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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

28
Nov10

[publicidade institucional] beijo-de-mulata também é fada-do-lar

beijo de mulata
A Hora do Bolo... Zambeziano


Beijo-de-mulata, para além de ser igualmente maria-sem-vergonha e boa-noite (vide um post colocado aqui há atrasado), vai hoje começar os ensaios para se tornar numa dona de casa zambeziana exemplar. Desta feita, vem aqui ao mato para vos provar que é possível cozinhar as iguarias mais sofisticadas com os mais finos ingredientes da Zambézia.

O primeiro bolo chama-se, precisa e mui apropriadamente, beijo-de-mulata e será feito apenas com os mais genuínos ingredientes do Gilé (incluindo os adquiridos na Barraca do Sr. Pompisk - para ele, se nos estiver a ouvir, um grande abraço!).

Ingredientes para a Massa
- 400 g de farinha de mapira bem pilada e peneirada
- 1 colher de sopa de fermento em pó da barraca do Sr. Pompisk
- 7 colheres de sopa de açúcar ou 14 colheres de sopa de suco de cana-de-açúcar parcialmente evaporado
- 1 colher de sopa de manteiga do Sr. Pompisk
- 3 ovos das galinhas das Irmãs ou 1 ovo de pata do ourives do Gilé
- 1 colher de sobremesa de doce de manga das Irmãs
- 1/2 xícara de caju grosseiramente pilado
- 1 cálice de licor de amarula do Sr. Pompisk
- Óleo de amendoim qb (para fritura)

Calda de Chocolate
- 1 xícara de chocolate em pó do Sr. Pompisk
- 1 xícara de suco de cana-de-açúcar
- 1/4 de xícara de leite em pó
- 1 xícara de coco semi-fresco ralado
- Chá do Gurué qb 

Modo de Preparação
Peça ao cozinheiro para preparar o forno a lenha. Mantenha-o por ali para qualquer eventualidade mas dê-lhe uma tarefa fora da cozinha para ele não assistir à balbúrdia que se segue...

Para a massa: Num pote de barro artesanal coloque a farinha de mapira bem pilada e peneirada (reserve um pouco), o suco de cana, o fermento, a manteiga à temperatura ambiente (desde que não estejam mais de 40 ºC dentro de casa, obviamente), os ovos de galinha ou o ovo de pata levemente batido(s),o licor de amarula, o doce de manga e o caju grosseiramente pilado. Misture com uma espátula fabricada pelo Sr. Ernesto do Bairro Malema (são as melhores!). A seguir mexa com as mãos, bem lavadas em água potável (neste momento utilize a farinha reservada).

Para a calda: Numa panela coloque suco de cana de açúcar, o chocolate e o leite em pó reconstituído com chá do Gurué. Misture até desmanchar o chocolate e reserve.

Enrole bolinhas na palma das mãos (volto a insistir na necessidade de ter lavado as mãos em água potável) e frite em óleo de amendoim não muito quente. Retire e escorra. Em seguida passe pela calda de chocolate e pelo coco ralado e escorra.

Agradeça ao cozinheiro, ofereça-lhe alguns beijos-de-mulata e dispense-o. Aproveite o calor do forno para aquecer água para o banho.

Os beijos-de-mulata duram vários dias em pote fechado, o que é uma grande vantagem, uma vez que no Gilé não se pode confiar no frigorífico... Sabem, é que os desmandos de Cahora Bassa são mais que muitos nesta altura do ano...

(Nota, este bolo foi concebido para ser saboreado ao som da noite zambeziana, mas a banda sonora pode ser adaptada em Lisboa: Caetano Veloso, Magnetic Fields, Marrabenta... Sky is the limit!)
28
Nov10

[eu hoje acordei assim] there's no one meaner...

beijo de mulata

Esta manhã só me apeteceu cantar a frase genial de Terry Jones nesta ópera (sim, esse mesmo, o senhor dos Monty Python escreveu uma ópera: Evil Machines. Com uma história improvável, é certo, mas ainda assim uma ópera contemporânea genial... musicada em Portugal pelo nosso querido Luís Tinoco):
- There's no one meaner... than a vacuum cleaner! (01:54)

Ou melhor, apeteceu-me foi fazer explodir o aspirador juntamente com a vizinha de cima, o que me tornaria definitivamente numa diva operática contemporânea, ao transpôr para a vida do condomínio o que acaba por acontecer em palco...
28
Nov10

[advento] improbabilidades

beijo de mulata
The gospel is simply a catalogue of unexpected things. It’s not to be expected that an ox and an ass should worship at the crib. Animals are always doing the oddest things in the lives of the saints. It’s all part of the poetry, the Alice-in-Wonderland side, of religion.
Lady Marchmain in Brideshead Revisited
28
Nov10

[vozes amadurecidas] incondicionalidades

beijo de mulata

Natureza morta com medicamentos para a lepra, telemóvel, buganvília, vacinas do kit da Unicef e balança suspensa.
(Palhota-Posto de Saúde, Moneia, Zambézia)

Quando regressei de Moçambique, a mãe de um menino perguntou-me como tinha sido e se tinha gostado da estadia. Apesar de ter ido no verão, a altura do ano em que os meninos estão menos doentes e apesar de ter pedido a uma colega para me ficar a substituir, foram muitas as mães que me telefonaram para o fim do mundo por pequenas intercorrências porque, segundo elas, precisavam de ouvir a minha voz para se tranquilizarem. Não foi fácil, disseram algumas: saber-me longe, sem poder acudir aos seus meninos se fosse necessário.

Quanto a mim, atendi sempre o telefone. Talvez pudesse não o ter feito, mas sei que tenho responsabilidades. Não gosto de alimentar dependências, mas também não sei fazer psicoterapia e mudar personalidades. E como autonomizar quem ainda não tem auto-confiança e está a dar os primeiros passos juntamente com os filhos? E quem sou eu para dizer que é patológico querer falar com alguém que se conhece e em quem se tem confiança quando se tem um problema? De qualquer modo também não tinha ido para fugir de nada nem de ninguém. Tinha ido porque sentia que rebentava de saudades. Não fazia sentido deixar nada para trás.

Mas, roaming à parte, para mim também não foi fácil atender o telefone... Num hospital no meio do mato onde há crianças desnutridas e com doenças gravíssimas, onde morre gente todos os dias, onde faltam recursos humanos e humanidades, onde faltam medicamentos, material e boas-vontades, não é totalmente imediato  responder às angústias de uma mãe de forma empática quando o drama é que tossiu durante a noite e tem o nariz entupido. É violento atender o telefone e entrar de repente em "modo de civilização" quando se está a milhares de quilómetros a lutar com todas as nossas forças para fazer alguma coisa em "modo de fim-do-mundo".

E perguntava-me essa mãe se não tinha sido forte demais para mim assistir, tantas vezes impotente, à miséria das pessoas... Ao que respondi que certamente tinha tido alguns dias maus. E um ou dois dias horríveis também. Mas que o resto compensava. Sobretudo o exemplo de amor incondicional dos Macuas pela família. E que chegava a ser comovente a forma como aquele povo cuidava dos seus filhos e os protegia. Que famílias inteiras eram capazes de percorrer mais de 100 km a pé para levar uma criança doente ao hospital e ficavam por lá durante o tempo que fosse necessário enquanto durasse o tratamento, arriscando-se a perder toda a colheita desse ano por falta de trabalho no campo. Que mesmo que tivessem oito, dez filhos sofriam e dedicavam-se da mesma maneira. E contei-lhe que os Macuas, quando queriam ver se uma pessoa merecia a sua confiança, mandavam sempre primeiro uma criança ter com ela e, dependendo da forma como tratava a criança, assim concluiam se era alguém que merecia ou não o seu respeito. Que era um povo muito místico, muito alegre e muito afável...

A mãe olhava para mim, meia embevecida, meia incrédula, enquanto eu falava com o brilho no olhar que me caracteriza quando falo deste povo e deste país que me encanta. Não costumo falar disto com os doentes e era a primeira vez que falava sobre Moçambique com ela, mas depois destas frases respondeu-me:
- A Doutora não consegue mesmo ver o lado da miséria e da pobreza, pois não? É como se estivesse perdidamente apaixonada...

E é verdade. É mesmo verdade. Estou irremediavelmente apaixonada. Não é que não veja o lado da pobreza e da miséria. Eu vejo. Como vejo... E sofro com ele. Mas é como se esse lado quase não tivesse impacto em mim. 
25
Nov10

[as melhores do serviço de urgência] pequenas vocações

beijo de mulata
Ontem no Serviço de Urgência, surpreendentemente calmo apesar da greve, estava a ver-me e desejar-me para acalmar um bebé de 6 meses para ver se o conseguia auscultar. Nem ao colo da mãe se acalmava, nem com chucha ou com Aero-OM, nem com a minha canção da História da Gaivota, que aprendi com os senhores da Música nos Hospitais e que habitualmente acalma mesmo a mais miserável das pequenas criaturas...
- Mas, mãe, não costuma haver nada que acalme o bebé?
- [Um pouco envergonhada] Sim, Doutora, ele costuma acalmar-se quando lhe canto... a tabuada!
25
Nov10

[welcome to mozambique] a capulana

beijo de mulata
Mulheres regressando do rio.
(Gilé, Zambézia)

Tu nunca a viste sem a capulana,
porque a capulana é parte dela.
A capulana de minha mãe é minha capulana.
Também, quando eu era pequenina,
foi o meu berço de menina
nas costas da minha mãe.
É dom de toda a família,
é transporte de mobília.
É enfeite em casa de rico.
A capulana de minha mãe
serve de graça a qualquer
e aceita ser emprestada
a qualquer outra mulher.
Pode servir de tapete
e ser pisada, ser joguete
sem se queixar de ninguém.
É querida se está doente,
nas festas é um presente,
enxuga a fronte a quem chora,
e é contente a toda a hora.
Faz-se toalha de mesa,
faz-se toalha de rosto,
faz-se toalha de altar.
Limpa a baba do menino,
na morte é a nossa mortalha.
A capulana da minha mãe!
Tudo cabe dentro dela,
e nela tudo se agasalha.
Quem tem coração generoso,
jamais a recusou.
Quem a louvou algum dia?
Quem dela se recordou?
A capulana da minha mãe
é como o seu coração,
nasceu para nunca dizer não!

(Poema popular moçambicano)
23
Nov10

[a minha vida dava um filme cigano] os doentes devem estar loucos

beijo de mulata
Esta tarde na consulta com um adolescente cigano e a sua família (felizmente apenas os pais e dois irmãos mais novos):
- Então, Mário, como é que tens passado das tuas alergias e das faltas de ar?
- [Com um ar de enfado] Estou naaa mesma!
- Na mesma?
- [Com o mesmo ar de que aquilo era uma seca que não tinha nada a ver com ele] Sim, naaa mesma!
- É mesmo verdade, mãe?
- [Com uma cara igualzinha à do filho] Sim, Sotôra, ele está na mesma, teve melhoras nenhumas desde que cá veio...
- Mas fez bem a medicação que eu lhe passei?
- Não, Sotôra, ele não tomou nada!

(Is it just me or...)
22
Nov10

[instantes] uma galinha para a senhoras doutoras

beijo de mulata

A tia da Margarida, uma menina que nos ficou no coração e a quem fomos visitar depois da alta do hospital... Insistia para que levássemos a galinha gorda (viva, obviamente!) como agradecimento por tudo quanto tínhamos feito pela sobrinha... Mas como aceitar quando sabemos que as famílias passam fome tantas vezes e uma galinha é preciosa na economia doméstica?

Acabámos por aceitar mesmo assim, ou melhor, acabei eu, sob o olhar furibundo da R., porque vislumbrámos o seu olhar de desapontamento quando fizemos menção de recusar. Porque de repente sentimos o calor da terra nos nossos pés, a força do olhar a direito desta mulher com uma lágrima a querer despontar e percebemos que a nossa recusa seria uma humilhação para a família... Não há como o povo macua para nos fazer compreender que ninguém é tão pobre que não possa dar alguma coisa e ninguém é tão rico que não possa receber...

O problema foi depois levar no carro a galinha gorda e rebelde, com a mania que fazia solos operáticos e com uma sede insaciável de voar, de dar bicadas e distribuir penas pelo ar... e mais não digo, que já devem estar a calcular o estado em que ficou a minha blusa... mas pronto, ou era a minha blusa ou os estofos do carro!

(Gilé, Zambézia)

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