Próximo do grande Centro Hospitalar do Gilé, na mesma rua da pousada do Sr. Pompisk (para ele, se nos estiver a ouvir,
aquele abraço!), vivia o único ourives, o Sr. Elvis Pires. Não sei muito bem onde é que ele adquiria o ouro, mas suponho que o comprasse aos garimpeiros das minas situadas a poucos quilómetros da vila. Por acaso isso não me choca nada... Nem tenho a certeza de que os próprios garimpeiros teriam perfeita noção de que a exploração das minas e a comercialização do ouro da sua própria terra era ilegal, de tal forma era feita às claras. Choca-me é o lucro desenfreado das multinacionais que não ajudam o país e a quem o governo oferece a exploração de mão beijada a troco de benefícios que o povo não chega a ver... Mas adiante, que eu não tenho pretensões de
Wikileaks. Nem sequer gosto muito de falar de assuntos sérios, sobretudo quando estou a contar uma história. Já bem me bastam tantos problemas que tenho de resolver no dia-a-dia e eu sem poder mudar de assunto...
Mas como eu ia dizendo, o Sr. Elvis Pires, a quem eu tratava respeitosamente por Sr. Ourives porque não conseguia evitar sorrir com o nome improvável, era um homem em muitos aspectos admirável. Apesar do nome, que nos faria pensar numa família vanguardista e com algumas pretensões, as suas origens eram as mais humildes. Oitavo filho de uma família de camponeses, viveu uma infância igual à da enorme maioria das pessoas do país: ajudava os pais no cultivo da terra, ia irregularmente à escola, dormiu no mato durante os anos da guerra civil para se esconder dos ataques dos "bandidos armados", teve a casa destruída inúmeras vezes, viu irmãos morrerem às mãos dos guerrilheiros e sucumbir a doenças banais, teve várias doenças graves e medo de morrer em todas elas, foi mordido por uma cobra e sobreviveu miraculosamente graças a um curandeiro (esta última parte talvez não seja assim tão comum, mas enfim...). Mas o que fazia a diferença, o que fazia dele um homem remediado, que conseguia sobreviver e ganhar a vida sem ser de mão estendida ou dentro da máquina do partido, era ser um homem de iniciativa, um homem de sonhos e de trabalho.
Mas, por muito suor que empregasse nas suas obras, o Sr. Ourives, com muita pena minha, não era um artista nato. Não era um criador genial e inspirado. O melhor que posso dizer dele é que era um excelente homem de família, um empresário honesto, um executante razoável, mas um artista sem ideias e com um gosto sofrível...
Por isso, a Irmã Lurdes, que pelas minhas contas há-de vir a ser santa, nas suas idas a Paris trazia-lhe sempre catálogos de grandes marcas para ele se inspirar. O último tinha sido o da Cartier. Mas nem assim... Por um lado é preciso bom gosto por parte do artesão e, por outro, é preciso bom gosto e poder de compra por parte do mercado. Ou seja, mesmo depois de ter tido contacto com peças de elevadíssimo gosto em comparação com as suas, as obras de Elvis Pires continuavam as mesmas bolinhas e argolinhas algo toscas de sempre, que ele guardava amorosamente em pequenos saquinhos de comprimidos surripiados da farmácia do hospital...
Felizmente, este ano, a Irmã Lurdes teve uma ideia genial! Numa ida ao Carrefour de Paris lembrou-se de pedir o catálogo da ourivesaria... A face do Sr. Pires iluminou-se quando o viu! Era todo um novo mundo de pequenas ideias acessíveis, simples e baratas ao seu alcance. E foi também com base neste catálogo que o Sr. Ourives recebeu a sua primeira encomenda de uma médica europeia. Meus queridos amigos, eu tive de me esforçar genuinamente, mas no meio do catálogo do Carrefour de Paris consegui encontrar um modelo de brincos engraçado. Ele ficou a babar-se. Já antes me tinha tentado vender sem sucesso algumas das suas obras, mas eu, por muito boa vontade que tivesse, não tinha conseguido comprar nada. A minha intenção com esta encomenda era apenas dar trabalho a um homem de família (e, vá, também queria uma história para contar, pronto, já me conhecem...). Não tinha a mais pálida intenção de os usar mais tarde. Mas... e não é que ficaram perfeitos? É que até que não são feios... Actualmente uso-os de vez em quando. Por graça, mas uso.