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Beijo de Mulata

Beijo de Mulata

22
Mai10

[welcome to mozambique] os rituais de iniciação

beijo de mulata
(continuação)

Durante a iniciação, as meninas aprendem também a tatuar as partes do corpo que ficarão recobertas pelas roupas, o ventre, o peito e as coxas, com pequenos cortes na pele formando padrões elaborados em que colocam pó de carvão vegetal e que depois formam cicatrizes muito pretas com relevo. Durante algumas semanas juntam-se quatro ou cinco amigas e vão para as margens do rio, longe dos olhares de estranhos, onde se submetem lentamente a estas operações de tortura, intervaladas por longos banhos refrescantes e massagens de relaxamento para aliviar a tensão dos músculos que se retesaram pela dor. À semelhança do que me aconteceu com as danças, só muito tempo depois de as ter visto largamente na maternidade, enquanto assistia aos partos, é que me apercebi de que também as tatuagens são tabu na sociedade macua e que as mulheres as utilizam como um trunfo major para a sedução.

Mas o principal objectivo do ritual de iniciação é a instrução das meninas sobre as práticas sexuais, sobre como namorar, as regras de convivência com os homens, os ritos e tabus do namoro e matrimónio e a importância de gerar filhos. É com modelos anatómicos e role-play que aprendem a mecânica do acto sexual e com canções que aprendem e interiorizam todos estes ritos e regras ao longo dos dias da iniciação. Existem múltiplas canções cuja frase principal é “a nossa riqueza são os filhos” e quase todas as canções que aprendem falam deste tema ou da importância das práticas sexuais na vida de um casal. As meninas são muitas vezes encorajadas a ir rapidamente colocar em prática os novos ensinamentos. E, entre os macuas, ter filhos fora de uma relação estável ou do matrimónio não é de todo malvisto (aliás, uma mulher que já gerou filhos será, aos olhos de um homem, mais apetecível como esposa do que uma que não têm a certeza de que será fértil…).

E, já agora que estou com as mãos na massa, aproveito para perguntar a quem conseguiu ler este post até ao fim, que sentido terá gastar rios de dinheiro nas campanhas de prevenção do VIH com cartazes de rua e folhetos dirigidos a escolas e centros de saúde, se as principais educadoras sexuais, que são as mulheres que realizam os rituais de iniciação não forem visadas? Não seriam antes estas mulheres quem interessava “agarrar” e cativar para, a par das manobras de sedução, ensinarem também as meninas a proteger-se? Não é fácil falar com elas, eu sei, não é fácil que elas aceitem o que sai fora dos ritos tradicionais, mas nas aldeias perdidas no meio da savana, onde a SIDA grassa como a cólera, esta é mesmo a única maneira de travar o flagelo…
21
Mai10

[welcome to mozambique] hips don't lie

beijo de mulata


As mulheres macuas*, de entre as mulheres moçambicanas, são conhecidas por serem as mais bonitas, as mais vistosas e, acrescenta quem sabe, também as mais fogosas... Diz também quem sabe, que os segredos das mulheres macuas se transmitem de mães para filhas, de irmãs para irmãs, mas que os maiores segredos são transmitidos durante o ritual de iniciação, que marca a passagem da puberdade para a idade adulta. É sobretudo durante os dias da iniciação que as meninas aspirantes a mulheres aprendem as técnicas fundamentais da arte de agradar a um homem.

Após a primeira menstruação, instruídas pelas irmãs mais velhas ou pelas primas, podem começar a aprender a dançar uma dança que até então lhes estava interdita e que nenhuma mulher poderia dançar em frente a outra não iniciada (e que, com muita pena minha, tem um nome absolutamente impronunciável, de outro modo faria agora aqui um brilharete), em que bamboleiam as ancas** num movimento ao mesmo tempo enérgico e sensual.

Uma vez, quando ainda não sabia que a dança era interdita, pedi às meninas que viviam no lar das Irmãs para dançarem para mim. Escusado será dizer que elas tiveram uma enorme relutância em dançar, por medo da minha reacção, já que as Irmãs habitualmente não aprovavam aquelas danças por as considerarem “perigosas” e tinham medo que algum homem as visse dançar e se fosse meter com elas (mas, por vezes as próprias Irmãs africanas, nas noites mais animadas dançavam dentro de casa entre a galhofa geral - desde que, obviamente, não estivessem homens por perto...). Assim, nessa tarde gramei com danças de igreja durante horas a fio, até que uma delas, com mais vontade de dançar, ou talvez compadecida do meu tédio, teve a ideia de ir para trás da casa e lá se decidiram a dançar a dança interdita à minha frente.

(continua...)

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* A etnia que habita as províncias mais a norte de Moçambique.
** Para os leitores brasileiros: em Portugal e em Moçambique a palavra “anca” é perfeitamente normal e nada ofensiva.
20
Mai10

[welcome to mozambique] bela é a mulher que o mussiro esconde

beijo de mulata






Próximo da orla costeira de Nampula, cresce uma árvore de cujo tronco se extrai uma pasta branca, o mussiro, utilizada pelas mulheres para preparar uma máscara facial de relaxamento, que evita as rugas, refresca e amacia a pele e que, depois de seca no rosto, lhes retira parte da expressão, conferindo-lhes um fácies levemente enigmático, que as torna mais atraentes para os homens (apesar de nunca ter ouvido ninguém dizer isto, não consigo deixar de fazer um paralelismo com a máscara das geishas orientais).

A primeira visão é desconcertante, mas depois entranha-se e passa a fazer parte dos momentos brilhantes da paisagem humana, tal como a infinita paciência das mães a pentear as filhas na ombreira das portas ao fim da tarde.
19
Mai10

[welcome to mozambique] o baptismo de voo

beijo de mulata



Cheguei pela primeira vez a Nampula no dia 5 de Agosto, dia de Nossa Senhora de África, em vez do dia 4 de Agosto, como tinha planeado. Mais de 24 horas de atraso porque em Maputo não consegui apanhar o avião à primeira. Não sei se me compreendem. Eu sou loira, começa tudo aí...

Já não era a minha primeira vez em África, mas das vezes anteriores tinha sempre tido acompanhantes, motoristas, amigos para me ajudar e não tinha entrado completamente na dinâmica do país... Confiava nas coisas que sempre dei como garantidas e nunca na minha vida tinha colocado em causa. Por exemplo, pensem comigo: se estiverem várias pessoas numa fila para um balcão, podemos acreditar que essas pessoas querem ser atendidas, certo? Concretizando, se essa fila for a fila do check-in cujo balcão ostenta o número do nosso voo, por exemplo - isto é só um "supônhamos" - e estiverem várias pessoas com malas nessa mesma fila, poderemos assumir que essas pessoas estão para embarcar connosco no nosso voo. Ou não? Não sei quanto a vocês, mas foi isso que eu assumi. Coloquei-me na fila e aguardei pela minha vez. Erro crasso!

Os estimados leitores com alguma experiência de aeroportos em África talvez estejam agora a sorrir - está-se mesmo a ver por que é que ela perdeu o avião! Pois é... Só algum tempo depois de estar naquela fila é que me apercebi que:

a) o empregado do balcão que estava a falar com a primeira pessoa da fila não a estava a atender (estavam apenas a conversar);
b) a fila em que eu estava não avançava e não iria avançar de todo porque as pessoas à minha frente não tinham bilhete (estavam na fila há vários dias)*;
c) já todos os passageiros do meu voo tinham feito o check-in várias horas antes, não fosse acontecer-lhes o que me veio a acontecer a mim;
d) os empregados do balcão tinham decidido, à hora em que o voo estava quase completo (duas horas antes do embarque), que eu já não viria e tinham vendido o meu bilhete a outra pessoa (possivelmente ao primeiro da mesma fila onde eu então me encontrava);
e) o meu voo já estava completo, fechado e pronto para partir com meia hora de antecedência.

Não entrei em pânico. Nem me preocupei. No fundo eu já ia avisada: que esperasse de tudo, que não esperasse bons serviços, que não esperasse mesmo quaisquer serviços, que não me surpreendesse com nada. Que em África tudo acontece, mas geralmente tudo se resolve também.

Quando fui reclamar ao balcão do check-in, os senhores olharam-me com indiferença e nem se dignaram a responder-me. Fui a um balcão da companhia: Que não era nada com eles. Tinham-me chamado e eu não estava, portanto tinham vendido o meu bilhete.

Seria então altura para entrar em pânico? Não, isso seria mais um erro crasso. Irritei-me! Fui reclamar, desta vez em voz mais alta e mais grossa, a um terceiro balcão e lembro-me de ver a senhora empalidecer quando utilizei a palavra "overbooking".

- Venha outra vez amanhã, disse simplemente.
- Ok.

No dia seguinte passei à frente de tudo e de todos, dirigi-me directamente ao balcão do check-in e a senhora com quem eu tinha falado no dia anterior lá descobriu um lugar vago em classe executiva no vôo Maputo-Pemba dessa tarde, com escala no meu destino... Quanto a mim, foi a primeira e última vez que me coloquei numa fila sem saber com toda a certeza o que se passava do lado do balcão!

*E perguntam vocês: Mas se não tinham bilhete, o que estavam as pessoas e as malas a fazer naquela fila de embarque? Pois... Isso já tem a ver com a cultura de um povo. Por acaso até tenho uma teoria. A minha teoria é que na verdade eles provavelmente não estavam ali a fazer nada. Nem seria ali que iriam arranjar bilhete, mas no balcão da companhia. Eles estavam ali apenas... à espera. Foram esperar para ali porque seria dali que iriam partir. É isto.
19
Mai10

[we're off to see the wizard] the wonderful wizard of moz

beijo de mulata
Quando, antes de cada missão, eu dizia que ia partir em voluntariado para um local tão remoto que se demorava três dias a chegar, algumas pessoas olhavam para mim incrédulas do meu entusiasmo - e às vezes da minha sanidade mental... Mas há casos muito mais flagrantes do que o meu. Em 2008 no Gilé conheci o Emílio, colega de Medicina Interna, que dez anos antes tinha deixado a família em Espanha para ir de férias por três meses e ficou à primeira!
19
Mai10

[nomes que dizem tudo #9] amor a dobrar

beijo de mulata
Dois gémeos, filhos de mãe Queniana e pai Catalão (internados no meu hospital, claro, where else?). Ela chama-se Blessing e ele Godswill...

(Fui só eu que fiquei derretida e acho que Blessing é um nome com uma sonoridade linda para uma menina? Não que o pusesse a uma filha, mas neste caso uma vez que já está...)
18
Mai10

[vozes brancas* #13] poesia em estado puro

beijo de mulata
Hoje numa consulta de rotina com uma menina de 4 anos:

Mãe (babadíssima) - Bárbara, diz lá à Doutora P. aquilo que disseste ontem à mãe sobre o teu desenho.
Bárbara (um pouco envergonhada) - Esta noite tirei o sol e as nuvens do céu!

Fiquei sem palavras e a babar-me, se possível, ainda mais que a mãe...

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
18
Mai10

[vozes brancas* #12] e a arte de rua

beijo de mulata
Esta tarde na consulta com um menino de dois anos (já a mostrar sinais de alguma impaciência):

Menino (enquanto brincava com o telemóvel da mãe) - Mãe, cucurruu...
Mãe - Sim, filho, já vamos.
Eu (escrevendo um atestado) - Que querido, quer ir ver as pombinhas?
Mãe - Sim, doutora, ele quer ir dar milho aos pombos.
Eu (distraída, escrevendo mais uma declaração) - Que amor...
Menino - Mãe, o au...
Mãe - Sim, filho, já vamos ver as estátuas.
Eu (passando uma receita) - ...
Menino (com voz cada vez mais impaciente) - Mãe, mãe, o au...
Mãe (também impaciente) - Sim, filho, já vamos, as estátuas não fogem...
Eu - Mas ele está a dizer "au"... é a estátua de algum cão?
Mãe - Não Doutora, é que ele gosta de ir ver as estátuas do Rossio, que são enormes e, quando olha para elas diz: "Uau!"

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.

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