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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

18
Jun10

[welcome to mozambique] o nampula-cuamba orient express

beijo de mulata





(continuando...)

Em menos de cinco minutos o comboio iniciou a sua marcha, a passo de caracol. Como tudo em Moçambique, funcionava ao ritmo de África, sem pressa, sem horário a cumprir. A cada quinze ou trinta minutos havia uma paragem e a vida dentro e fora do comboio sofria uma revolução. Em todas as estações e apeadeiros (estações e apeadeiros é uma forma de dizer, já que não havia uma única plataforma para os passageiros descerem, quanto mais uma estação) havia um aglomerado enorme de pessoas e toda a gente se levantava e acorria à janela, para vender ou comprar os seus produtos. Tudo era transaccionado no meio da maior agitação, desde galinhas até rebuçados, passando por pilhas, garrafas vazias, peneiras, carvão, garrafões de óleo, sabão, comida, roupa...

– Tudo serve para vender nesta terra... As pessoas compram sobretudo o que pensam que pode ser vendido por um preço superior e não o que lhes faz realmente falta. O mesmo produto chega a ser transaccionado dezenas de vezes. É um tipo de economia que não faz muito sentido porque vistas bem as coisas não cria riqueza. Mas o comércio está na alma deste povo, é o que os estimula e os faz caminhar quilómetros e quilómetros para vir ao comboio vender o que quer que seja... Isto é um supermercado andante. Queres comprar alguma coisa? Experimenta! Mas tens de regatear, para que não te tomem por ingénua.
– Talvez à vinda, Irmã...
– Não, à vinda já não vimos de comboio.
– Está bem, vou ver se encontro alguém a vender café da região.
– É melhor comprares a uma mulher, são mais honestas.

Para minha surpresa foi bem mais fácil do que temia e a senhora que mo vendeu foi extremamente afável e correcta, o negócio decorreu literalmente sobre rodas. Por fim ainda me quis oferecer um pedaço de cana-de-açúcar como atenção à cliente invulgar. Não há dúvida. O comércio é a vocação desta gente! Até o comboio, que em todo o lado é apenas um meio de transporte, aqui é o principal ponto de encontro e de vendas...

Em três horas fizemos os 100 km até próximo da aldeia de Murralelo e, por sorte, nem dois minutos depois de sairmos do comboio, cruzámo-nos com um jeep que seguia a direcção da aldeia. O motorista era um português de Aveiro, funcionário de uma empresa agrícola que seguia caminho para ir comprar tabaco e algodão aos produtores das aldeias e ficou satisfeitíssimo por nos dar boleia, já que não falava com portugueses há muito tempo.

De facto, o senhor já não falava certamente com ninguém há muitos dias, porque, depois de se inteirar de quem éramos e o que fazíamos ali, não parou de falar sobre variadíssimos motes, desde o cultivo da mandioca até às suas aventuras na reserva de caça da Zambézia. Casado e com dois filhos em Portugal, passava todos os anos pelo menos seis meses em Moçambique a trabalhar. Agora que os filhos estavam casados e ainda não havia netos, a mulher este ano tinha vindo acompanhá-lo:

– Têm sido os meses mais felizes da minha vida. A minha mulher percebeu finalmente a minha paixão por Moçambique e diz que só é pena não vivermos aqui desde sempre! Aqui é que os nossos meninos deviam ter crescido, disse-me ela ontem. Eu sabia que assim que a trouxesse ela se haveria de apaixonar por África, por estes espaços, este cheiro, estas pessoas. É uma paixão que não tem cura. Só em África é que me sinto vivo!

(continua...)

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