que a nossa vida não é isto.

O problema é que (sim, eu não estaria com esta conversa toda se não houvesse um problema) a vincristina que se extrai do beijo-de-mulata, um medicamento para tratar a leucemia, pode ser absorvida através da pele e provocar anemias gravíssimas, disfunção eréctil e alterações na coordenação motora*... Portanto aqui fica o aviso, caros senhores que andam pelo google em busca de um banho de sex-appeal: tomem banho com outra coisa (sei lá, tipo gel de banho), seja para atrair mulheres, seja para a higiene pessoal, que só lhes faz bem. Já com o beijo-de-mulata tudo o que se ganha em desejo, auto-confiança e sex appeal perde-se em performance, sem apelo nem agravo... Seria um banho envenenado, um autêntico assassinato, valha-me Nossa Senhora do Saca-rolhas! E quem me avisa meu amigo é. Pronto. Tenho dito. (O que eu gosto de fazer serviço público!) A emissão seguirá assim que eu conseguir respirar fundo novamente.

* Não é à toa que para os Macuas, que são um povo sábio, as palavras medicamento e veneno são uma só (murrette).

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