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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

25
Jun10

[vozes brancas* #17] com sotaque cigano

beijo de mulata
Esta manhã, na consulta, estive a ver um menino de etnia cigana de 11 anos, com um humor irritável até à quinta casa, muito mal disposto por ter de estar ali sentado na consulta e com uma linguagem de insultar um taxista. Digo taxista porque hoje em dia já não existem carroceiros. Nem mesmo entre os ciganos. Se bem que comparar a linguagem daquele miúdo à de um taxista talvez fosse pouco. Só se fosse um taxista pouco polido e com uma história anterior de acidente isquémico do lobo frontal. Só que hoje em dia também não devem existir assim tantos, sobretudo com aquele pormenor do AVC... Mas pronto, se calhar já perceberam a ideia e arrematávamos por aqui, que esta é a melhor comparação que consigo arranjar neste momento: o rapaz tinha uma linguagem de fazer corar um taxista pouco polido e com o lobo frontal avariado.

Adiante. Ora, eu precisava de lhe medir o volume dos testículos, procedimento para o qual se utiliza uma espécie de colar, com contas progressivamente maiores que se comparam com o tamanho dos "amiguinhos". Como o menino se recusasse a ser observado, mandei buscar os homens da família para o imobilizar (por uma vez na vida agradeci que nesta etnia fossem sempre famílias inteiras a acompanhar as crianças ao hospital). E com o pai, o avô e o padrinho com cara de poucos amigos dentro da sala, o menino lá se dispôs "voluntariamente" a despir-se e medi-o rapidamente.
- Estás a ver, Moisés, o direito tem... 2 e o esquerdo... deixa cá ver... olha, também!

Responde o menino, com um ar maroto:
- Ah... entã isso deve ser o que vamos teri hoje à noite!

A minha cara de oh,valha-me Deus deve ter sido bastante expressiva, porque a mãe se apressou a explicar de imediato:
- ligue, Doutora, que ele está a falari é do jogo de futeboli! Está a dizeri que hoje vamos empatari 2 a 2 no Portugal-Brasil...

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
25
Jun10

[levantar-se com as galinhas] ...como o bispo

beijo de mulata
Rapariga com Galinhas, Paula Rego


Em Iapala, a expressão levantar-se com as galinhas dava sempre direito a um sorriso bem disposto das Irmãs e havia invariavelmente uma ou outra que acrescentava: Pois é, amanhã vamo-nos levantar com as galinhas como o Bispo.

A primeira vez que ouvi aquela prótese aforística não estranhei nada nem liguei nenhuma. Os bispos são habitualmente pessoas ocupadas e têm certamente de se levantar cedo muitas vezes. Mas a verdadeira razão pela qual me passou ao lado o olhar meio gozão das Irmãs foi, certamente, o impacto emocional que esta expressão tem em mim. É proverbial a minha dificuldade em acordar de manhã cedo. E pior do que acordar de manhã cedo, só mesmo acordar e levantar-me de manhã cedo. Mas, na segunda vez, a expressão de gozo era tão evidente que acabei mesmo por perguntar:

- Como o Bispo? Mas porquê como o Bispo?
- Ah... isso tem uma história...
(Ah... afinal havia história ali pelo meio... e ou muito me enganava ou as Irmãs estavam mortinhas por contá-la!)
- Tem história? Ah... E que história é essa?
(Não se ponham é já a imaginar histórias lúbricas, que isto pode não ser um blog sério, mas pelo menos tenta parecê-lo... E com Bispos e Irmãs, convenhamos que não há assim muito potencial...) Mas então a história era a seguinte:

Antes da Independência de Moçambique, no bispado de Nampula bispava um Bispo chamado D. Manuel Vieira Pinto. Pelo que as Irmãs contam e as pessoas que viveram esse tempo corroboram, D. Manuel Vieira Pinto era um homem muito carismático, muito sensato, extremamente afável e compreensivo e com um talento de orador nato. Interessava-se pelos problemas do povo e procurava o mais possível entrar em contacto com as pessoas, viajando, mesmo durante a guerra, por toda a província. O povo venerava-o e ansiava pelos seus conselhos. No final das visitas ofereciam-lhe o sempre o melhor que tinham. Geralmente os presentes do povo eram alimentos: bananas, milho, galinhas. E, obviamente que, estando no mato, literalmente a anos-luz da civilização, o único método de conservar uma galinha para não se estragar na viagem de regresso, era preservá-la... viva.

D. Manuel Vieira Pinto era, no entanto, paradoxalmente, um homem também muito frágil e sensível, quer em termos físicos quer em termos emocionais, pelo que as Irmãs se afadigavam em mimos e cuidados para minimizar o seu desconforto quando pernoitava na Missão de Iapala. Uma tarde, após uma longa saída de três dias para o mato, as Irmãs e o Bispo regressaram à Missão com um carregamento considerável de galináceos, que se apressaram a entregar a um empregado da Missão (Barril de seu nome) com a expressa indicação para não as misturar com as galinhas das Irmãs.

Nessa noite, o Bispo, exausto, recolheu cedo ao seu quarto para se ir deitar. No entanto, o quarto, habitualmente tão mimoso, tão fresco e arejado, especialmente preparado para si pelas Irmãs, exalava um cheiro nauseabundo que não o deixou dormir em toda a noite. Intrigado, o Bispo dava voltas na cama sem compreender uma falta de consideração tamanha das Irmãs. Ainda se estivesse numa casa de padres, que habitualmente pensam pouco no conforto e limpeza dos aposentos dos hóspedes, agora em casa das Irmãs... E logo das Irmãs de Iapala, sempre tão solícitas... Que se teria passado?

Só adormeceu de madrugada, vencido pela fadiga, para ser acordado meia hora depois pela eloquente explicação para a falha terrível das Irmãs: cocorococó! O cacarejo vinha de dentro do seu quarto! Atónito, abriu o olhos e viu duas dezenas de galinhas a sair de baixo da sua cama, onde tinham pernoitado e a andar pelo quarto, desconcertadas pela dureza do chão que incessantemente tentavam bicar... O Sr. Barril tinha guardado as galinhas no quarto do Bispo para ter a certeza de que não se confundiam com as das Irmãs...
25
Jun10

[vozes brancas* #16] e erros adoráveis

beijo de mulata
Menino de 3 anos hoje na minha consulta:
 - Eu amanhã vou com o meu avô andar de bicicleta para o pé da Quinta Pedalógica!
(Após o que a mãe me perguntou se fazia mal em não o corrigir porque achava aquele engano delicioso... adoro mães sensatas e sensíveis!)

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.

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