Não é fácil crescer sendo albino em parte nenhuma do mundo. As crianças correm sérios riscos de sofrer queimaduras solares graves, tumores malignos da pele, cataratas, retinopatia e o diabo a quatro (ou a sete, se preferirem, que um diabo nunca vem só e quatro diabos muito menos)... Em Moçambique, no entanto, ser albino é ser um alvo fácil.
Caso sejam protegidos pelas famílias, o melhor que lhes pode acontecer é serem apenas vítimas de discriminação e ser alvo das superstições mais cruéis. Alguns dizem que ter nascido albino é feitiço, outros pensam que se trata de pessoas vindas do outro mundo, outros chegam a pensar que são filhos do diabo e que os albinos não morrem, desaparecem. Em Angola, há alguns anos, um curandeiro muito respeitado chegou a dizer a vários dirigentes políticos que eles estavam imunes à SIDA, devendo apenas ter alguns cuidados básicos de higiene, como não ter relações sexuais com albinas*. É claro que metade deles estão agora infectados com o vírus...
As mães das crianças albinas que vi no hospital tinham, invariavelmente, um olhar assustado e triste e baixavam os olhos quando as outras mães com crianças normais as olhavam de frente descaradamente. Como se o facto de os filhos terem nascido albinos fosse a prova material de algum tabu quebrado por elas (tinham certamente cometido algum pecado inenarrável que agora estava à vista de todos). Da minha parte tinha sempre o cuidado de lhes oferecer protector solar, perguntar se a família se tinha desfeito após o nascimento da criança (e por demasiadas vezes tinha mesmo) e de pedir o apoio das Irmãs para a mãe e para a criança caso o pai as tivesse abandonado.
Mas, pior ainda, se as famílias não os protegerem, os albinos podem tornar-se bodes expiatórios das catástrofes naturais e das suspeitas de feitiços. Volta e meia nos jornais lêem-se as notícias de atrocidades cometidas sobre os albinos, vítimas de linchamento, geralmente por acusações de feitiçaria. Paradoxalmente (ou, se calhar na mesma linha de raciocínio, não entendo muito bem), alguns órgãos internos dos albinos são considerados como tendo poderes mágicos para a realização de feitiços, pelo que são muitas vezes também vítimas de rapto para tráfico de órgãos.
Daí que quando estive na Zambézia tenha ficado por demais agradada por ver albinos frequentar a escola, passear tranquilamente na rua, brincar com outras crianças. E vi muitos adolescentes quase adultos. Vivos. Todos vivos e bem tratados. É pela forma como as pessoas lidam com a diferença que se conhece a qualidade de uma sociedade.
* Valha-me Nossa Senhora do google se, depois dos sportinguistas, dos benfiquistas e dos voyeristas, agora são os fetichistas que me invadem o blog.