Sinto-me estranha de cada vez que tomo um banho de água quente... Comovo-me com a água nas torneiras. O próprio facto de existirem duas torneiras gémeas na banheira me emociona profundamente. Inspecciono o chão e as paredes da casa-de-banho quando me estou a despir porque ainda não me passou a imagem de todos os bichos que se cruzaram comigo nessas circunstâncias e me fizeram brotar várias vezes, das profundezas da alma, um quase dó sobreagudo. Num vibrato aflitivo. É em momentos como estes que se descobrem profundidades de carácter nunca antes suspeitadas... Ofendo-me visceralmente se não me colocarem doce de manga na mesa do pequeno-almoço. A própria expressão
pequeno-almoço me soa despropositada (para quê tomar um cinzentão de um pequeno-amoço quando o verbo
mata-bichar nos pode fazer sorrir gratuitamente?). Só entro no carro pelo lado certo porque era quase sempre a R. a conduzir. Ou a Irmã Lurdes. Mas, mesmo assim, a disposição do carro e das estradas está profundamente errada... Ainda tenho o gesto automático de tentar matar todos os mosquitos que me passam pelos olhos e lembro-me de procurar o repelente sempre que anoitece. Fico confusa quando oiço carros a passar durante a noite ("Quem será a chegar a esta hora?!"). Sobretudo angustia-me a perspectiva de os dias, as horas, a vida terem menos sentido deste lado do mundo...