No início da nossa estadia deste ano em Moçambique, o primeiro trabalho que eu e a R. fizemos foi o exame global de saúde aos meninos mais pobres da escolinha das Irmãs. Foram três dias extenuantes, que abrangeram um fim-de-semana, em que vimos mais de 250 crianças, mas resultou num trabalho de equipa fantástico, em que todos os funcionários colaboraram com muito boa disposição: uns pesavam e mediam, outros registavam nos gráficos de percentis, outros faziam rastreio de visão e outros de audição e quando, finalmente, as crianças chegavam a nós, cada uma tinha um tradutor de macua... Um autêntico luxo!
Um dos meninos que vimos, um amor de criança com cinco anos, tinha uma ptose palpebral congénita, ou seja, tinha as pálpebras descaídas desde que nascera, de tal maneira que apenas via o mundo por uma nesguinha de luz e estava em risco de cegar progressivamente (estamos a tratar da ida dele à capital para ser operado, não fiquem assim). E àqueles olhos tão pouco habituados a ver, qualquer luminosidade provocava uma sensação intensa de desconforto pelo que se recusava frequentemente a que lhe levantassem as pálpebras para treinar a visão e foi muito difícil testá-lo. No final do teste começou a chorar como se não aguentasse mais.
- Então, meu querido, por que é que estás a chorar? - perguntaram-lhe.
- Tenho muito frio nos olhos...
* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.