02
Jun10
[experiências de vida] et in arcadia egas
beijo de mulata
Diziam, nos meus tempos de faculdade, que a cadeira de Medicina III do sexto ano era a cadeira mais difícil do curso em termos teóricos, mas que também poderia ser a mais divertida se ficássemos no serviço certo e no hospital certo. Foi o que aconteceu comigo.
Por um golpe de sorte, fiquei colocada no Serviço de Medicina II do Egas Moniz (et in Arcadia Egas), um pavilhão improvável, sem ar condicionado, construído no alto de um morro, rodeado (praticamente engolido!) por uma vegetação tropical luxuriante, onde só se chegava subindo os 116 degraus do jardim que nos levavam todas as manhãs a um mundo inverosímil. Naquele serviço vivia-se uma sensação de insularidade. Cada pessoa tinha peculiaridades e idiossincrassias que nunca poderia ter se no quotidiano se misturasse com outras pessoas à hora do café. Foi o único serviço que conheci em que se podia tranquilamente marcar reuniões para as 11:30 sem se correr o risco de estar alguém a tomar café, pela simples razão de que ninguém ia tomar café às 11:30. Nem a qualquer outra hora. Não se saía do serviço por dá cá aquela palha. As pessoas tinham adquirido uma autonomia notável dadas as barreiras arquitectónicas e psicológicas entre o serviço e o resto do hospital.
Nos outros serviços, se um doente precisava de ser transferido, pegava-se numa maca e transferia-se o doente. Naquele serviço para transferir um doente era preciso chamar uma ambulância medicalizada. Os doentes não eram transferidos. Eram evacuados! Nos outros serviços vivia-se normalmente. Na Medicina II sobrevivia-se alegremente.
Terminado o sexto ano, saí da grande escola do Egas perfeitamente apta para trabalhar num hospital meio do mato em Moçambique.
Por um golpe de sorte, fiquei colocada no Serviço de Medicina II do Egas Moniz (et in Arcadia Egas), um pavilhão improvável, sem ar condicionado, construído no alto de um morro, rodeado (praticamente engolido!) por uma vegetação tropical luxuriante, onde só se chegava subindo os 116 degraus do jardim que nos levavam todas as manhãs a um mundo inverosímil. Naquele serviço vivia-se uma sensação de insularidade. Cada pessoa tinha peculiaridades e idiossincrassias que nunca poderia ter se no quotidiano se misturasse com outras pessoas à hora do café. Foi o único serviço que conheci em que se podia tranquilamente marcar reuniões para as 11:30 sem se correr o risco de estar alguém a tomar café, pela simples razão de que ninguém ia tomar café às 11:30. Nem a qualquer outra hora. Não se saía do serviço por dá cá aquela palha. As pessoas tinham adquirido uma autonomia notável dadas as barreiras arquitectónicas e psicológicas entre o serviço e o resto do hospital.
Nos outros serviços, se um doente precisava de ser transferido, pegava-se numa maca e transferia-se o doente. Naquele serviço para transferir um doente era preciso chamar uma ambulância medicalizada. Os doentes não eram transferidos. Eram evacuados! Nos outros serviços vivia-se normalmente. Na Medicina II sobrevivia-se alegremente.
Terminado o sexto ano, saí da grande escola do Egas perfeitamente apta para trabalhar num hospital meio do mato em Moçambique.